Com hospitais lotados, Rio tem 1500 leitos vazios

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Foto: Tércio Teixeira/Folhapress

A epidemia expôs a ruína da medicina pública do Rio. Enquanto os governos abrem hospitais de campanha e seus hierarcas dão entrevistas, a cidade tem cerca de 1.500 leitos vazios. Mais de mil deles estão em hospitais federais e universitários. Estão vazios porque as instituições foram sucateadas (e sucatearam-se) em termos de equipamentos e recursos humanos.

O governo do município ofereceu mil vagas para médicos com salários de R$ 4.411 a R$ 11 mil por jornadas de 12 a 30 horas semanais. Apareceram muitos currículos, mas os interessados chegam num ritmo de pinga-pinga.

O Hospital Universitário da UFRJ, no Fundão, tem 200 leitos, ganhou 60 outros e, destes, 50 estão vazios. Ele foi construído sonhando ser o melhor do Brasil. O Hospital dos Servidores do Estado (federal), que já foi o melhor, está com 130 leitos vazios.

Essa desgraça aconteceu por razões compreensíveis e também por motivos irracionais. Se o município oferece mil vagas temporárias e elas ainda não foram preenchidas, os médicos têm seus motivos, ora porque querem ganhar o que acham justo, ora porque não pretendem fazer biscates.

Os motivos irracionais aparecem quando se vê o caso dos hospitais universitários federais. Durante o governo de Dilma Rousseff foi criada a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, a Ebserh, e ela contrata celetistas, nada a ver com biscates. A UFRJ recusou-se a aderir às suas normas. Eram muitos os argumentos, mas o que robusteceu as militâncias foi a obrigação de bater ponto. Num debate dessa questão houve tapas e cusparadas.

Na rede privada, o médico é contratado por um salário em troca de uma carga horária. Na pública, vigoram um regime de dedicação exclusiva (com direito a manter a própria clínica em nome de um parente) e uma feira livre onde há os celetistas, as pessoas jurídicas, os terceirizados e os terceirizados dos terceirizados. Nessa barafunda de cargas horárias e vencimentos, há instituições que funcionam, mas avacalhou-se a estrutura.

Essa desorganização foi impulsionada no governo do “gestor” Sérgio Cabral e de seu secretário de Saúde, Sérgio Côrtes. Ambos foram para a cadeia e Cabral continua lá.

Existem dois tipos de papagaios: o de pirata, que aparece atrás de quem quer que seja, e o de crise. Este é especial, vive no andar de cima e canta o que os ministros da Economia querem ouvir. Guilherme Benchimol, da XP Investimentos, brilha nessa espécie, mas exagerou.

Quando a curva dos mortos apontava para a marca dos dez mil e num só dia ia-se para o recorde de 600 óbitos, o doutor disse o seguinte:

“Eu diria que o Brasil está bem. Nossas curvas não estão tão exponenciais ainda, a gente vem conseguindo achatar. (…) O pico da doença já passou quando a gente analisa a classe média, classe média alta. O desafio é que o Brasil é um país com muita comunidade, muita favela, o que acaba dificultando o processo todo”.

De fato, um funcionário da XP foi contaminado pelo vírus em fevereiro, durante uma viagem à Itália, mas favela “dificultando o processo” é coisa que nunca se ouviu.

Benchimol fala bem de si ensinando que “todo fundo do poço tem uma mola”. Descobriu, mas não entendeu, que no fundo do poço há também favelas.

Folha