Covid19 mata dois médicos por dia no Brasil

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Foto: Reprodução

Passados pouco mais de dois meses do início da pandemia do coronavírus no Brasil, 113 médicos morreram vítimas da doença. É uma média de quase dois profissionais por dia desde que o primeiro óbito foi registrado, em 16 de março. O Rio é o estado com o maior número de vítimas no período: 30 médicos perderam a batalha contra a Covid-19. O Pará, com 27, e São Paulo, com 26, aparecem logo em seguida no ranking. Há ainda casos em Pernambuco (6), Amazonas, Minas e Paraíba (4 cada), Ceará e Rio Grande do Norte (3 cada), Paraná e Bahia (2 cada), além de Alagoas e Santa Catarina (1 cada).

O levantamento foi feito pelo GLOBO junto aos conselhos regionais de medicina nos estados e a sindicatos da categoria. Do total de vítimas, pelo menos 27 óbitos, o equivalente a 30%, foram de profissionais que estavam no grupo de risco para a doença e tinham mais de 60 anos. No entanto, esse número pode ser maior, já que nem todos os conselhos regionais de medicina informaram a idade dos profissionais mortos.

Uma das pioneiras no tratamento de dores crônicas no país, a anestesiologista e acupunturista Rosa Maria Papaléo, de 75 anos, não hesitou em negar quando lhe perguntaram se queria se afastar da linha de frente do combate ao coronavírus na capital de Pernambuco. Servidora pública aposentada, Rosa Maria trabalhava em três hospitais particulares e com sua experiência de mais de 30 anos de medicina auxiliava os colegas no procedimento de intubação – um dos momentos mais tensos no atendimento aos doentes graves com Covid-19.

Foi justamente nessa hora que os colegas acreditam que Rosa Maria se infectou, já que os pacientes com insuficiência respiratória exalam muita carga viral no ar e o ambiente fica potencialmente contaminado. Descendente de italianos e muito afetuosa, Ana Rosa era chamada pelos colegas médicos de “mama”. Sua internação na UTI do hospital particular São Marcos, no Recife, causou comoção entre seus pares. Ela resistia a aceitar a intubação e chegou a assinar um termo para que não fosse para a unidade. Acabou demovida da ideia e os colegas fizeram de tudo para salvá-la, com todo tipo de tratamentos e medicamentos, sem sucesso. A anestesiologista morreu no último dia 1.

“Ana Rosa era uma profissional excelente muito querida por todos nós médicos. Eu perdi uma mãe. Era uma guerreira. Tanto que fez a opção de continuar na linha de frente. Estamos muito abalados – afirma o médico José Junior, especializado em anestesiologista e amigo de mais de duas décadas.

O diretor do sindicato dos médicos de São Paulo, Gerson Salvador, lamenta as mortes dos colegas e critica o modo como as autoridades têm gerido a crise do coronavírus.

— É com muito pesar que a gente conta os nosso mortos. Temos que prestar atendimento em condições inadequadas, muitas vezes sem equipamento de proteção, com cargas horárias extenuantes e afastados de nossas famílias. E, como se não bastasse, notadamente temos um presidente (Jair Bolsonaro) que boicota o controle da pandemia ao incentivar as pessoas a não aderirem ao isolamento e ao oferecer soluções ineficazes de tratamento, o que acaba nos constrangendo — afirma Salvador.

Em Niterói, a médica radiologista Célia Bastos Pereira, de 71 anos, é uma das vítimas mais recentes – morreu em 8 de maio. Célia foi professora titular de Radiologia na UFF, onde formou gerações de residentes no Hospital Universitário Antonio Pedro (HUAP). Colegas lembram da professora com carinho. O médico Alair Sarmet, professor da UFF e presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia, órgão máximo da especialidade, conta que, mesmo aposentada, Célia continuava atuando como voluntária no hospital Antonio Pedro, onde continuava a ensinar os residentes.

— Até uma semana antes de se internar, Célia estava ensinando os alunos e fazendo laudos no hospital. Era uma médica muito dedicada, trabalhadora. Fui residente dela em 1986. Ela também foi professora de radiologia da minha mulher e mais recentemente ensinou o meu filho, também médico — conta Sarmet, muito triste com a perda de amigos.

Célia não foi a única. No último dia 15, o mestre chorou a morte do ex-aluno e radiologista Víctor Luiz Bon, de 49, também morador de Niterói.

— Meu ex residente, amigo e companheiro. Não tenho palavras para dizer o quanto eu sinto. Eu estava acompanhando diariamente as noticias dele. E estávamos todos esperançosos. Ele estava internado no CTI, intubado e sedado, com COVID grave, mas estava evoluindo satisfatoriamente. Infelizmente, teve parada cardíaca súbita e não foi possível reverter – conta o professor.

Entre os mais jovens vítimas da Covid-19, o psiquiatra Danilo Davi Santos, de 33, morreu no último dia 10 no Rio. Segundo o G1, antes de ser entubado no Hospital Escola de Valença, onde trabalhava, no interior do estado, Danilo enviou a uma amiga uma mensagem comovente que exemplificava sua dedicação à medicina. “Meus pacientes precisam de mim, logo na semana que vem já tenho que ir salvar pessoas. Fico olhando aqui desse lado e só penso que eu poderia estar do outro lado ajudando”, escreveu Danilo. Quatro dias antes de apresentar os primeiros sintomas, ele atendeu três pacientes infectados por Covid na UPA onde também fazia plantões na emergência, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.“Lutou, lutou, lutou. Morreu na profissão, se contaminou na profissão, morreu trabalhando”, contou sua mãe, Francisca das Chagas dos Santos, de 61, que disse que o filho, de quase dois metros de altura, tinha diabetes e pressão alta.

Outro caso de médico jovem vítima do coronavírus que chamou a atenção foi o de Frederic Jota Lima, de 32, no mês passado, em São Paulo. Ele não tinha comorbidades e trabalhava na linha de frente de combate à Covid-19 na UPA 26 de agosto, operada pela Organização Social do Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, na Zona Leste da capital, e na UPA do Rudge Ramos, em São Bernardo, no ABC paulista. Frederic buscou atendimento no pronto-socorro do Emílio Ribas na madrugada de 21 de abril e morreu horas depois.

O Globo