Dívida pública pode ultrapassar 100% do PIB
Foto: Zanone Fraissat/Folhapress – 2019-06-12
Trabalho coordenado pelo economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha, estima que a despesa extraordinária com a pandemia de coronavírus pode superar R$ 900 bilhões. Com isso, o déficit nas contas públicas irá a R$ 1,2 trilhão em 2020, cerca de dez vezes o projetado no início do ano.
Atingido esse valor, a dívida bruta do governo vai superar 100% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano e deverá levar pelo menos uma década para ficar novamente abaixo desse patamar, com grandes chances de não retornar ao nível anterior à crise, de 76%.
De acordo com o estudo “Impacto Fiscal da Pandemia: Andando sobre Gelo Fino”, feito em conjunto com os economistas Marcelo Gazzano, Vinícius Botelho e Marcos Mendes, este último também colunista da Folha, antes da pandemia estava previsto um rombo de R$ 115 bilhões nas contas públicas. Considerando as medidas já anunciadas pelo governo, o valor ficará em R$ 712 bilhões.
O déficit pode chegar à marca de R$ 1,2 trilhão diante da hipótese, cada vez mais provável, de que seja necessário estender algumas medidas.
O gasto com o auxílio emergencial de R$ 600 é estimado em quase R$ 150 bilhões até junho. Sua prorrogação por três meses dobra essa valor.
Manter até dezembro a complementação salarial para quem teve contrato de trabalho suspenso ou redução de jornada, com uma ampliação da compensação para salários abaixo de R$ 3.000, geraria um gasto extra próximo desse patamar. A ampliação da ajuda a estados e municípios pode acrescentar quase mais R$ 100 bilhões à conta.
Os quatro pesquisadores traçaram diversos cenários para a dívida bruta. O mais otimista prevê que o PIB brasileiro recue 5% neste ano e cresça, na média, 3% ao ano a partir de 2021, com os juros reais da dívida caindo para 2% ao ano. Atualmente, estão em 4,5%. Nessa hipótese, a dívida só cairia para menos de 100% do PIB por volta de 2030.
O cenário mais realista parte da mesma queda de PIB, de um crescimento de 3% nos próximos dois anos e de 2% a partir de 2023, com juros da dívida de 4%. Nesse caso, a dívida vai a mais de 120% e apenas se estabiliza nesse patamar ao fim da próxima década, sem perspectiva de queda.
O endividamento só volta ao nível de 2019 na hipótese otimista para crescimento e juros. Desde que o gasto já anunciado não aumente mais. Mesmo assim, após um período superior a dez anos.
Lisboa afirma que o estudo incorporou outras hipóteses otimistas, como a devolução total até 2024 dos empréstimos do BNDES para o Tesouro Nacional, o crescimento da despesa limitado à inflação até 2026, quando expira a regra de teto de gastos aprovada no governo Michel Temer, e também um aumento significativo do PIB diante do fim do bônus demográfico.
“Sem preservar o teto de gastos, a relação dívida/PIB sai de controle, a não ser que mais nenhuma medida seja implementada neste ano. Se o teto não for renovado em 2026, também deve sair de controle, a não ser no cenário mais otimista, com queda expressiva da taxa real de juros implícita da dívida e aumento significativo do PIB potencial”, afirma Lisboa.
Se a economia apenas retomar o crescimento observado antes da crise, cerca de 1% ao ano, a relação entre a dívida e o PIB inicia uma trajetória de aumento ininterrupto em todos os cenários traçados pelo grupo. Se os juros da dívida ficarem no patamar atual, a dívida também não volta a cair.
“Mesmo com hipóteses muito otimistas sobre a recuperação da economia brasileira, a chance de descontrole da dívida é muito alta. Na medida em que vai caindo o crescimento esperado, esses cenários vão se agravando. E, com uma trajetória de dívida dessas, é muito difícil o juro real ficar nesse nível.”
Lisboa afirma que um cenário de crescimento de 3% por mais de uma década é extremamente otimista, pois, nos próximos dez anos, com o fim do bônus demográfico, o total da população em idade de trabalhar vai se estabilizar.
Em termos de comparação, o crescimento na época do milagre econômico dos anos 1970 seria de cerca de 4% ao ano nas mesmas condições (chegou a cerca de 7% a 8% na época por causa do bônus). Daí a necessidade de reformas para gerar aumento da produtividade.
Sobre o risco de aumento das despesas obrigatórias, os pesquisadores calculam que, se o governo tornar permanente o auxílio emergencial de R$ 600 em substituição ao Programa Bolsa Família, como foi cogitado pelo próprio Ministério da Economia, a dívida irá a mais de 150% do PIB, no cenário mais realista, sem perspectiva de estabilização.
Segundo Lisboa, é necessário limitar o gasto com a pandemia para atender a área de saúde e complementar a renda de quem realmente precisa, com cuidado para não elevar as despesas permanentes.
“Se não quiser que a economia saia de controle, tem de focar a política de gastos e não agravar o comprometimento com despesas permanentes. Além disso, vamos precisar de uma série de reformas profundas para permitir que a economia possa crescer mais do que vinha crescendo antes.”