Especialistas se dividem sobre atos golpistas

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Foto: SERGIO LIMA / AFP

O ato de segurar um cartaz pedindo intervenção militar no país ou o fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso, como medida de ruptura institucional, pode ser enquadrado como crime ou estar amparado pelo direito fundamental de manifestação, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha.

Há aqueles que entendem que esse tipo de conduta está abrangida pela liberdade de expressão do pensamento prevista na Constituição, mas parte da comunidade jurídica vê a possibilidade de violação à Lei de Segurança Nacional.

Já a defesa da ditadura militar (1964-1985), como fato histórico, não deve ser considerada um delito, desde que não haja uma exaltação ao seu retorno ou a crimes cometidos no período, como a tortura e o terrorismo, afirmam os especialistas.

A simples realização das manifestações, sem considerar a pauta dos atos públicos, pode ser considerada crime contra a saúde pública se estiverem em vigor determinações das autoridades locais para que não haja aglomerações, de acordo com criminalistas.

Está em andamento inquérito no STF para investigar as manifestações realizadas no dia 19 de abril em Brasília a favor de uma intervenção militar no país, que contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A apuração foi pedida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para verificar possível violação da Lei de Segurança Nacional por “atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais”.

Interlocutores de Aras dizem que, a princípio, Bolsonaro não será alvo do inquérito, mas se surgirem indícios de que teve envolvimento nos atos, ele poderá ser investigado.

O cidadão comum comete crime ou algum outro tipo de ilegalidade ao pedir publicamente uma intervenção militar no país que signifique uma ruptura institucional? Para a professora de direito constitucional da PUC-SP Maria Garcia, aqueles que pedem uma intervenção militar no país não cometem crime, pois “a liberdade de expressão é direito fundamental, garantido pela Constituição, mais precisamente no artigo 5º, que prevê que ‘é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato’”.

Já o professor de processo penal da USP Maurício Zanoide de Moraes diz que um cidadão comum, ao defender uma intervenção militar, pode ter esse ato enquadrado na Lei de Segurança Nacional (lei 7.170 de 1983) promulgada pelo então presidente João Baptista Figueiredo (1979-1985).

“A Lei de Segurança Nacional prevê várias hipóteses de crimes aos que atuam pela promoção de conflitos entre Poderes”, diz Moraes.

Segundo o professor, a lei define os bens a serem protegidos de atos criminosos contra a segurança nacional e, dentre eles, estão “o regime representativo e democrático”, a “Federação e o Estado de Direito” e “a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.

Para Moraes, a prática de crime previsto na lei não está protegida pela liberdade de expressão. “É evidente que quem usa da liberdade de expressão critica de maneira educada e técnica posturas, atos e pensamentos da autoridade pública, mas não a sua pessoa ou, ainda pior, quer lhe diminuir o poder conferido em lei ou substitui-la por outrem mais ou menos próximo dos seus interesses”, afirma.

O cidadão comum pratica algum delito ou irregularidade ao defender publicamente o período da ditadura militar? Para o professor de direito constitucional da Faap (Faculdade Armando Alvares Penteado) Luiz Fernando Prudente do Amaral, “defender a ditadura militar é ter e expressar opinião sobre tal período. Não se pode proibir que alguém tenha opinião favorável, ainda que, paradoxalmente, a ditadura defendida não admitisse a liberdade na qual se apoia a opinião assim veiculada. Essa atitude está amparada pela liberdade de expressão”.

A especialista em direito penal pela Universidade de Coimbra Débora Pimentel diz que o “simples ato de defender o período da ditadura não é crime. Mas aquele que defende a prática de crimes cometidos durante a ditadura, como a tortura, a ocultação de cadáveres ou o terrorismo, pode cometer o delito de apologia ao crime”.

Segundo a conselheira da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) Renata Mariz, “o cidadão comum pratica crime a partir do momento em que defende o retorno do período da ditadura militar. Fazendo isso estaria insurgindo contra o Estado democrático de Direito”.

O cidadão comum comete crime ou algum outro tipo de ilegalidade ao pedir o fechamento do STF e do Congresso? Qual é o limite da crítica ao STF? De acordo com Paula Lima Hyppolito Oliveira, conselheira da AASP, pedidos públicos de “fechamento do Congresso e do STF esbarram na proteção ao regime representativo e democrático de direito, protegido pela Lei de Segurança Nacional, que constituem limites ao direito de manifestação”.

Já para a professora Maria Garcia, “a crítica a instituições como o STF e o Congresso Nacional, como liberdade de expressão, deve atender aos limites do artigo 5º da Constituição e da lei penal relativa a crimes contra a honra, resguardando as pessoas de seus componentes. No mais, a crítica é liberdade de expressão”.

O cidadão comum comete crime ao participar de manifestação com aglomeração neste período de pandemia da Covid-19, independentemente da pauta do ato público? Segundo a presidente da comissão de direito penal do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), Heidi Rosa Florêncio Neves, a participação em manifestação pública nesse período de pandemia pode ser enquadrada como crime definido pelo artigo 131 do Código Penal como perigo de contágio de moléstia grave.

“Para configuração deste crime, o agente tem que estar infectado e desejar propagar a doença para outras pessoas. Assim, se ele for à manifestação com esse intuito, o crime restará configurado”, afirma Heidi.

Rogério Cury, professor de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que está em vigor uma portaria interministerial que leva ao entendimento sobre a prática de dois possíveis crimes para aqueles que descumprirem as recomendações das autoridades de saúde.

Um deles é o do artigo 268 do Código Penal, que prevê como delito o ato de “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

O outro é aquele cuja conduta criminosa é descrita como “desobedecer a ordem legal de funcionário público”, segundo o artigo 330 do Código Penal, afirma Cury.

Folha De S. Paulo