Estudo diz que bolsonaristas não respeitam quarentena

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Foto: A. Anholete/Getty Images

Um grupo de pessoas vestindo verde e amarelo nas ruas, criticando o isolamento social e declarando apoio ao presidente Jair Bolsonaro se tornou imagem recorrente desde o início da pandemia no Brasil, em março. Apesar de o número de manifestantes nesses atos ser pequeno, eles refletem um fenômeno mais amplo, segundo um estudo estatístico conduzido na USP: bolsonaristas tendem a desrespeitar mais o isolamento, uma medida amplamente reconhecida como eficaz para reduzir o contágio pelo novo coronavírus.

Com base em dados sobre mobilidade fornecidos pelo Google e pelo governo de São Paulo, no percentual de votos em Bolsonaro no primeiro turno das eleições de 2018 e em levantamentos realizados pelo Datafolha, um grupo de cientistas de dados liderado por Márcio Moretto, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, encontrou três evidências de que os bolsonaristas praticam menos o isolamento social do que o resto da população.

Uma delas é que, quanto maior o percentual de votos em Bolsonaro em um estado, mais rápido foi o relaxamento da quarentena nas duas semanas posteriores ao dia 24 de março, quando o presidente fez seu primeiro pronunciamento oficial criticando a quarentena.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores calcularam a velocidade do relaxamento em cada estado. Em Santa Catarina, onde Bolsonaro recebeu 66% dos votos válidos no primeiro turno, a reta que representa a velocidade de relaxamento tem uma inclinação de -0,76 (quanto mais próxima de 1, mais rápida). Já no Maranhão, em que ele obteve 24% dos votos, a inclinação é de −0,14.

A relação entre percentual de votos no presidente e velocidade do relaxamento fica mais evidente quando todos os estados são representados em um mesmo gráfico. A distribuição mostra que, em geral, quanto maior o percentual de votos no presidente, mais rápido foi o relaxamento da quarentena no período.

Outra evidência encontrada é que, nos municípios do estado de São Paulo com mais de 300 mil eleitores, o grau de isolamento médio nas duas semanas posteriores ao pronunciamento de 24 de março também se relaciona com o percentual de votos em Bolsonaro: quanto mais apoio ele teve na eleição, menor é o isolamento médio da cidade, informado pelo governo paulista.

Em média, a cada 10 pontos percentuais a mais de votos em Bolsonaro em 2018, o índice de isolamento médio cai 3 pontos percentuais.

Por exemplo, em Diadema, onde Bolsonaro teve 40% dos votos válidos no primeiro turno, o grau médio de isolamento foi de 57% no período. Já em Campinas, onde o presidente teve 56% dos votos, o isolamento médio foi de 52%. E em São José do Rio Preto, onde o capitão reformado do Exército teve 64% dos votos, o isolamento foi de 47%.

Por fim, o estudo também analisou as respostas captadas por dois levantamentos realizados pelo Datafolha por telefone, nos dias 17 e 27 de abril, que perguntaram aos eleitores o quanto eles estavam engajados no isolamento social e a opinião sobre a conduta de Bolsonaro em relação à covid-19.

Os pesquisadores construíram uma escala de isolamento, com valores de 0 a 3, sendo 0 os que responderam que estavam “vivendo normalmente” e 3 o que estavam “totalmente isolados”. Depois, separaram os eleitores em dois grupos: os que avaliaram o desempenho do presidente como bom ou ótimo e o restante da população.

Em ambas as datas, a adesão ao isolamento era menor no grupo de apoiadores do presidente. Em 17 de abril, os bolsonaristas pontuaram 1,7 na escala, enquanto o resto da população, 1,98. Em 27 de abril, apoiadores do presidente pontuaram 1,72, e os demais, 1,87.

A posição dos eleitores sobre a quarentena é fruto de uma interação entre a opinião individual e as declarações e políticas adotadas por vereadores, prefeitos e governadores no nível local, afirma a antropóloga Isabela Oliveira Kalil, que acompanha movimentos de direita desde 2013 e é professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

“A pesquisa mostra que políticas específicas locais podem reforçar ou barrar a posição de Bolsonaro sobre a quarentena”, afirma, chamando a atenção para como duas cidades paulistas onde o PT tem uma presença histórica – Diadema e São Bernardo do Campo – registraram graus de isolamento superiores à média do estado.

Por outro lado, nos municípios onde Bolsonaro teve altos percentuais de votos, houve uma combinação entre a orientação política dos representantes locais e as posições do presidente, que acabam por fortalecer a crítica ao isolamento.

Ela aponta também efeitos de uma polarização comunicacional, que leva apoiadores de Bolsonaro a rechaçarem veículos de imprensa tradicionais que destacam a importância do isolamento e, no lugar, a acreditarem em narrativas falsas.

Mas há fissuras nessa base. Uma delas se dá entre os evangélicos que apoiaram Bolsonaro, já que parte dos líderes religiosos reconhece o valor da quarentena e recomenda a seus fiéis que evitem aglomerações, enquanto outras lideranças são contrárias ao isolamento, aponta Kalil.

A socióloga Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que pesquisa a ascensão da extrema direita no Brasil, identifica três grupos hoje entre os bolsonaristas. Um, equivalente a cerca de 17% da população, é radicalizado e vive uma identificação com o presidente que extrapola as opiniões políticas e inclui a esfera emocional. Esses compartilhariam, por exemplo, a visão de Bolsonaro de que a covid-19 seria uma “gripezinha”.

Já entre os que votaram em Bolsonaro e são favoráveis à quarentena, há dois subgrupos. Um é formado por eleitores que sabem dos riscos do novo coronavírus e da importância do isolamento, mas apresentam desculpas para a posição do presidente, dizendo que ele “faz o que pode”, “é cabeça dura”, “é honesto” e um político “não tradicional”. O outro grupo está muito decepcionado com a conduta de Bolsonaro e começando a retirar o apoio a ele, por considerá-lo “irresponsável”, diz Solano.

DW