Haddad diz que oposição está salvando o país
Foto: RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLES
Fernando Haddad, ex-prefeito da cidade de São Paulo e ex-ministro da Educação das gestões petistas, tem mantido ativas suas redes sociais – e sua voz – desde que perdeu as eleições presidenciais de 2018 para Jair Bolsonaro. Crítico contumaz, atua como interlocutor do Partido dos Trabalhadores (PT) com outras lideranças políticas e se mantém na memória dos eleitores, apesar de se negar a prever qual será seu papel em 2022.
Para o petista, é impossível antever o cenário político dos próximos anos. Em entrevista ao Metrópoles, Haddad disse que o presidente cometeu crimes de responsabilidade suficientes para embasar, juridicamente, um impeachment. Faltam, segundo ele, condições políticas – ainda. “A renúncia seria um processo menos traumático, lógico. Por isso, o aceno para que ele reconheça a sua incapacidade de gerenciar o país neste momento”, afirmou, ao se referir a um manifesto, assinado pelo petista, para que Bolsonaro deixe, por escolha, o cargo conquistado nas urnas.
A pandemia do coronavírus que assombra o mundo, na avaliação do ex-ministro, desequilibrou a gestão do atual presidente. “Desde o resultado eleitoral, eu disse que via esse governo como uma geringonça com três núcleos – um autoritário, um fundamentalista e um neoliberal – e que, em cima dessas três vertentes, Bolsonaro poderia ter estabilidade, apesar da falta de harmonia e de coordenação. Mas a pandemia muda tudo, porque exige coordenação”, analisa.
Haddad defende que a oposição tem garantido a governabilidade de Bolsonaro, atuando com “responsabilidade” e unida. Além da interlocução política, o petista dá aulas no Insper, começou a escrever um livro e mantém um programa de entrevistas, exibido todas as segundas pela AllTV. Confira os principais pontos da entrevista:
Metrópoles: Neste domingo (03/05), o presidente da República compareceu a um ato organizado por manifestantes que defendiam o governo, mas também pediam intervenção militar e se colocavam contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro subiu o tom e deu a entender que teria as Forças Armadas ao seu lado. O senhor vê riscos de um rompimento institucional?
Fernando Haddad: a minha impressão é a de que o discurso do Bolsonaro não é institucional, nem mesmo para as Forças Armadas. Não é dirigido às Forças Armadas como instituição. Como todo discurso protofascista, é dirigido a pessoas semiorganizadas. É dirigido a milícias, membros insubordinados de determinadas corporações, membros insubordinados das polícias, por exemplo. Um golpe clássico, dessa natureza, exigiria, inclusive, respaldo internacional. Eu duvido que uma solução de força em um país da importância do Brasil teria respaldo internacional, mesmo dos americanos, que estão envoltos em uma eleição presidencial. O discurso dele é fascista. Ele dialoga com esses radicais livres que existem em todo lugar.
O senhor tem criticado duramente a conduta do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia da Covid-19. Quais são os equívocos cometidos por ele na sua opinião?
Ninguém nega a complexidade da situação. Tem sido complexo enfrentá-la em qualquer lugar do mundo. A finalidade do isolamento é achatar a curva [de contágio] para não sobrecarregar a infraestrutura de saúde enquanto se expande essa infraestrutura. Agora, se você não faz essa expansão, as pessoas começam a duvidar do próprio isolamento, da eficácia das medidas. Aí você tem o pior dos mundos, porque você não tem nem uma coisa nem outra. O presidente tem um discurso equívoco e nem os seus correligionários se entendem sobre isso. Em um dia, ele diz que o isolamento não funciona, que todo mundo vai pegar [o coronavírus] e quem tiver de morrer vai morrer. No outro, a principal deputada dele no Congresso diz que estão sendo enterrados caixões vazios. Não existe um discurso único do governo em área nenhuma. É um governo que está deliberadamente jogando na confusão. Porque é a confusão que insufla uma base quase irracional do seu eleitorado, cuja adesão se explica muito mais por fatores emocionais do que racionais.
O senhor disse recentemente que há “condições jurídicas” para um eventual impeachment do presidente Jair Bolsonaro e afirmou que faltam as “condições políticas” para que ele ocorra. Acredita que essas condições serão criadas? O PT ajudará nesse sentido?
É óbvio que o presidente está fazendo um movimento de busca de apoio mínimo [para evitar o processo] no Congresso com essa aproximação do Centrão e loteamento indiscriminado de cargos de segundo e terceiro escalão. Mas essa é uma base que não é nem de esquerda, nem de direita, nem de centro, para lembrar uma velha frase de uma das lideranças do Centrão. Ou seja, não tem compromisso ideológico. Por conta dessa falta de aderência ideológica ao projeto Bolsonaro, esse apoio fica ao sabor das circunstâncias e pode adiar a configuração de condições políticas. O PT está trabalhando [para criar condições]. Eu assinei um manifesto com a Gleisi [Hoffman, deputada], pedindo a renúncia do Bolsonaro. Depois disso, lideranças do PSDB, inclusive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fizeram coro a esse pedido, o que não é pouca coisa, já que se trata de um político bastante conservador no sentido institucional. Vai crescendo na população a compreensão de que os crimes de responsabilidade já foram cometidos em mais de uma ocasião e que Bolsonaro não tem capacidade de coordenar as ações do Estado brasileiro em um momento grave como esse. Esse gesto de ontem [domingo, 3 de maio] é desesperado. Veja que tinha um blefe implícito ali. Bolsonaro blefa muito e os blefes dele são desmentidos até 48 horas depois. Mas o efeito psicológico que ele causou na massa de manobra que ele manipula já produziu efeito. Ontem, imaginou-se que a pessoa que ele tinha nomeado para o cargo de diretor [da PF] iria assumir na marra. Hoje, ele já derivou para outro nome. São falas calculadas, ao contrário do que pode parecer.
O senhor acredita que o país aguentaria passar por outro impeachment?
Essa é situação nova, porque, ao mesmo tempo, não há possibilidades de se chamar atos de rua – afinal não seremos nós a aglomerar pessoas, mas a situação está se deteriorando. E só não piora mais pela ação da oposição. É incrível isso, mas, se não fosse a oposição, nós não teríamos os R$ 600 garantidos às famílias, não teríamos aprovado no Senado o apoio emergencial a estados e municípios e, provavelmente, se não formos nós, da oposição, não haverá apoio para micro e pequenas empresas. Quem está salvando o governo é a oposição, para não rifar o país. A renúncia seria um processo menos traumático, lógico. Por isso o aceno para que ele reconhecesse a sua incapacidade de gerenciar o país neste momento. Mas acho que, antes de tudo, a oposição tem demonstrado responsabilidade em tudo, tanto no Congresso quanto no Judiciário ou nos manifestos endereçados ao Executivo. São os governadores de oposição e as bancadas de oposição que estão fazendo a diferença nesse momento.
Como tem sido sua interlocução nesse contexto: via deputados e senadores do partido ou o senhor tem procurado pessoalmente possíveis aliados?
Sempre tive interlocução quando era ministro. Fui muitos anos ministro e nunca deixei de ouvir a oposição para aperfeiçoar os projetos do Ministério da Educação. Graças a isso, com apoio da oposição, todos os projetos do ministério foram aprovados, mesmo os mais controversos, difíceis. Aprovamos o Plano Nacional de Educação, lei de cotas, Ebserh, Pronatec, Prouni, Fundeb. Foram mais de 50 iniciativas legislativas aprovadas, duas emendas constitucionais. Sempre tive muito trânsito com a oposição. Nunca tive dificuldade de ligar para o DEM ou o PSDB para conversar, sobretudo quando o interesse público, como agora o nacional, está envolvido. Então, mantenho contatos que nunca perdi.
O ex-presidente Lula disse que não será candidato à Presidência em 2022. Como vislumbra o cenário da próxima disputa eleitoral?
Outro dia, tuitei uma frase dizendo que o Bolsonaro transformou o ontem num dia muito distante. Se ontem está distante, imagine daqui a dois anos. Em 2016, eu ousei prever 2018 dizendo que a extrema-direita tinha um caminho pavimentado pela frente e que, se a esquerda não tomasse cuidado, era a direita que iria enfrentar a extrema-direita no segundo turno. Era muito difícil prever que a intenção de voto no Lula iria crescer depois da sua prisão. O que foi, do ponto de vista da ciência política, uma coisa bastante incomum. Toda a trama era para que a centro-esquerda não estivesse representada no segundo turno de 2018. Para 2022, é muito difícil prever agora. No final do ano, eu arrisco [comenta, rindo].
O senhor estaria à disposição do partido para ser o candidato?
Esse tipo de pergunta não cabe. Primeiro, por que tem muito chão pela frente ainda. Depois, temos muitas coisas prévias a discutir. Temos de recuperar os direitos políticos do Lula, agora tem a decisão do Supremo, que deve ocorrer até o final do ano, sobre a suspeição do Moro, temos governadores muito bem avaliados. Muita coisa tem de ser considerada.
Qual sua expectativa em relação às declarações feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro contra o presidente Bolsonaro e o inquérito aberto pelo STF?
Em 2018, fui perguntado sobre o que eu achava do Moro e eu disse: ele é um quadro político. Não é juiz, não é ministro, é um quadro político. Tem projeto próprio, um projeto pessoal, e ele vai o tempo todo jogar com seu projeto político pessoal. O problema do Moro é que nem tudo que ele acha que é prova, de fato, prova alguma coisa. Teremos de ver. O processo é imprevisível.
O senhor tem acompanhado o trabalho do atual ministro Abraham Weintraub no Ministério da Educação? Na condição de ex-ministro da pasta, como avalia a gestão?
É uma grande pena o que tem ocorrido, não só por que os pseudoprojetos já naufragaram – Future-se, escola cívico-militar, tudo isso uma grande bobagem – mas o que funcionava está sendo destruído diariamente. Weintraub, sem dúvida, é o principal candidato ao pior ministro do pior governo da história.