Justiça tem estratégia para evitar que generais mintam

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Foto: Jorge William/Agência O Globo

O inquérito aberto para apurar as acusações do ex-ministro Sergio Moro de interferências indevidas do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal terá uma semana decisiva com a produção das principais provas necessárias para esclarecer os fatos, como os depoimentos das testemunhas e a obtenção do vídeo de uma reunião ministerial na qual Bolsonaro ameaçou demitir o então ministro da Justiça caso não concordasse com a troca do superintendente da PF do Rio.

A realização dos depoimentos dos três ministros do núcleo militar do governo, previstos para ocorrer na tarde de terça-feira, é um dos momentos que mais preocupa o Palácio do Planalto. Os três depoimentos ocorrerão no Palácio do Planalto no mesmo horário, às 15h, de forma simultânea, como uma estratégia investigativa para impedir a combinação de versões entre eles.

Serão ouvidos Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Participarão dos depoimentos investigadores da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Os atos da investigação conduzida pelo procurador-geral da República Augusto Aras têm provocado irritação em auxiliares de Bolsonaro. O ministro Celso de Mello, ao determinar os depoimentos dos ministros militares sob a prerrogativa de que eles poderiam escolher dia e horário, registrou que, caso eles não comparecessem, estariam sujeitos “como qualquer cidadão, não importando o grau hierárquico que ostentem no âmbito da República, à condução coercitiva ou ‘debaixo de vara'”, o que também provocou desconforto no Planalto.

O ex-ministro Sergio Moro, em seu depoimento, citou esses três ministros como testemunhas das tentativas de interferência de Bolsonaro na PF. Segundo Moro, o ministro Augusto Heleno chegou a se posicionar contrário aos relatórios de inteligência da PF que Bolsonaro queria ter acesso. Moro também relatou que se reuniu com os três ministros na véspera de seu pedido de demissão para relatar o aviso recebido do presidente de que demitiria o então diretor-geral a PF Maurício Valeixo.

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Apesar de os três ministros não serem investigados no caso, seus depoimentos podem ter diversas implicações jurídicas. A avaliação de advogados criminalistas e de investigadores ouvidos pela reportagem é que, como os ministros serão ouvidos apenas na condição de testemunhas, e não de investigados, eles têm a obrigação de falar e não podem ficar calados.

Além disso, caso eles forneçam informações que posteriormente não se provem verdadeiras, eles também poderão ser processados pelo crime de falso testemunho. Como a PF deverá ter em seu poder um vídeo da reunião do conselho ministerial na qual Bolsonaro verbalizou ameaças de interferências na PF, a veracidade de suas declarações poderá ser verificável em seguida.

Nesta semana também serão ouvidos delegados da PF que podem ter conhecimento sobre os fatos, como Alexandre Ramagem, que era o nome escolhido por Bolsonaro para o cargo de diretor-geral da corporação, mas que foi barrado por uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. O ex-diretor-geral Maurício Valeixo e o ex-superintendente da PF do Rio Ricardo Saadi também serão ouvidos. Esses depoimentos estão previstos para a segunda-feira. Na quarta, deve ser ouvida a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que trocou mensagens com Sergio Moro sobre a demissão de Valeixo e uma possível indicação dele ao STF em troca disso.

O inquérito foi aberto a pedido do procurador-geral da República Augusto Aras para apurar se houve crime na conduta de Bolsonaro ou na conduta de Moro, em relação às acusações de interferências indevidas na Polícia Federal.

Após obter acesso às conversas de celular do ex-ministro com o presidente, peritos da Polícia Federal analisam os trechos mais relevantes que terão utilidade para as investigações. Além disso, o Supremo Tribunal Federal deve receber na segunda-feira o vídeo da reunião ministerial na qual, segundo Moro, Bolsonaro ameaçou demiti-lo caso ele não concordasse com a troca do superintendente da PF do Rio. A existência do vídeo foi revelada na semana passada pelo GLOBO.

Agora, os investigadores buscam evidências da existência de inquéritos na Superintendência da PF do Rio que atinjam diretamente os interesses de Bolsonaro e justifiquem uma intervenção no órgão. A avaliação é que só estaria caracterizado um crime por parte do presidente se ficar comprovado o interesse específico dele em uma investigação.

Mensagens do celular do ex-ministro Sergio Moro já mostraram que Bolsonaro manifestou preocupação com o chamado inquérito das fake news, em tramitação sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Na mensagem revelada pelo “Jornal Nacional”, Bolsonaro enviou para Moro uma notícia de que a PF estaria investigando dez a doze deputados bolsonaristas neste inquérito acompanhada da mensagem “mais um motivo para a troca”, uma referência à troca do comando da PF.

O Globo