Kit bolsonarista para protestos tem bandeira dos EUA
Jair Bolsonaro costuma dizer que a bandeira brasileira jamais será vermelha. No entanto, a depender das imagens do protesto do último fim de semana em Brasília, a bandeira brasileira talvez venha a ganhar listras vermelhas —e brancas. No canto superior esquerdo, um retângulo azul cheio de estrelas.
Dias depois de o presidente americano, Donald Trump, citar o Brasil pela terceira vez consecutiva para listar países que enfrentam graves problemas no combate à pandemia, Bolsonaro apareceu para acenar a seus apoiadores com uma bandeira dos EUA ao fundo.
As recentes declarações de Trump, considerado o grande aliado global do Planalto, são apenas uma pequena parte da série de situações embaraçosas que o líder americano impôs ao presidente brasileiro.
Além de ter sugerido restringir voos do país aos EUA, ameaçado tarifar o aço e o alumínio produzidos no Brasil e ter sido reticente no apoio à demanda brasileira para entrar na OCDE, a exportação de soja à China virou alvo do republicano, uma vez que o comércio do produto é essencial para o acordo que, em tese, amenizaria a guerra comercial entre as duas maiores potências do mundo.
Ainda assim, pessoas que estavam com o presidente no último domingo (3) desceram a rampa do Planalto para chegar até os apoiadores de Bolsonaro e pegar uma haste que segurava um combo de bandeiras: a dos EUA, a de Israel e, acima de todos, ao menos ali, a do Brasil.
Bolsonaro então caminhou próximo aos seus seguidores e se deixou fotografar muitas vezes com o símbolo americano, sem parecer se importar com os seguidos sinais de uma relação desigual.
Na semana em que reproduziu a cena da Santa Ceia ao discursar com seus ministros e chamou Sergio Moro de Judas, o discurso de Brasil acima de todos com a bandeira americana ao fundo pareceu algo fora de lugar. Se a crise é estética, a subserviência também se mostra dessa maneira.
Do outro lado do cercadinho, apoiadores do presidente protestavam contra as medidas de distanciamento social com o kit visual de sempre.
Há o pacheco do esporte, ilustrado nas camisas da CBF e no capacete de Ayrton Senna, o motoqueiro durão, com bandana dos EUA e coletinho de couro, e o personagem mais comum, o que se enrola na bandeira nacional e, com gestos expansivos, demonstra o fervor por Bolsonaro e suas pautas.
“STF, preste atenção, a sua toga vai virar pano de chão”, cantavam.
Tudo tem de ser amarelo, bem amarelo, amarelo-ovo, o do tipo mais chamativo que existe. Cartazes e faixas amarelas, com suas mensagens escritas em preto, fazem um contraste impossível de ser ignorado.
Outro contraste, também, é que muitos dos manifestantes usavam máscaras —amarelas, claro— e até protetores de acetato, daqueles utilizados por médicos em UTIs. Outros, não saíram de seus carros.
Afinal, se o vírus não é perigoso assim e as quarentenas não são necessárias, proteger-se nunca é demais.
Enquanto protestavam, vídeos corriam soltos. De cima de um carro de som, no chão ou na rampa do Planalto, o ator Paulo Cesar Rocha, o Paulo Cintura da Escolhinha do Professor Raimundo, celebrava com parceiros a manifestação e postava nas redes sociais.
“Bolsonaro é o que interessa, o resto não tem pressa! Iiiiiiiiissáááááá”, gritava ele, adaptando o bordão da época em que interpretava outro personagem.
Esse tipo de registro, simples, cru e improvisado, é outra marca importante da estética bolsonarista. Propõe uma comunicação sem filtros, espontânea e direta com os apoiadores.
Ao vencer o pleito, em 2018, Bolsonaro fez o primeiro discurso como presidente eleito em uma live, e não para a imprensa tradicional. Falava ao coração de seu eleitor, sem temer intervenções ou contrapontos.
Sem ter alguém para questioná-lo, também não precisou mandar ninguém calar a boca. Ali, em volta dele, todos vestiam amarelo.