Maioria do MPF faz manifesto contra Aras
Foto: Marcos Corrêa/Presidência
Atos recentes do procurador-geral da República, Augusto Aras, geraram inconformismo entre seus colegas. Dos cerca de 1.150 integrantes do Ministério Público Federal em todo o país, ao menos 590 assinaram um manifesto em defesa da adoção da lista tríplice para a nomeação do chefe da instituição, como também informou o colunista Ancelmo Gois. No ano passado, Aras foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo sem que tivesse maioria de votos na enquete feita entre os procuradores da República.
O presidente da República não tem a obrigação de seguir a lista tríplice escolhida pela categoria, mas seus antecessores fizeram isso, como forma de legitimar a instituição. Entre os procuradores, sabe-se que lutar pela lista tríplice agora não deve ter resultado prático. A intenção do abaixo-assinado é passar para Aras o recado de que a maioria do Ministério Público Federal não concorda com suas atitudes.
Para a categoria, a gota d’água ocorreu na quarta-feira, quando Aras pediu para o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender o inquérito que apura fake news e ataques a ministros da Corte. O pedido foi feito no mesmo dia em que o ministro Alexandre de Moraes determinou, no inquérito, a realização de operação policial contra aliados de Bolsonaro.
— Nossa revolta é com a postura claramente governista no geral. Chegou ao ápice com o comportamento no inquérito. Todo mundo percebeu o que ele fez — disse um procurador da República em caráter reservado.
A organização do manifesto é da área que cuida de Direitos Humanos na Procuradoria-Geral da República. Outro episódio que constrangeu procuradores foi quando, na segunda-feira, Bolsonaro fez uma visita inesperada à PGR para acompanhar a posse do novo procurador-chefe dos direitos do cidadão. O presidente participava do evento por videoconferência, mas se convidou para ir até o local, onde cumprimentou procuradores.
Apesar de a iniciativa da visita ter sido de Bolsonaro, entre procuradores foi feita a leitura de que a relação entre o presidente e o procurador-geral era próxima demais para um investigado e um investigador. Outro episódio que reforçou a tese foi quando, na quinta-feira, Bolsonaro disse que Aras tinha atuação “excepcional” e merecia uma vaga no STF.
A situação gera incômodo especialmente porque cabe a Aras conduzir a investigação do inquérito que apura se Bolsonaro interferiu de forma indevida nas atividades da Polícia Federal, como acusou o ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Ao fim do caso, ele terá a tarefa de decidir se apresenta ou não denúncia contra o presidente. Integrantes do Ministério Público apostam que o inquérito será arquivado.
Aras também receberá, ao fim das investigações, outros dois inquéritos: o das fake news e um outro, que apura manifestações antidemocráticas ocorridas em abril. Nos dois casos, aliados do presidente são investigados. Aras também decidirá se apresenta ou não denúncia contra bolsonaristas.
No abaixo-assinado que circula pela internet nesta sexta-feira, procuradores afirmam que a Constituição deu ao Ministério Público Federal o papel de defensor “da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Ainda segundo o texto, para realizar essa missão, “a independência é uma garantia fundamental”.
Para os procuradores que assinaram o manifesto, o Congresso Nacional deveria inserir na Constituição a exigência da lista tríplice na escolha do procurador-geral da República. É pouco provável que os parlamentares insiram essa questão na pauta de votações neste momento, em que as atenções do Legislativo estão prioritariamente voltadas para o enfrentamento da pandemia.