Moeda brasileira tem o pior desempenho do mundo
A desvalorização de quase 30% do real em relação ao dólar desde o início do ano reflete uma aversão à moeda brasileira que não era vista havia quase 20 anos e que já levou à classificação da divisa nacional como um “ativo tóxico” por bancos estrangeiros.
A perda de valor da moeda, que começou no ano passado por causa da queda no diferencial de juros entre o Brasil e outros países, se acelerou nos últimos meses por questões relacionadas ao coronavírus, à piora no ambiente político e à perspectiva de que o país pode ficar para trás na recuperação mundial no pós-pandemia.
O real é a moeda que mais se desvalorizou neste ano entre países emergentes, com uma perda de 29% em relação ao dólar.
Chama a atenção a diferença para países da América Latina, cujo segundo pior resultado é o do peso mexicano (-19%), e de economias como a África do Sul (-22% do rand) e a Rússia (-13% do rublo).
O risco Brasil medido pelo CDS (Credit Default Swap) subiu 220% em 2020. Na média dos países emergentes, a alta foi de 77%.
Na semana passada, o real voltou a se valorizar (fechou a sexta-feira, 22, vendido a R$ 5,58), mas praticamente sem alterar a distância em relação a outras moedas emergentes.
O banco Credit Suisse divulgou relatório em que classificou a moeda brasileira como “tóxica” e na lista das divisas de países fiscal ou politicamente expostos. A instituição projeta uma cotação de R$ 6,20 até o fim do ano.
Entre as instituições consultadas pelo Banco Central na pesquisa Focus, a mediana das projeções para o dólar no final do ano está em R$ 5,30, com algumas casas projetando uma cotação de até R$ 6,30.
Otávio Aidar, estrategista-chefe e gestor de moedas da Infinity Asset, afirma que a valorização recente no preço das moedas dos países emergentes corrige alguns exageros de mercado e que o real pode voltar a se alinhar com as moedas de outros pares.
Para ele, uma desvalorização do real na casa de 30%, enquanto outras moedas emergentes perderam cerca de 20% do valor, reflete uma percepção de risco descolada dos fundamentos econômicos do país. Um câmbio de equilíbrio, segundo ele, pode estar próximo de R$ 4,00 ou R$ 5,00, a depender do cenário externo, mas não há justificativa para caminhar para um patamar acima de R$ 6,00.
Para que haja uma melhora na visão sobre o Brasil, no entanto, é necessário sinalizar que o aumento de gastos por causa da pandemia vai ficar restrito a esse período e, adicionalmente, ter um plano para organizar a economia na saída da crise.
“O investidor precisava olhar para o Brasil e ver algo mais calmo, menos turvo, ter um pouco mais de clareza sobre o ambiente de investimento, diminuir um pouco essas incertezas.”
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, afirma que sua projeção para o câmbio daqui a 12 meses, considerando os fundamentos da economia brasileira, é de R$ 4,70. Uma apreciação depende, no entanto, de uma significativa redução na aversão ao risco gerada pela pandemia, o que afetaria todas as moedas de países emergentes, e também de uma melhora nas questões políticas e fiscais do próprio país.
“Não estou dizendo para ninguém vender dólar. O câmbio é muito sensível. Ruídos a curto prazo tendem a fazer com que ele se deprecie ou aprecie. Se tiver uma piora de governabilidade, podemos ter um ruído”, afirma Sanchez.
“Um segundo fator é não piorar mais do que os outros [países emergentes] e ter uma agenda reformista que volte à tona assim que passar, ou pelo menos reduzir, essa pauta da Covid-19”, afirma.
De acordo com o economista-chefe da Ativa, embora a diferença de juros entre Brasil e Estados Unidos esteja em apenas 2,75 pontos percentuais, considerando a taxa básica de curto prazo, os títulos brasileiros são atrativos quando se observa um diferencial de quase 8 pontos em investimentos de prazos mais longos.
Desde agosto do ano passado,o Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, reduziu a taxa básica de juros, a Selic, em 3,5 pontos percentuais, de 6,5% para 3% ao ano.
Para Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos, os ruídos políticos, que se refletem na falta de um alinhamento para enfrentar a pandemia e de um plano econômico para a saída de crise, afastam o investidor estrangeiro, mesmo com alguns ativos nacionais extremamente desvalorizados.
Franchini, esse investidor prefere voltar ao país quando já houver algum sinal de recuperação nos preços, mesmo com o risco de perder os ganhos iniciais, a apostar em uma alta que talvez não se concretize.
Ele cita, por exemplo, a desvalorização em dólares da Bolsa de Valores brasileira, de quase 50%, que não atrairá o capital estrangeiro se não houver perspectiva de valorização dos papéis que compense o risco.
“Não vai ter entrada de dólar em um país que tem confusão política e um juro baixo que vai demorar para ir embora. Se o Brasil quiser ser de novo atrativo, terá de resolver internamente essas questões políticas. Por mais que o país esteja barato, o prêmio não vale a pena por causa desses riscos. Não adianta dizer para o estrangeiro que ‘agora vai'”, afirma Franchini.
Folha de SP