Não há mais dúvidas de que Bolsonaro tentou interferir na PF
Foto: IGO ESTRELA/METRÓPOLES
O presidente Jair Bolsonaro voltou a ficar sob pressão em razão de suas declarações vinculando a troca no comando da Polícia Federal (PF) à proteção dos filhos, registradas em vídeo de reunião ministerial ocorrida em 22 de abril e que reforçam acusações feitas por Sergio Moro ao deixar o Ministério da Justiça. O ex-ministro disse que o presidente tentou interferir politicamente na gestão do órgão.
O Valor ouviu três fontes que assistiram à gravação, exibida ontem a investigadores e partes, na PF de Brasília. A peça está sob segredo de Justiça por ordem do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do inquérito que apura eventual interferência presidencial na PF aberto com base em acusações feitas por Moro.
De acordo com essas fontes, durante a reunião gravada Bolsonaro se alterou e usou palavrões ao dizer que seus familiares e aliados próximos são perseguidos, razão pela qual apontou a necessidade de troca do superintendente da PF do Rio de Janeiro.
“Não vou esperar foderem com alguém da minha família. Troco todo mundo na Segurança [Ministério da Justiça e Segurança Pública], troco chefe, troco ministro”. “Chefe” é como o presidente se refere aos superintendentes regionais da PF, que chefiam as unidades policiais federais nos Estados.
Após Moro se demitir, Bolsonaro trocou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, por Rolando Alexandre de Souza, depois de tentar nomear o atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem. A nomeação de Ramagem, amigo da família Bolsonaro, foi impedida por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre Moraes. Rolando trocou o superintendente do Rio. Ele substituiu Carlos Henrique Oliveira por Tacio Muzzi no comando da Polícia Federal fluminense.
O ex-ministro Sergio Moro assistiu ao vídeo em Brasília e comentou com um interlocutor que a fala de Bolsonaro na gravação “é ainda mais contundente do que recordava”. Na conversa, o ex-juiz da Lava-Jato de Curitiba afirmou a seu interlocutor que as declarações do presidente “confirmam tudo o que eu disse e, mais do que isso, são devastadoras”. No vídeo, Bolsonaro também mencionou um eventual impeachment motivado pelo fato de ele manter em segredo o resultado do exame de covid-19 a que se submeteu.
O presidente teria dito então que não aceitaria sofrer um processo de impeachment “por causa dessa porcaria de exame” e fez questão de ressaltar que é o comandante-em-chefe da Forças Armadas, de acordo com a versão de investigadores que assistiram à gravação.
Na reunião gravada em vídeo, Bolsonaro também faz menção aos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB) e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), seus adversários políticos.
Ele se referiu a ambos usando termos chulos, disseram pessoas que assistiram à gravação. Para garantir a integridade do material original, a PF realizou uma espécie de cópia conhecida como “espelhamento” de arquivo.
No mesmo vídeo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal, usando a frase “tem que mandar todo mundo pra cadeia, começando pelo STF”, segundo as três fontes que assistiram à gravação da reunião com ministros do governo.
Weintraub mencionou a prisão de ministros do Supremo enquanto fez uma série de críticas a integrantes de Poderes que trabalham em Brasília, segundo os relatos dessas fontes.
O ministro da Educação é alvo de inquérito policial que tramita no STF e no qual se apura se ele cometeu crime de racismo ao postar declarações contra a China em redes sociais.
Nessa mesma gravação, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse que é preciso “prender prefeitos e governadores”. O contexto da fala da ministra se referiu à medidas de distanciamento social tomadas por Estados no combate à pandemia do coronavírus, disseram essas fontes.
Após a exibição do vídeo, o advogado Rodrigo Sánchez Rios, que representa Sergio Moro, afirmou em nota que o material “confirma integralmente” as declarações prestadas pelo ex-ministro da Justiça à PF no dia 2 de maio. Segundo o advogado, o vídeo “não possui menção a nenhum tema sensível à segurança nacional”. A defesa de Moro pleiteia que a gravação seja tornada pública.
O mercado financeiro reagiu negativamente ao vídeo. O câmbio sofreu reviravolta na reta final do pregão de ontem e levou o dólar a um novo recorde de alta, fechando com elevação de 0,86% e chegando à cotação de R$ 5,8691, depois de ter atingido R$ 5,8860 no pior momento de tensão do mercado.