O relato da enfermeira agredida por bolsonaristas

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Foto: Reprodução

Enfermeiros e técnicos da área de saúde agredidos por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) relembram, com tristeza, como terminou o ato em homenagem aos profissionais da saúde que estão arriscando suas vidas no combate à pandemia do novo coronavírus.

Ao Metrópoles, uma das enfermeiras que estavam na manifestação, realizada na última sexta-feira (01/05), na Praça dos Três Poderes, relembra como as agressões começaram.

“Fomos para um lugar na Praça dos Três Poderes que não tinha ninguém. Não invadimos a manifestação de ninguém. Quando começamos a nos posicionar, mantendo o distanciamento, já começaram a chegar umas pessoas gravando e colocando o celular na nossa cara”, conta a moça, que pediu para não ter o nome divulgado por medo de retaliação.

Segundo a profissional de saúde, após os primeiros protestos contrários à homenagem dos enfermeiros, outros manifestantes começaram a se aglomerar em frente ao ato.

“Foram chegando mais pessoas, inclusive os três homens com uma faixa: ‘Apoio a Bolsonaro’. Eles pegaram essa faixa e colocaram no meio do nosso ato, como um sinal de provocação. Foi quando começaram a xingar a gente”, explicou.

Ela afirma ter sido agredida verbalmente e ameaçada. “Ficaram mais exaltados quando uma das minhas colegas começou a gravá-los. Comecei a me incomodar muito com as agressões. Foi quando precisei descumprir o distanciamento para me aproximar dela e mostrar que ela não estava sozinha”.

“Minha postura nunca foi de querer agredi-los, mas dizer que ela não estava sozinha e que eu não iria abaixar a cabeça. Aquelas pessoas que estavam ali não queriam argumentar, só queriam ofender, só queriam machucar”, continuou.

A enfermeira temeu pela própria segurança. “Tive medo de sofrer agressões mais fortes do que as que sofri, mas minha angústia de ver aquela cena e não poder fazer nada era muito maior. Fui para protegê-la mesmo. Ainda é algo que me dá medo: pensar que me protegi tanto e posso ter sido contaminada por ele, que estava sem máscara”.

A enfermeira chegou a ser agredida fisicamente. “Bateu com o braço na minha cabeça e me empurrou. Nesse momento, coloquei a mão nele e ele empurrou minha mão. Depois, me ameaçou.”

Com medo de retaliações, a profissional conta o porquê de não ter revidado as agressões. “Ficamos em silêncio. O ato era mais importante que a discussão. Era mais importante homenagear meus colegas”.

À reportagem, a mulher relatou estar muito abalada com o ocorrido. “Antes do ato, me sentia emocionada por poder fazer uma homenagem aos meus colegas. Depois, eu fiquei muito triste, um desalento muito grande”, disse.

Ela relembra, emocionada, dos momentos de tensão que passou durante o protesto. “No meu coração, sei que cumpri minha missão. Eu amo ser enfermeira, escolhi essa profissão porque queria cuidar das pessoas. Mas depois de tudo isso, senti como se minha escolha não fizesse sentido. Chorei e tenho chorado muito.”

Conforme conta o diretor do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal (SindEnfermeiro), Jorge Henrique de Sousa, que estava na manifestação, a ideia era protestar contra a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) em todo o Brasil e prestar uma homenagem aos profissionais mortos por causa da doença.

A manifestação, no entanto, se preocupou em evitar aglomerações. Um limite de pessoas foi estabelecido e até um distanciamento entre elas foi combinado. “Foram apenas 55 enfermeiros, e os lugares estavam marcados. Devia ter uma separação de até três metros ali. Além de protestar, precisávamos dar um exemplo também”, explica Jorge.

Apesar de o ato ser silencioso, Jorge lembra que alguns apoiadores do presidente Jair Bolsonaro estavam no local e não gostaram da movimentação. “Disseram que éramos vagabundos, analfabetos e até mesmo genocidas”, revela.

Segundo ele, nenhuma das pessoas que estavam no protesto conseguiu imaginar que algo assim fosse acontecer. “Mesmo assim, achamos que não poderíamos revidar. Ainda bem que a polícia chegou logo e ainda conseguimos ficar lá por mais algum tempo”, afirma.

Apesar de considerar triste o ataque sofrido, Jorge diz que as manifestações de carinho e respeito recebidas após o incidente deram mais força para seguir no combate ao coronavírus. “Dá mais energia, mais ânimo. Agora, só esperamos que os envolvidos sejam punidos”, pontua.

Conforme apurado pela reportagem, o homem que aparece gritando e empurrando a enfermeira é um engenheiro eletricista, morador da Candangolândia. As redes sociais dele foram descobertas e já são mais de 50 mil comentários na última publicação dele.

A mulher que aparece xingando com uma bandeira do Brasil na mão é de Tocantins e tem 44 anos. Dona de uma empresa de eventos em Palmas (TO), ela excluiu as redes sociais dela após o fato.

Uma terceira pessoa envolvida é um influenciador de direita, 38. Morador de Goiânia, ele chegou a Brasília na última sexta-feira (01/05) para participar dos atos a favor do presidente nesse domingo (03/05). O homem postou inúmeros vídeos da estadia dele na capital, mas não mencionou o episódio.

A reportagem tentou contato com os agressores, mas não obteve resposta de nenhum deles.

O Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF) anunciou em nota divulgada nessa sexta-feira (01/05) que tomará medidas judiciais contra os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que xingaram profissionais de saúde.

Durante o ato, um homem vestido de verde e amarelo começou a filmá-los. Depois de se exaltar, chamou uma enfermeira de “analfabeta” e, gritando, disse que iria “varrer os comunistas” do Brasil . Em determinado momento, ele encosta no braço de uma mulher que se coloca em sua frente, sem esboçar qualquer reação.

Em outro momento, uma mulher carregando uma bandeira do Brasil se aproxima de uma manifestante e diz que ela estava fedendo.

De acordo com o Coren-DF, horas depois, o homem postou o vídeo em uma rede social afirmando ser um “protesto fake news” e acusando os profissionais de terem convencido moradores de rua a se juntarem ao ato vestindo jalecos para aumentar o volume de pessoas. Ao chegar a 20 mil visualizações, o vídeo foi retirado do ar.

“O Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal juntou todo o material probatório, identificou os agressores e vai processar cada um deles pelos atos que praticaram hoje. A ignorância e a violência perpetrada contra a enfermagem do Distrito Federal, em pleno Dia do Trabalhador não ficará impune e será respondida judicialmente, para que não mais se repita”, destaca o texto da nota publicada em uma rede social.

Metrópoles