PGR não vê crime de Bolsonaro em vídeo
A transcrição de trechos da reunião ministerial de 22 de abril reforça a versão de Sergio Moro sobre o desejo de Jair Bolsonaro de interferir na Polícia Federal. Entretanto, mais investigações serão necessárias para apontar se o presidente cometeu crimes ou não.
Bolsonaro nega que, durante a reunião no Planalto, tenha se referido especificamente à PF em suas falas. Afirma que jamais buscou pressionar Moro para mexer na corporação com o objetivo de influenciar em investigações ligadas a questões pessoais ou familiares.
Essa é a linha principal de sua defesa no inquérito que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal).
Em contraponto aos argumentos do Planalto, a defesa de Moro lembra que, dois dias depois dessa reunião, Bolsonaro, de fato, exonerou o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o que resultou na saída do ex-ministro da Justiça. A primeira medida do novo comando da corporação foi substituir o superintendente do Rio de Janeiro.
Além disso, oito depoimentos prestados confirmaram a versão de Moro de que o presidente, desde agosto do ano passado, queria trocar Valeixo. E ao menos sete acrescentaram a intenção dele de mexer no comando da PF no Rio, foco das atenções da família Bolsonaro.
O inquérito agora busca informações de possíveis interesses de Bolsonaro em investigações para identificar eventuais crimes cometidos. Perícias foram feitas no telefone celular de Moro em busca de diálogos inéditos que possam levar a esse caminho. Novos depoimentos foram marcados para a próxima semana.
O argumento da AGU, antecipado em petição ao STF, é que Bolsonaro, na reunião de 22 de abril, se referia à segurança pessoal dele e de familiares, a cargo do Gabinete de Segurança Institucional, sem relação com a atuação da PF.
Nesta sexta (15), o presidente reafirmou sua posição e negou ter falado em ingerência na PF para ter acesso a relatórios de inteligência da corporação.
No entanto, na degravação do encontro entregue pela AGU, o presidente diz que não pode ser “surpreendido com notícias” e se queixa de órgãos vinculados à segurança.
“Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não tem informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento etc. A gente não pode viver sem informação”, disse.
Após se queixar de não estar recebendo informações da PF e de outros órgãos de segurança, Bolsonaro afirma: “E me desculpe o serviço de informação nosso —todos— é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final.”
O presidente afirmou nesta sexta que, ao dizer na reunião de abril “por isso vou interferir, ponto final”, ele estava se referindo ao GSI.
“Eu espero que a fita se torne pública, para que a análise correta venha a ser feita. A interferência não é no contexto da inteligência não, é na segurança familiar. É bem claro, segurança familiar, eu não toco PF na palavra, nem Polícia Federal, na segurança…”, declarou Bolsonaro, que usava uma máscara em homenagem a policiais federais.
Ele foi questionado por jornalistas por que, no início desta semana, afirmou que, na reunião ministerial, não havia a palavra Polícia Federal —o que a transcrição da AGU contradiz.
“Palavra PF, duas letras”, respondeu Bolsonaro. Indagado novamente que a sigla PF se refere à Polícia Federal, Bolsonaro disse: “Cara, tem a ver com a PF, mas é reclamação PF no tocante aos serviço de inteligência”.
Esta frase do mandatário conflita com outro trecho da mesma entrevista, quando ele diz que, ao ter declarado “vou interferir e ponto final”, referia-se à preocupação com sua segurança pessoal feita pelo GSI.
Bolsonaro encerrou a entrevista quando os repórteres tentaram perguntar se, considerando que sua insatisfação era direcionada ao GSI, o chefe da pasta, Augusto Heleno, teria se recusado a fazer trocas em sua segurança pessoal.
Em depoimento no inquérito, os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (GSI) e Braga Netto (Casa Civil) adotaram o mesmo discurso de que Bolsonaro fez cobranças de forma genérica e hipotética no dia 22 de abril. Os três ainda reforçaram a retórica de que nunca ouviram do presidente uma intenção de ingerência na polícia.
Antes dos depoimentos, colhidos na terça (12), ministros reviram o vídeo da reunião, como admitiu Ramos à PF. Eles ainda tiveram reuniões com o advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior, e com Bolsonaro para discutir o caso.
Ramos chegou a afirmar que, no encontro de 22 de abril, Bolsonaro olhou para Heleno na hora da frase em que criticou a segurança dele no Rio.
Segundo a transcrição da AGU, o presidente afirmou: “Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”.
A defesa de Moro afirma que não há hipótese de a frase ter tido Heleno como alvo.
“De todo modo, mesmo o trecho literal, comparado com os fatos posteriores —demissão do diretor-geral da PF, troca do superintendente da PF e exoneração do MJSP (Ministério da Justiça)—, confirma que as referências diziam respeito à PF e não ao GSI”, dizem os advogados de Moro.
O inquérito foi aberto pelo ministro Celso de Mello a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem caberá decidir sobre denúncia ou arquivamento.
Os crimes investigados são: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra. De acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos, e Bolsonaro, nos seis primeiros.
Se Bolsonaro for denunciado, a Câmara aprovar o prosseguimento e o STF aceitar a abertura de ação penal, ele é afastado do cargo automaticamente por 180 dias.
Até agora, Aras tem dado sinais de que não identifica uma conduta criminosa por parte de Bolsonaro.
Assim como a AGU, ele foi contra a divulgação da íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.
Aras alega que a gravação poderia ser usada com viés político e sustenta que esta não é a finalidade da apuração em curso no STF.
“A divulgação integral do conteúdo o converteria, de instrumento técnico e legal de busca da reconstrução histórica de fatos, em arsenal de uso político, pré-eleitoral (2022), de instabilidade pública e de proliferação de querelas e de pretexto para investigações genéricas sobre pessoas, falas, opiniões e modos de expressão totalmente diversas do objeto das investigações”, argumenta.
Celso de Mello deve decidir a partir de segunda-feira (18) sobre a abertura do sigilo da gravação.
Ele vai assistir ao vídeo da reunião ministerial alvo do inquérito para só depois definir se dá publicidade (total ou parcial) ao registro.
Em nota divulgada nesta sexta, o Supremo informou que Mello irá “examinar pessoalmente” a gravação.
“Sem o conhecimento do conteúdo do vídeo, o ministro não terá condições de avaliar os argumentos apresentados pelo advogado-geral da União, pelo procurador-geral da República e pelos advogados do ex-ministro Sergio Moro”, justificou.
O ministro, segundo o comunicado, já tem “uma visão geral do teor da reunião”, a partir do relato feito pelo juiz federal Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho, que o auxilia.
“O relator deverá assistir ao vídeo na segunda e somente então terá condições de elaborar sua decisão sobre o levantamento, total ou parcial, do sigilo por ele temporariamente imposto”, acrescentou o Supremo.
Folha de SP