Presidente de hospital particular é contra fila única do SUS

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Foto: André Fabiano/Código 19/VEJA

A adoção de uma “fila única”, quando os pacientes aguardam na mesma lista de espera por leitos de UTI nas unidades de saúde públicas e privadas, não resolve totalmente a superlotação de hospitais gerada pelo coronavírus no país. Essa é a visão do médico Cláudio Lottenberg, presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.

Em conversa com a coluna, Lottenberg afirmou que a fila única é muito compensatória, mas pouco estruturante. Segundo ele, é preciso ter uma boa base regulatória para definir critérios que, de fato, possam priorizar os pacientes que mais precisam da terapia intensiva, já que mesmo unificando os leitos públicos e privados, ainda não há quantidade suficiente para atender a crescente demanda.

“A fila única não resolveria porque não trata por complexidade. Ela coloca todo mundo em condições iguais e, portanto, ela amplia algo mas não necessariamente traz eficiência”, explica o médico Cláudio Lottenberg.

A necessidade de novos leitos e a sobrecarga do Sistema Único de Saúde, o SUS, durante a pandemia do coronavírus motivaram o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a recomendar que leitos de UTI da rede privada sejam usados nesse sistema de “fila única”, no qual a lista de espera nas unidades públicas e privadas é a mesma.

Após a recomendação do CNJ, a discussão tem sido ampliada na sociedade. Mas o uso de estruturas privadas pelo sistema público já é previsto em diversos casos de saúde, quando os hospitais particulares entram em parceria com o Estado para disponibilizar tratamentos.

O documento elaborado pelo CNJ na última semana recomenda, inclusive, um diálogo “nas esferas pública e privada, buscando-se promover o bem maior que é a proteção à vida, conjugando-se com a proteção à economia e, em última análise, tentando minimizar os impactos que advirão sobre o Poder Judiciário”.

Para Cláudio Lottenberg, embora a ampliação dos leitos disponíveis para os pacientes resolva a questão da sobrecarga do sistema público de saúde, outras medidas mais simples já poderiam ter sido adotadas, como a disponibilização de hotéis atualmente fechados. A ideia seria usar a estrutura física desses hoteis para isolar pacientes vulneráveis e evitar a contaminação.

“A minha crítica não é à fila única, não é ao fato de a iniciativa privada colocar leitos à disposição do SUS porque ela já faz isso. A minha crítica é como é que a gente vai fazer para organizar alguma coisa de forma estruturante para de fato salvar vidas”, argumenta o médico.

Na avaliação do presidente do conselho do Albert Einsten, a fila única deve adotar critérios claros e garantias aos pacientes em relação ao atendimento. “Eu defendo muito a saúde como direito social, mas também levanto os pontos e arestas que eventualmente amanhã podem nem ofertar algo de melhor para o paciente”, diz.

“Por exemplo, fila única pega um cara que vai morrer de qualquer jeito, um paciente com tumor de pulmão absolutamente ressecado, ele tem um pouquinho de pulmão funcionando, uma baita de uma pneumonia, então ele vai morrer. Você coloca ele num ventilador, em vez de dar uma conduta paliativa e deixar ele descansar em paz. Você segura ele no ventilador por quatro semanas para aí ele morrer. Eu acho que precisa ter garantias em relação a isso”, explica.

Para o médico, também deve haver um debate de natureza ética e a consciência de que a fila única, por si só, não resolverá o problema gerado pela pandemia. “E é uma visão que eu acho que a gente precisa ter muito critério e tem que ter um debate de natureza ética. É preciso o mínimo de entendimento para não imaginar que essa fila única vai resolver o problema. É muito compensatório, pouco estruturante. A fila única também esgota. Então a gente precisa ser muito zeloso em relação a isso”.

Na visão de Lottenberg, sem critérios definidos, sem base regulatória e sem debates importantes sobre o assunto, a proposta se tornaria algo logístico e não uma medida de assistência à saúde. “Então eu acho que a fila única deveria ter uma boa base regulatória. Sem uma boa base regulatória eu tenho a impressão que você consegue internar, mas aí vira uma operação logística e não uma operação de assistência à saúde e aos seres humanos”, completa.

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