Procurador da Lava Jato detona Bolsonaro

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Foto: ASCOM/MPF-PR

O ex-procurador da Lava Jato Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou nesta terça-feira (26) que operações da Polícia Federal poderão ser colocadas em dúvida se usadas para projetos políticos. A declaração foi feita aos jornalistas Tales Faria e Chico Alves, durante o UOL Entrevista, após ser questionado sobre a Operação Placebo, no Rio de Janeiro, que envolve o governador Wilson Witzel (PSC).

Santos relevou, ainda, ter votado em Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais, mas diz acreditar que o impeachment do presidente “está atrasado”. Segundo o ex-procurador, Bolsonaro já cometeu alguns crimes de responsabilidade durante seu mandato.

A PF cumpriu mandados de busca e apreensão no Palácio das Laranjeiras, residência do governador Wilson Witzel (PSC), e no escritório de advocacia onde trabalha sua mulher, entre outros endereços.

“Olha, nessa operação de hoje, eu acredito até porque ela teve origem no STJ, foi uma investigação feita nos inquéritos de Brasília, pela equipe de Brasília. Eu acredito que nada tenha a ver efetivamente com uma perseguição política ao governador Witzel”, iniciou ele.

“Entretanto, quando você coloca a deputada Zambelli e o próprio Bolsonaro, que começam a politizar essa operação com a PF, a gente começa a colocar em dúvida operações que, a princípio, seriam legítimas. Hoje, nós vimos uma investigação séria comandada pelo ministro do STJ, mas, infelizmente, já tingida desta natureza política que, infelizmente, o governo Bolsonaro deu à Polícia Federal.”, acrescentou.

O ex-procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima atuou na força-tarefa da Lava Jato entre 2014, quando foi deflagrada a primeira fase da operação, até setembro de 2018. Em março do ano seguinte aposentou-se no Ministério Público.

Santos comentou, ainda, a reunião ministerial de 22 de abril, cujo vídeo na íntegra foi divulgado na última sexta-feira (22). “Nós temos que dividir aquela reunião em diversos aspectos. Olhando no todo, ela cada vez mais me atemoriza. O tom, a maneira como foi desenvolvida, o todo da reunião me atemoriza. De repente, nós vemos um presidente cercado de militares falando em armar a população para defender princípios que são dele, contra governadores e prefeitos, em um ambiente em que é mencionado até mesmo um serviço de inteligência particular”, disse.

“Este aspecto chavista da reunião me deixou muito assustado. Eu não acreditava na possibilidade de nós estarmos em um risco institucional. Olhando pelo aspecto da acusação do Moro, a reunião deixa claro que o objetivo do Bolsonaro era interferir na PF com interesse em informações. Informações para evitar problemas para seus filhos, seus amigos. Mas me preocupa muito toda vez que um político se aproxima da polícia, ele tem normalmente três objetivos: ter informações úteis na vida política, proteger a si, seus parentes e família, e usar como perseguição política”, afirmou.

Segundo Santos, Bolsonaro não consegue diferenciar seu papel como presidente da pessoa Jair Bolsonaro. “Isto deve ser apurado, inclusive, esse serviço de informações paralelo, que me parece esse o objetivo de intervenção na PF. Mas eu não tenho dúvida de que crimes aconteceram e já vêm acontecendo há um tempo.”

“Principalmente, quando ele fala da família e amigos. A história da segurança é totalmente ilógica. A segurança não envolve os amigos. Em conjunto com as próprias mensagens que ele trocou com Moro antes da reunião, depois da reunião, não tem como desqualificar aquela prova”, disse o ex-procurador.

“O interesse de Bolsonaro em intervir na PF para proteger filhos e amigos me parece certo. Se isso foi obstado por Sergio Moro até aquele momento, é uma questão. Mas quando ele fala em ‘serviço de inteligência particular’, aí eu fico na dúvida.”

“Especialmente agora que nós estamos vendo certos vazamentos aconteceram, inclusive pressionando jornalistas com divulgação de informações fiscais a respeito deles e da família, eu fico?”, disse.

Santos explicou, ainda, que “grande parte daquilo que dizem que a Lava Jato não fez está parado no Supremo”. Aproveita para criticar o foro privilegiado. “Infelizmente, o foro privilegiado e uma certa tendência do Supremo em desmembrar a Lava Jato de Curitiba interromperam muitas boas investigações que aqui ocorriam. Não se pode fazer investigação sobre tudo, mesmo porque você tem tempo e dinheiro curtos. A Lava Jato de Curitiba procurou focar no que era mais importante. Os fatos envolvendo PSDB estão em São Paulo, na Lava Jato. Eu espero que façam um bom trabalho com isso”.

Questionado sobre seu posicionamento nas eleições presidenciais de 2018, Santos diz que, no primeiro turno, votou em Marina Silva; e que, no segundo, não teve escolha senão votar em Jair Bolsonaro.

“Não teria condições de votar em Haddad. Seria como virar o crânio da arma para o meu rosto e apertar o gatilho. Viria contra as investigações e contra a Lava Jato de um primeiro momento. Bolsonaro era uma dúvida que se transformou nesse governo terrível que estamos vivendo”, disse. “Não digo que Haddad seria melhor, mas creio que na questão da pandemia, seria um governo melhor”.

Para o ex-procurador, o impeachment de Jair Bolsonaro, entretanto, está atrasado, uma vez que presidente já cometeu crimes de responsabilidade. “Foi no seu governo que FHC, como ministro da Economia, pôde dar estabilidade para a moeda. Muitas vezes, o impeachment é a solução. Hoje eu vejo que o impeachment de Bolsonaro já está atrasado. Há crimes de responsabilidade diversos, não só neste fato envolvendo a PF, mas também como na própria condução do combate à pandemia”, afirmou.

“Crime de responsabilidade é basicamente político. Tentar intervir na PF para investigar, saber assuntos relativos à investigação de sua família, para mim já seria suficiente”, detalhou. “As pedaladas fiscais são um exemplo claro de que crimes de responsabilidade são uma interpretação política. Eu acredito que nós temos dois crimes, basicamente [de Bolsonaro]: a intervenção na PF com interesses particulares — eu ainda não tenho certo a existência de um aparato paralelo de inteligência, para mim isso é crime de responsabilidade também — e, para mim, o pior, a morte de milhares de brasileiros por uma sabotagem do presidente. Ele está em uma sabotagem do seu próprio governo”.

Segundo o ex-procurador, “Bolsonaro é esperto o suficiente para ficar nesse morde e assopra que ele costuma fazer com os outros poderes”. Santos disse, ainda, que não está “absolvendo o STF. Tem de se fazer críticas, mas não da maneira que está acontecendo”.

De acordo com o ex-procurador, a sabotagem do presidente é “responsável um número excessivo de mortes” por covid-19. “[Bolsonaro trava] Uma disputa com prefeitos e governadores para empurrar o custo da pandemia, os mortos pela pandemia. Nós teríamos uma contagem de mortes inevitável, todos os países estão enfrentando isso. Mas fazer de vidas uma disputa política é inadmissível. Esse foi o meu ponto de rompimento absoluto com esse governo. Nesse ponto não se transige”, disse.

“Bolsonaro, nessa briga toda, se coloca contra a vida de pessoas. Seres humanos não são meros números. São histórias, são famílias”.

Santos se diz decepcionado com os militares que atuam no governo Bolsonaro, não apenas pelo pouco apelo científico que rege as decisões do presidente, mas, também, por ficarem calados quando Bolsonaro sugere armar a população. “Os militares sempre foram cientificistas, sempre tiveram como natureza o positivismo, o respeito à ciência. Apoiar Bolsonaro não me parece lógico dentro daquela filosofia que eu sempre tive como básica das Formas Armadas”, afirmou.

“Entretanto, o que me preocupa é a ideia de que eles estão calados com a proposta de Bolsonaro de armar a população para fazer valer o seu discurso perante prefeitos e governadores. Permitir essa ideia, trazer o caos para as ruas brasileiras, permitir que qualquer maluco que, em vez de dar uma bandeirada na cabeça do jornalista, como estão agora acostumados a fazer, comece a usar armas de fogo para se fazer valer suas opiniões sobre o discurso de ditadura, é uma coisa que eu não entendo como os militares estão endossando. A lealdade que devem é ao Brasil, não ao presidente.”

Uol