Universidade de Cambridge incrimina Bolsonaro
Qual o efeito prático sobre o isolamento social a cada vez que Jair Bolsonaro faz um passeio, participa de uma manifestação ou minimiza o risco do coronavírus?
Um grupo de acadêmicos brasileiros tentou medir o impacto concreto de cada batatada do presidente.
O resultado acabou de ser publicado pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, onde o pernambucano Tiago Cavalcanti é professor de economia.
Ele e os colegas Daniel da Mata e Nicolás Ajzenman, ambos da Fundação Getulio Vargas, escreveram o paper “More than Words: Leaders’ Speech and Risky Behavior During a Pandemic” (Mais do que Palavras: Discursos de Líderes e Comportamento de Risco durante uma Pandemia”).
A conclusão é que, sim, as palavras de Bolsonaro têm impacto imediato, sobretudo em municípios que foram seu redutos na eleição de 2018.
“Numa situação como a do coronavírus, em que há muitas incertezas e nem todo mundo consegue ter a informação mais exata., a voz de um líder político é muito influente”, disse Cavalcanti ao blog.
Em termos práticos, o que os pesquisadores fizeram foi estabelecer o cruzamento de dois bancos de dados.
Primeiro, tiveram acesso a informações da empresa pernambucana In Loco, que faz levantamentos de geolocalização com base em 60 milhões de aparelhos celulares em todo o país.
Por meio deste monitoramento, é possível saber se há aglomerações e se as pessoas estão se movimentando ou respeitando as medidas de quarentena, ficando em casa.
Essa é uma tecnologia que muitos governos estão utilizando para medir o distanciamento social, e não envolve o rastreamento de indivíduos, que poderia levantar questionamentos sobre quebra de privacidade. O que se estabelece são padrões de comportamento coletivos.
O outro banco de dados utilizado são os resultados eleitorais de 2018, divididos por municípios. Os autores do estudo separaram as cidades entre bolsonaristas e não-bolsonaristas.
As bolsonaristas foram definidas como aquelas em que o atual presidente teve maioria absoluta dos votos já no primeiro turno. São 1.1910 municípios, ou 34% do universo total.
Além dessas cidades bolsonaristas “puro sangue”, foram incluídas também outras em que o hoje presidente teve resultado melhor do que a votação mediana nos estados.
A conclusão a que o estudo chega é que, em cidades bolsonaristas, o isolamento social cai entre 10% e 20% na comparação com as não-bolsonaristas, após algum gesto tresloucado do presidente.
Duas ocasiões em especial geraram grande mudança: a participação do presidente, no dia 15 de março, em um ato em Brasília, em que cumprimentou apoiadores em frente ao Palácio do Planalto, e o já tristemente célebre pronunciamento dele em 24 de março em rede nacional, quando chamou a doença de “gripezinha”.
“Antes desses dois eventos, não houve nenhuma tendência diferente entre os municípios pró-Bolsonaro e os outros em termos de isolamento social. Todos caminhavam de forma mais ou menos uniforme. Depois, houve um descolamento”, afirma Cavalcanti.
Os dados foram pesquisados entre os dias 1º de fevereiro, quando a Covid-19 ainda era uma ameaça distante, e 14 de abril, data em que a pandemia já havia se instalado com força por aqui.
O efeito de manifestações e discursos de Bolsonaro costuma durar cerca de uma semana, afirma o estudo. Ele é amplificado em localidades que contam com forte presença de meios de comunicação locais, especialmente sites jornalísticos.
Para chegar à informação mais precisa possível, foi necessário considerar todos os fatores que podem gerar índices maiores ou menores de isolamento social. No jargão técnico, “controlar” esses elementos.
“Há outros fatores que influenciam no distanciamento, como a característico do município, demografia e políticas implementadas pelos governadores”, diz o professor. Descontados todos esses itens, chegou-se à conclusão de que, sim, a postura presidencial conta, e muito.
E este é um fenômeno é global, relata Cavalcanti.
Nos EUA, por exemplo, a defesa feito pelo presidente Donald Trump de que as pessoas injetassem desinfetante para combater a doença, algo que deixou embasbacada a comunidade científica, gerou um aumento de buscas sobre isso no Google.
Ou seja, se serve de algum consolo, não estamos sozinhos na bizarrice.