Av Paulista agora tem rodízio de manifestações
Pelo terceiro fim de semana seguido, São Paulo irá se dividir em manifestações contra e a favor do presidente Jair Bolsonaro. E, para reduzir a possibilidade de confronto entre grupos rivais, adotará um esquema de revezamento no uso da avenida Paulista acertado nesta semana com representantes do Ministério Público.
Manifestantes planejam as novas aglomerações, contrariando as recomendações durante a pandemia do coronavírus, principalmente na tarde de domingo (14), mas também há mobilização programada para este sábado (13) —assim como atos de bolsonaristas ou de antibolsonaristas em outras cidades do país.
Em meio ao impasse sobre a escolha da avenida Paulista, houve um acerto entre Ministério Público e organizadores para que haja um rodízio no local dos protestos.
Neste domingo, a manifestação contra Bolsonaro ocorrerá em frente ao Masp, a partir das 14h, já que, na semana passada, os bolsonaristas protestaram em frente à Fiesp, também na avenida Paulista.
Desta vez, os apoiadores do presidente farão sua manifestação a partir das 13h no Viaduto do Chá, na região central. O ato é organizado por pequenos grupos que vêm promovendo carreatas aos fins de semana, com ataques ao Supremo Tribunal Federal, ao governador João Doria (PSDB) e ao prefeito Bruno Covas (PSDB) devido ao isolamento social adotado durante a pandemia.
Com os antagonistas nas ruas, a Polícia Militar prepara um esquema de policiamento reforçado igual ao visto no domingo passado (7). Serão 4.300 policiais espalhados pela cidade especialmente em terminais de ônibus, trens e metrô. A PM utilizará drones e helicópteros, e os manifestantes serão revistados.
Os atos também serão monitorados com câmeras fixas e filmados pelos próprios policiais. Como no último fim de semana, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Ouvidoria da Polícia, a OAB e a imprensa poderão acompanhar os atos no Copom (centro de operações da PM).
Os antibolsonaristas, liderados por torcidas organizadas de futebol e pela Frente Povo sem Medo, comandada por Guilherme Boulos (PSOL), também esperam uma mobilização maior do que a do último domingo no Largo da Batata e minimizam a confusão vista na dispersão.
“Acredito que será maior até pela repercussão positiva que tivemos da manifestação anterior”, afirma Danilo Pássaro, do Somos Democracia, que reúne integrantes de torcidas organizadas de times de futebol.
Além da crítica a Bolsonaro, a manifestação adota discurso em defesa da democracia e da causa antirracista, reunindo grupos que se denominam antifascistas.
O último ato teve 3.000 pessoas, segundo a PM. Os organizadores apostam na mobilização de rua para pressionar pela saída de Bolsonaro.
“É importante transformar a correlação de forças dentro do Congresso Nacional, tem dezenas de pedidos de impeachment e diversos crimes de responsabilidades cometidos, mas o impeachment é politico, não é somente jurídico”, diz Pássaro.
Após o final da manifestação passada, um grupo que insistiu em prosseguir por vias de Pinheiros foi repreendido com bombas de gás pela Polícia Militar. Houve depredação de duas agências bancárias. Já policiais que agrediram manifestantes rendidos foram afastados pela corporação.
A polícia informou que foram apreendidos garrafas e combustíveis de coquetéis molotov, um pedaço de madeira, socos-ingleses, uma chave de rodas, um estilingue, uma faca, uma bomba pulverizadora e veneno para ratos. No total, 17 pessoas foram detidas.
Para Pássaro, a reação da PM foi exagerada. “Essas ações ocorreram mais de duas horas após o encerramento do ato, eu estava em casa. Foi amplamente divulgada a truculência da violência policial contra grupos pequenos”, afirma.
Na segunda (8), Doria afirmou que “a Polícia Militar agiu de forma correta, evitando danos ao patrimônio privado e público e a ação de vândalos”. O governador disse que a depredação foi feita por uma minoria e não foi endossada pelos demais manifestantes. Também declarou que a violência dos policiais será investigada.
No Largo da Batata, foram distribuídos máscaras e álcool em gel, mas os manifestantes falharam em obedecer as marcações de distanciamento social feitas no chão.
Os cuidados se repetirão na av. Paulista, e os organizadores dizem esperar que, desta vez, o distanciamento seja respeitado e a dispersão, com mais estações de metrô à disposição naquela região, não seja violenta.
No sábado (13), a avenida Paulista também terá um ato contra o governo Bolsonaro organizado pelo Grupo de Ação, de cerca de 200 pessoas, apartidário e formado por artistas, advogadas, professores, profissionais de saúde, estudantes, editoras e comunicadores.
A ação no Masp será visual, uma performance. O grupo levará fotos de pessoas mortas pela violência do estado —na ditadura, em ações recentes da PM e vítimas da Civid-19. A ideia é manter o distanciamento entre os manifestantes.
No lado bolsonarista, embora no último domingo apenas cem pessoas, segundo a PM, tenham comparecido à av. Paulista, a expectativa dos organizadores é a de que a manifestação no Viaduto do Chá seja mais significativa.
Isso porque, na semana passada, o próprio presidente Jair Bolsonaro havia pedido que seus apoiadores ficassem em casa. Com isso, a avenida Paulista acabou tomada especialmente por intervencionistas, com faixas de apoio a um golpe militar.
“O presidente pediu que não saíssemos para ficar claro quem estava fazendo baderna. Mas, a partir do momento em que as manifestações ocorrem em locais diferentes, fica claro quem está fazendo baderna, ainda que seja uma minoria, e quem não está. Então nossa liberdade de manifestação pôde voltar”, diz Major Costa e Silva, um ativista bolsonarista.
Silva afirma que o movimento tenta se descolar dos intervencionistas, embora defenda que eles tenham liberdade de expressão para comparecer aos atos portando suas faixas.
Por isso, a manifestação será no Viaduto do Chá e não na região do Ibirapuera, onde ativistas pró-Bolsonaro e contra Doria estão acampados próximos ao Quartel do Comando Militar do Sudeste. “Fazer ali iria parecer que todo mundo que apoia o governo quer o Exército”, diz Silva.
O Viaduto do Chá, próximo à Prefeitura de São Paulo, também foi escolhido para dar um recado a Bruno Covas. Embora Doria e Covas tenham autorizado a abertura parcial de shoppings e do comércio nesta semana, os bolsonaristas querem o fim do isolamento para todos os setores, como os restaurantes.
No último dia 31, houve confusão e bombas de gás da Polícia Militar contra os manifestantes anti-Bolsonaro depois que as duas manifestações se encontraram na av. Paulista. Foi a primeira vez que o pedido por impeachment ganhou as ruas na pandemia.
A oposição a Bolsonaro, porém, se divide: PT e PSOL aderiram aos protestos, enquanto PSB, PDT, Cidadania, Rede e PSD pedem que as pessoas não compareçam aos atos em função do coronavírus.
Líderes dos recém-criados manifestos da sociedade civil que se contrapõem a Bolsonaro e pregam a defesa da democracia também optaram por desestimular atos presenciais.
Ao longo da semana passada, não houve consenso entre os organizadores, que insistiram em fazer os dois atos na Paulista. Uma decisão judicial na noite do último dia 5 acabou proibindo manifestações contrárias no mesmo local, e o protesto contra Bolsonaro se mudou para o Largo da Batata.
COLETIVOS FEMINISTAS
Neste domingo, coletivos feministas organizados lançarão o Manifesto do Levante das Mulheres Brasileiras, com uma série de ações digitais que vão desde o recolhimento de assinaturas para o texto até campanhas com a hashtag #MulheresDerrubamBolsonaro.
Às 14h, também irão ao ar podcasts com parte das articuladoras das ações, que já integraram o grupo por trás da campanha e dos protestos #EleNão, contrários ao então candidato à Presidência Jair Bolsonaro.
“Voltamos para avisar: Ele Cai”, descreve o manifesto, que responsabiliza o governo federal pelas mortes de cerca de mil brasileiros por dia vítimas da Covid-19.
“Bolsonaro, com suas ações negacionistas, misóginas e racistas, amplia o sofrimento da população”, diz o texto, que destaca a situação especialmente vulnerável de mulheres negras e pobres durante a pandemia.
“Mulheres negras e pobres, trabalhadoras informais, domésticas (…) vivem em moradias precárias em favelas e comunidades (…) estão nas ruas batalhando pelo sustento da família e enfrentam a lida da casa, os cuidados com as crianças, idosos, doentes e parentes encarcerados. Essas mulheres perdem seus filhos, irmãos e netos para a brutalidade policial, pautada em uma política de segurança pública equivocada”, afirma o manifesto, que reunia mais de 6.000 assinaturas até 18h de sexta-feira (12).
“Convocamos as instituições da República a cumprirem seus papéis. Já existem na Câmara dos Deputados inúmeros pedidos de Impeachment; no TSE, diversas ações pela cassação da chapa Bolsonaro/Mourão por fraude eleitoral. O STF, enfim, precisa responsabilizar o presidente, que segue descumprindo a Constituição, atentando contra a liberdade e produzindo a morte de brasileiros e brasileiras.”
De acordo com Patrícia Valim, professora do departamento de História da Universidade Federal da Bahia, o manifesto e as assinaturas serão entregues ao Supremo Tribunal Federal e aos presidentes da Câmara e do Senado.
Folha de SP