Bolsonarismo avança na PM de SP

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Foto: Sérgio Lima/AFP

O governo de São Paulo tem se empenhado para conter o que chama de “contaminação” do bolsonarismo na Polícia Militar e manter a neutralidade e o caráter apartidário da instituição. As principais preocupações são o comportamento de policiais em manifestações nas ruas e as postagens de integrantes da ativa da PM em redes sociais e em aplicativos, como o WhatsApp.

São compartilhados desde ataques ao governador João Doria (PSDB) a teses defendidas pelo bolsonarismo, como o fim do isolamento social durante a pandemia. Na última semana, grupos de policiais foram invadidos por postagens que chamavam de “maconheiros”, “terroristas” e “arruaceiros” os manifestantes que desejam sair às ruas contra o governo de Jair Bolsonaro.

Há, entre os bolsonaristas da ativa mais fanáticos, um major, sargentos e cabos que compartilham postagens de deputados da bancada da bala na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa. “Vejo de forma estarrecedora colegas apoiando ou criticando o governo”, afirmou o coronel da reserva da PM Glauco Carvalho, que comandou o policiamento da capital.

A presença de oficiais e praças da reserva e familiares de policiais em manifestações na Avenida Paulista de apoio ao presidente e contra o governador, hoje opositor contundente de Bolsonaro, reforça a preocupação no Executivo estadual. “O desafio de manter a política longe dos quartéis é grande. Há limites à liberdade de expressão, mas temos mantido a situação sob controle. A PM trabalha para o cidadão, não é polícia de governo, mas de Estado”, afirmou o secretário executivo da PM, coronel Alvaro Batista Camilo.

O comando da corporação se reuniu nesta semana, após a manifestação no domingo passado, que terminou em confronto entre a tropa de choque e manifestantes contrários a Bolsonaro – a maioria torcedores de times de futebol – na Avenida Paulista. O Estadão apurou que os coronéis verificaram erros em procedimentos operacionais, como a decisão de deixar livre uma bolsonarista que perambulava com um bastão de beisebol.

A exemplo do domingo passado, bolsonaristas e críticos do governo devem novamente sair às ruas hoje na capital. Como a Justiça proibiu que ambos os grupos se manifestassem na Avenida Paulista, os movimentos contrários ao governo remarcaram seus atos para o Largo da Batata, em Pinheiros. No domingo passado, cinco manifestantes foram detidos e dois ficaram feridos, ambos PMs aposentados que apoiam o presidente.

Apontada como um dos focos do bolsonarismo na PM, a associação Defenda PM congrega cerca de 2 mil oficiais. Ela é presidida pelo coronel Elias Miler da Silva, hoje chefe de gabinete do senador Major Olimpio (PSL-SP), adversário político de Doria, mas que rompeu com Bolsonaro. “A associação é apartidária. Mas os associados podem ter suas preferências políticas”, afirmou o coronel Ernesto Puglia Neto, secretário executivo da associação. “Nós nascemos para defender institucionalmente a PM.”

Em seu site, no entanto, a entidade mantém na página de abertura a seguinte frase: “Governador João Doria: despreparado para SP, despreparado para o Brasil”. Mantém ainda um artigo sobre a covid-19 no qual dá aval a todas as teses do presidente sobre a doença, criticando o uso da ciência como palavra final no combate ao vírus.

Uma das razões da adesão dos policiais ao bolsonarismo é a identificação do presidente com a pauta corporativista das polícias. Segundo o coronel Carlos Alberto de Araújo Gomes, que presidiu até maio o Conselho Nacional dos Comandantes Gerais das PMs e dos Corpos de Bombeiros Militares, entre essas pautas estão o que os policiais chamam de maior proteção jurídica aos PMs. O pacote envolve a aprovação de uma lei orgânica das polícias, a possibilidade de a corporação registrar ocorrências de menor poder ofensivo e uma maior participação das PMs na definição de políticas públicas.

Para Araújo Gomes, no entanto, o possível aumento de candidaturas de policiais – a maioria ligada ao bolsonarismo – não significa a existência de contaminação política das polícias. “Isso se deve ao reconhecimento da sociedade pela função relevante exercida por esses homens.” Segundo ele, mesmo o motim de policiais no Ceará, em janeiro, não teve uma causa nacional, mas, sim, estimulada por fatores locais.

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disse que o motim cearense só não se espalhou pelo País em razão da repulsa da população às ações dos rebelados e pelo fato de o governo local ter aprovado lei proibindo anistia. Segundo Lima, uma ruptura da disciplina hoje só aconteceria em razão de evento extraordinário.

Para o coronel Carvalho, essa possibilidade é improvável. Primeiro, porque as Forças Armadas se opõem. “As maiores polícias ainda têm instrumentos de controle.” Apesar de haver na tropa um sentimento majoritariamente pró-Bolsonaro, o coronel identifica um distanciamento recente de parte da oficialidade da PM do bolsonarismo após a demissão de Sérgio Moro da pasta da Justiça e das negociações do governo com o Centrão. “As pessoas mais atentas sabem o significado desses fatos.”

Duas perguntas para Walter Casagrande, ex-jogador e comentarista de futebol
1. A luta pela democracia entre 1982 e 1984 uniu torcedores organizados, jogadores e dirigentes como Adilson Monteiro Alves. Você vê paralelo entre a luta do passado e o movimento que começa a se formar no País hoje?

A Democracia Corintiana foi idealizada por Adilson Monteiro Alves, que foi diretor de futebol do Corinthians na nossa época e era sociólogo. O nome do movimento foi sugerido pelo publicitário Washington Olivetto para três jogadores, Sócrates, Wladimir e eu. Nós aderimos. Vejo semelhanças, as lutas pela democracia são parecidas. A nossa tinha a participação de jornalistas, artistas, cineastas e até do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Naquela época, tínhamos uma ditadura militar comandando o País, o que tornava a causa mais complexa.

2. Como você decidiu participar do movimento em 1984? Quem teve no elenco do Corinthians o papel principal de unir o grupo e levar o movimento adiante?

A nossa participação, sem dúvida, foi importante para dar mais força ao movimento. Eu, Sócrates e Wladimir fomos participar das Diretas Já com Adilson Monteiro Alves porque era naquilo que acreditávamos como o melhor caminho para o Brasil. Nós tínhamos a convicção de que o papel da sociedade era lutar com todas as forças pela redemocratização do País.

Estadão