Bolsonaro oculta mortes visando Jornal Nacional
Foto: Jorge William / Agência O Globo
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu nesta sexta-feira (5) o atraso da divulgação dos boletins do Ministério da Saúde sobre o avanço do coronavírus no Brasil e disse que, com a mudança de horário das 19h para as 22h, “acabou matéria no Jornal Nacional”. Ele também se referiu à Rede Globo, que veicula o Jornal Nacional, como “TV funerária”.
As declarações ocorreram na porta do Palácio da Alvorada e foram transmitidas pela CNN Brasil.
Na época do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, demitido em 16 de abril, o Ministério da Saúde costumava publicar os boletins da Covid-19, com informações como número de infectados, óbitos e casos em acompanhamento, às 17h. Na gestão de Nelson Teich, a divulgação passou a ser às 19h.
Na quarta-feira (3) e na quinta-feira (4), o Ministério da Saúde só divulgou o boletim às 22h, alegando problemas técnicos. Nesses dois dias, o Brasil bateu recordes no número de óbitos computados em um dia: 1.349 na quarta e 1.473 na quinta.
O Jornal Nacional, que começa às 20h30, informou que passaria, então, a usar o balanço das secretarias estaduais de Saúde.
Questionado sobre o tema na noite desta sexta, Bolsonaro não confirmou ter dado a ordem para que a divulgação dos números ocorresse depois da exibição do Jornal Nacional e disse que, com o novo horário, os dados saem “mais consolidados”.
“É para pegar o dado mais consolidado. E tem que divulgar os mortos no dia. Por exemplo, parece que dois terços dos mortos eram de dias anteriores, o mais variado possível. Tem que divulgar os do dia. O resto consolida pra trás”, defendeu o mandatário.
Bolsonaro se referiu à metodologia da informação de óbitos em 24 horas. O dado traz o número de registros compilados nas últimas 24 horas, e há casos de pessoas que morreram em dias anteriores mas cujos testes só ficaram prontos e foram computados na data da divulgação.
O presidente, porém, citou o telejornal e disse que o governo “não tem que correr para atender a Globo”.
“Tem que saber quem perdeu a vida por causa da Covid ou com Covid. Às vezes a pessoa tem dez comorbidades, 94 anos, e pegou o vírus. Potencializa. A Globo, o Jornal Nacional, gosta de dizer que o Brasil é recordista em mortes. Falta, inclusive, seriedade. Bota mortes por milhão de habitante. É como querer comprar morte do Brasil, que tem 200 milhões de habitantes, com país que tem 10 milhões de habitantes.”
Questionado sobre se a ordem de atrasar a publicação saiu do Palácio do Planalto, Bolsonaro respondeu:
“Não interessa de quem partiu, é justo sair às 22h, é o dado completamente consolidado. Muito pelo contrário, não tem que correr para atender a Globo”.
“[É] o horário adequado. Se ficar pronto às 21h, tudo bem. Mas não vai correr às 18h para atender a Globo, a TV funerária. Consolida com clareza, precisão, data certinho”, concluiu.
Nesta sexta (5), o Ministério da Saúde informou pelo terceiro dia consecutivo que o boletim só seria divulgado às 22h. A pasta afirmou que compila informações fornecidas pelas secretarias estaduais e municipais de saúde. “Assim, a pasta analisa e consolida os dados, sendo que em alguns casos há necessidade de checagem junto aos gestores locais. Desta forma, o Ministério da Saúde tem buscado ajustar a divulgação dos dados, que são publicados diariamente na plataforma covid.saude.gov.br”, afirmou o ministério.
A Globo divulgou uma nota sobre as declarações de Bolsonaro, lida na edição do Jornal Nacional desta sexta.
“O público saberá julgar se o governo agia certo antes ou se age certo agora. Saberá se age por motivação técnica, como alega, ou se age movido por propósitos que não pode confessar mais claramente. Os espectadores da Globo podem ter certeza de uma coisa: serão informados sobre os números tão logo sejam anunciados. Porque o jornalismo da Globo corre sempre para atender o seu público.”
Após a divulgação dos dados pelo ministério, já após o fim do Jornal Nacional, o Plantão da Globo, com o apresentador William Bonner, entrou no ar durante a novela das 21h. “Plantão Globo” se tornou o assunto mais comentados no Twitter logo após a transmissão das informações. O nome do jornalista William Bonner, âncora e editor-chefe do telejornal, também é um dos termos mais compartilhado na rede.
O Ministério da Saúde acaba de divulgar que 30.830 brasileiros entraram nos registros oficiais de casos de Covid-19. O país tem agora um total de 645.771 infectados. São 35.026 mortes por coronavírus. pic.twitter.com/wHZmJHXcY6
— Jornal Nacional (@jornalnacional) June 6, 2020
Ao Jornal Nacional, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que, se os atrasos persistirem, o Legislativo pretende criar um sistema próprio com as secretarias locais de saúde para garantir a publicidade dos números.
“A Câmara dos Deputados com certeza vai trabalhar com os estados e a sociedade civil. Nós temos que organizar de algum jeito as informações para a sociedade. O ideal é que o governo restabeleça isso o mais rápido possível. Espero que nos próximos dias o Ministério da Saúde compreenda que informar é fundamental para a sociedade brasileiro. Principalmente num mundo tecnológico, a gente omitir informação parece que é um erro muito grande”, afirmou Maia.
À noite, pelas redes sociais, o ministro Bruno Dantas, do TCU (Tribunal de Contas da União) sugeriu que o tribunal e também os órgãos estaduais correlatos passem a consolidar as informações por causa das “novas dificuldades para divulgar dados nacionais de infectados, curados e óbitos da Covid-19”;
“As instituições devem ajudar”, escreveu ele. “Cogito propor ao @TCUoficial e aos tribunais de contas estaduais que requisitemos e consolidemos dados estaduais para divulgação diária até 18h”.
Com as novas dificuldades para divulgar dados nacionais de infectados, curados e óbitos da Covid-19, as instituições devem ajudar. Cogito propor ao @TCUoficial e aos tribunais de contas estaduais que requisitemos e consolidemos dados estaduais para divulgação diária até 18h.
— Bruno Dantas (@DantasBruno) June 6, 2020