Bolsonaro para ameaças e bajula novo presidente do STF
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Após fazer crítica pública ao ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu estender a bandeira branca na tentativa de construir um canal de diálogo e evitar uma fissura permanente com o futuro presidente da corte.
Desgastado após uma série de decisões judiciais que atingiram aliados, Bolsonaro também diminuiu o tom dos ataques ao STF e, por meio de emissários, enviou recado de que é hora de distender o clima tenso entre Executivo e Judiciário.
Nesta sexta-feira (19), o presidente também enviou ministros do governo para se reunirem com Alexandre de Moraes, integrante do Supremo criticado por Bolsonaro pela condução do inquérito das fake news e do que investiga atos antidemocráticos.
Além de operações contra apoiadores e da quebra de sigilo de deputados bolsonaristas, a prisão na quinta-feira (18) de Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro e ex-assessor de seu filho Flávio, escalou as preocupações dentro do Palácio do Planalto.
Segundo deputados bolsonaristas, o presidente da República não deve começar com o pé esquerdo na relação institucional com Fux, substituto do ministro Dias Toffoli, que sai da presidência do STF daqui a três meses.
O movimento de aproximação de Bolsonaro com Fux tem como principais interlocutores os ministros da Defesa, Fernando Azevedo, da Justiça, André Mendonça, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Além deles, os ministros palacianos Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo) também têm, eventualmente, entrado em contato com o futuro presidente do Supremo em meio à relação conturbada entre os dois Poderes.
Segundo auxiliares presidenciais, Bolsonaro não deve deixar de fazer ataques a ministros da corte quando se sentir incomodado com decisões ou inquéritos, mas ele indicou que evitará críticas diretas à instituição e também ao seu futuro presidente.
Durante toda a semana, apesar de ter se irritado com a operação de busca e apreensão contra aliados de seu governo, Bolsonaro optou por fazer ataques indiretos, o que se contrapõe à postura que vinha adotando.
“Luto para fazer a minha parte, mas não posso assistir calado enquanto direitos são violados e ideias são perseguidas. Por isso, tomarei todas as medidas legais possíveis para proteger a Constituição e a liberdade do dos brasileiros”, escreveu nas redes sociais.
Nesta sexta, o presidente enviou Mendonça, Jorge e o advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral, a São Paulo para se reunirem com o ministro Alexandre de Moraes.
No encontro, segundo relato feito à Folha, os dois disseram que Bolsonaro está disposto a iniciar um nova fase na relação com o Judiciário.
Oficialmente, a reunião serviu para que os ministros discutissem processos relacionados à terra indígena Raposa Serra do Sol, prejuízos ao setor sucroalcooleiro, a possibilidade de o TCU (Tribunal de Contas da União) declarar indisponibilidade de bens e ação sobre controle de armas e munições por parte do Exército. O principal objetivo do encontro, porém, foi buscar uma aproximação com Moraes.
Já Fux tem auxiliado Toffoli em diálogos institucionais com o Palácio do Planalto. Ele tem adotado, no entanto, postura cautelosa e evitado fazer movimentos isolados que possam passar a impressão de que está antecipando a sua ascensão ao cargo.
Por isso, sempre que possível, ele sai em defesa pública da corte. Na sexta-feira (12), por exemplo, Fux marcou posição ao esclarecer que a interpretação correta da Constituição não permite intervenção militar sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo.
“A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes”, ressaltou.
Bolsonaro reagiu e, em nota, disse que as Forças Armadas não cumprirão “ordens absurdas”. Segundo ministros militares, a declaração foi um episódio pontual. Para eles, era necessário que o presidente se posicionasse de maneira dura sobre o assunto.
A ordem agora no Planalto é baixar a temperatura e dar prosseguimento ao esforço de aproximação, impedindo que o embate crie uma crise pessoal entre Bolsonaro e Fux.
“Eu acho que o ministro Fux vai manter com o governo o mesmo tipo de diálogo que o presidente Toffoli tem hoje”, disse à Folha o vice-presidente, Hamilton Mourão. “Eu acho que Fux e Bolsonaro têm uma boa ligação.”
Nas últimas semanas, Fux foi acionado por ministros militares e jurídicos para conversar sobre decisões do Supremo e arrefecer o clima de conflito criado por Bolsonaro após o presidente fazer críticas públicas à corte.
No fim de maio, Moraes autorizou uma operação da Polícia Federal que atingiu aliados do presidente no âmbito do inquérito que apura fake news contra integrantes do STF.
Contrariado, Bolsonaro deixou clara a sua irritação. Ele disse que “as coisas têm limite”, pediu a Deus que ilumine “as poucas pessoas que ousam se julgar mais poderosas” e desejou que elas se coloquem “no seu devido lugar”.
“E dizer mais: não podemos falar em democracia sem Judiciário independente, Legislativo independente para que possam tomar decisões. Não monocraticamente, mas de modo que seja ouvido o colegiado. Acabou, porra!”, disse o presidente.
Naquele dia, havia a expectativa de um depoimento do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, que acabou demitido na quinta (18), em um novo aceno de diálogo de Bolsonaro ao Supremo.
Em reunião ministerial no dia 22 de abril, Weintraub havia afirmado que os ministros do STF deveriam estar presos. Para evitar um agravamento da crise política, uma operação bombeiro entrou em campo.
Como Toffoli estava internado, Alcolumbre procurou Fux para tentar baixar a temperatura da crise. O ministro do STF também foi acionado pelo mesmo motivo por auxiliares do chefe do Executivo. Na ocasião, Fux disse a Alcolumbre que o STF não poderia tolerar ataques em série de Bolsonaro.
Fux disse ainda que cabe à corte garantir o cumprimento da Constituição. Segundo relatos feitos à Folha, o ministro expressou preocupação com declarações de Bolsonaro que considerava de cunho autoritário.
O recado foi retransmitido por Alcolumbre ao Executivo. O presidente do Senado tem uma boa relação com Fux. Os dois são judeus e brincam que pela primeira vez o Brasil terá dois chefes de Poder da religião.
Fux e Azevedo desenvolveram uma boa interlocução quando o general trabalhou para Toffoli. O ministro do STF foi acionado pelo Executivo, por exemplo, para minimizar a tensão criada com a suspensão da nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal.
Para integrantes do governo, Fux tem um perfil diferente do de Toffoli. Embora seja aberto ao diálogo, ele é lido como um ministro mais preocupado com a opinião pública e, logo, mais sensível a eventuais críticas contra o governo.
Em conversas reservadas, Bolsonaro já confessou temer o grupo de ministros do Rio de Janeiro, composto por Fux e Luís Roberto Barroso, os quais, na avaliação dele, estariam mais dispostos a tomar medidas para prejudicá-lo.
O presidente considera haver relação próxima de Fux com a Rede Globo e cita isso como um fator complicador. A emissora de televisão é considerada por Bolsonaro como uma das principais inimigas do governo.
Por esse temor, avaliam integrantes do Judiciário, parte a necessidade de o Executivo buscar desde já uma aproximação com Fux. No ano passado, o ministro esteve com Bolsonaro duas vezes ao menos.
Ele é citado por ministros da cúpula militar com um magistrado acessível.
Com Toffoli, Fux também participou da operação para que se chegasse a um entendimento sobre como o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril fosse entregue ao Supremo. Segundo o ex-juiz Sergio Moro, no encontro, Bolsonaro manifestou a intenção de interferir na PF.
O governo federal queria garantia de que o material fosse guardado sob sigilo e segurança e queria saber quem teria acesso ao conteúdo. Fux auxiliou para que a operação transcorresse bem.
O ministro, no entanto, tem dado sinais de que seguirá a linha de impor limites ao governo quando necessário por meio de decisões judiciais, uma postura por vezes menos conciliadora do que a adotada por Toffoli, na opinião de integrantes da corte.
Procurado pela Folha, Fux não quis comentar.