Bolsonaro usa fake news contra rapaz morto
Foto: Reprodução
Na esteira dos protestos de torcedores contra seu governo, o presidente Jair Bolsonaro usou as redes sociais para fazer chacota com um suposto erro de português de um torcedor corintiano.
Na última terça-feira (2), o perfil no Instagram de Bolsonaro republicou um meme antigo que mostra dois corintianos segurando uma faixa com a palavra “incompetência” grafada errada: “emcompetência”.
Trata-se de um meme antigo, uma montagem feita a partir de uma foto tirada em 2011. Na foto original, o corintiano Felippe Mariano Vasconcellos e um amigo seguram uma faixa com a palavra escrita da forma correta. A montagem sugere que corintianos não sabem escrever.
Membro da Gaviões da Fiel e corintiano desde criança (como mostram as fotos de família), Felippe morreu em setembro 2014 em um acidente de carro em Campinas. Seus parentes ficaram indignados ao verem sua imagem sendo publicada em tom jocoso na página do presidente.
“A foto podia até ser de verdade, mas ele não tem o direito de fazer chacota com nenhum grupo”, afirmou Olívia Vasconcellos, irmã de Felippe. “E ele fez isso justamente usando uma imagem falsa, e atingiu a dor de uma família. A nossa família já tem uma aversão à linha do presidente. Discordamos muito da falta de responsabilidade com as informações que ele dá, das falas que parecem sempre uma conversa de botequim.”
O caminho que levou a imagem à página de Bolsonaro é conhecido. A foto original foi feita para ilustrar uma reportagem do site “Globoesporte.com” sobre um protesto de corintianos no aeroporto de Viracopos, em Campinas, após a eliminação do clube da Libertadores, pelo colombiano Tolima.
Então morador de Campinas, Felippe, um ex-estudante de Relações Públicas e integrante da Gaviões, resolveu ir ao aeroporto mostrar sua indignação. Depois que a foto foi publicada na internet, sites de humor fizeram montagens trocando letras da palavra incompetência. O meme vem sendo compartilhado desde então.
Até que o professor Felipe Alves, um “cristão de direita e conservador” do interior do Rio Grande do Norte, republicou a montagem em suas redes. Alves tem 12 mil seguidores. Sua postagem acabou chegando ao perfil de Jair Bolsonaro, que a compartilhou para seus 16,9 milhões de seguidores.
Olívia, a irmã do retratado, recebeu um print e foi checar a foto nos stories de Bolsonaro.
“Ele não tem que zombar se corintiano escreve certo ou errado. Não é esse tipo de mensagem que cabe ao presidente”, afirmou ela, que é arquiteta e urbanista, tem 32 anos e mora em São Paulo. “Meu irmão não está nem aqui para se defender.”
Procurada, a secretaria de comunicação do Planalto respondeu que não é responsável pelas postagens no Instagram de Bolsonaro e que apenas o próprio presidente poderia responder por elas. A pasta disse ter encaminhado a solicitação ao gabinete pessoal de Bolsonaro, que não havia retornado até a publicação dessa reportagem.
Procurado pelo Instagram, o professor Felipe Alves não retornou às tentativas de contato.
Felippe Vasconcellos costumava ser lembrado como o mais corintiano entre todos os seus amigos. Sua irmã, alvinegra como ele, lembra de um episódio antes do jogo Flamengo x Corinthians, na Libertadores de 2010.
“Estávamos em casa na expectativa do jogo e ele disse: ‘Vamos pro Rio?’ Ele insistiu muito e resolvemos ir. Tentamos comprar passagem de avião, mas estava muito caro. Em 10 minutos estávamos na rodoviária indo pra lá. Perdemos o jogo de 1 a 0, mas ficou a lembrança. Ele era movido assim. Fazia de tudo pra ver o Corinthians.”
Em julho de 2014, Olívia e Felippe conseguiram ingressos com amigos da Gaviões para que ele conhecesse a recém-inaugurada Arena Corinthians, um momento que ficaria marcado na vida da irmã. Felippe morreria dois meses depois.
“Quando ele morreu, eu ficava pensando nisso”, lembra Olívia. “Ele viu a Libertadores, o Mundial. Foi como se a vida dele tivesse sido justificada.”