Cientistas dizem que reabertura no Rio matará milhares

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Foto: Ellan Lustosa/Código19/Estadão Conteúdo

A cidade do Rio de Janeiro deve sentir o impacto da reabertura de setores da economia e áreas de lazer em duas a três semanas. Especialistas ouvidos pelo UOL preveem um aumento de casos e mortes de coronavírus a partir de duas semanas. Eles são unânimes ao apontar que não é hora para relaxar o isolamento social.

Na capital fluminense, a reabertura se iniciou na terça-feira (2), com liberação de lojas de móveis e carros, de igrejas e da orla das praias. Já o governador Wilson Witzel (PSC) prorrogou as medidas restritivas, mas falou ontem em flexibilização no estado a partir da próxima semana. Ontem, o estado registrou 6.010 óbitos —com recorde de mortes em 24 horas (324)— e 59.240 casos registrados de coronavírus. A capital é o epicentro da pandemia no estado, com 4.055 mortes.

Na capital, houve 997 novas mortes em uma semana em período encerrado em 1º de junho —o total é superior aos 871 da semana anterior. No estado, foram 1.337 mortes em uma semana, contra 1.253 no período anterior. Ou seja, não houve queda nas mortes, apenas desaceleração do crescimento dos óbitos. Em outros países, o padrão é reabrir quando novos casos e mortes têm diminuição por um período.

O epidemiologista Diego Xavier, pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde do ICICT da Fiocruz, prevê aumento de casos e mortes em duas semanas. Para ele, não é possível estimar o tamanho do impacto em razão da subnotificação no Rio.

“Muito difícil prever porque os casos já são subnotificados. Veremos mais claro nos óbitos que depois do contágio levam mais umas duas semanas [para ocorrer]. No óbito, de todo modo, deve ocorrer um aumento abrupto em duas semanas. Será difícil não perceber”, afirmou Xavier, falando especificamente sobre a capital fluminense.

O prazo é parecido com o estimado por Mathias M. Pires, do Instituto de Biologia da Unicamp. Para o integrante do projeto observatório covid em São Paulo, que analisa tendências da epidemia em todo o país, uma mudança na dinâmica social, com menos isolamento, afetará a taxa de contágio.

“Com base nos dados que temos, tudo indica que a epidemia não está desacelerando [no Brasil]. Seguro seria reabrir em queda acentuada por muito tempo. Aí faz um planejamento de reabertura. Agora estão começando a reabrir. Nada garante que não tenha as novas ondas de contaminação”, disse o cientista.

Sua expectativa é de que as medidas de relaxamento de isolamento social provoquem um aumento no número de casos e mortes a partir de dez a 25 dias.

“Tem um atraso natural da doença que demora até 15 dias. Entre cinco e 15 dias poderá se ver um sinal. Mas quem procura hospital é quem tem doença mais grave e que demora mais. Então daqui a dez e 25 dias devemos ver os números”, disse o biólogo.

O número de óbitos é considerado o mais confiável por cientistas que trabalham com dados de covid-19 por ter menor subnotificação —isso porque há mortes em que não houve testes do infectado, mas são em número inferior aos casos totais.

Falta de coordenação para reabertura
Outra questão levantada por especialistas é da falta de coordenação entre municípios vizinhos e estado na política de isolamento e reabertura. Em uma área urbana densa, com grande proximidade entre os municípios, como na Grande Rio, o aumento de casos em um deles tende a impactar sobre o sistema de saúde do outro.

A capital fluminense, por exemplo, concentra o maior número de hospitais de referência para tratamento do coronavírus. Atende inclusive cidades do interior. A epidemia tem uma tendência de interiorização nos estados, com epicentros nas capitais.

“No Brasil, não pode um município tomar decisão sozinho. Município não está isolado dentro do estado. Uma pessoa vem trabalhar da Baixada Fluminense, de Niterói. O Rio pode diminuir a pressão sobre hospitais, mas vai começar a receber doentes do interior. Ainda não chegou ao interior. Não chegou plenamente. Tem muitos municípios com taxas baixas. Existe uma tendência de interiorização. Se o epicentro se controla, ele controla os demais”, analisou Christovam Barcellos, sanitarista da Fiocruz.

Barcellos trabalhou na nota técnica que apontou equívoco da Prefeitura do Rio e do estado em reabrir a economia agora.

Crivella e Witzel diziam estar atuando de forma conjunta, mas os decretos de ambos indicam contradições, como a data para reabertura de orlas de praias e lagoas.

O superintendente da Vigilância Sanitária do Município do Rio. Flávio Graça, diz que o plano levou em consideração “a capacidade de absorção de novos casos pelo sistema de saúde”. “Isso inclui o percentual de ocupação dos leitos das UTIs destinadas a adultos na rede do SUS e os leitos de UTI na rede privada do município”, afirmou.

Apesar do atraso na entrega dos hospitais de campanha, o governo Witzel diz que a fila de espera para internação já foi reduzida. “Hospitais que já estão atendendo a covid-19 foram estadualizados com o apoio das prefeituras, o que vai nos permitir que já na próxima semana comecemos a flexibilizar a economia”, afirmou o governador.

Uol