Coronavírus pautará eleições 2020
Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Uma eleição pautada pelo coronavírus e cheia de peculiaridades. É desta forma que cientistas políticos e dirigentes partidários ouvidos pelo GLOBO enxergam as eleições municipais de 2020 — mesmo que sejam adiadas. Para os especialistas, o pleito se transformará, na prática, em um referendo sobre a atuação dos prefeitos na pandemia, incluindo a recuperação econômica.
Para eles, entretanto, ainda é difícil como isso vai alterar a taxa de reeleição. Segundo o cientista político Antônio Lavareda, em períodos de crise menos prefeitos costumam ser reeleitos.
— A taxa de reeleição teve seu pico, 67%, em 2008. O menor índice foi em 2016, de 47%, muito influenciado pela crise que veio após as manifestações de 2013 — afirma.
O cientista político Fernando Schuler, do Insper, pondera que, com exceção de Bolsonaro, prefeitos, governadores e presidentes ao redor do mundo viram sua aprovação crescer na pandemia:
— O debate que envolve o desenvolvimento da cidade fica prejudicado, e a grande questão passa a ser a pandemia e a reação que se teve a ela.
Além disso, políticos e líderes partidários acreditam que a pandemia tende a fazer com que o eleitor busque maior estabilidade. Os cientistas políticos, na mesma linha, minimizam a possibilidade de uma onda de neófitos sendo eleita, como ocorreu em 2018 com Wilson Witzel, Romeu Zema e outros. A memória do passado de gestões bem avaliadas pode prevalecer, e muitos partidos já escalam ex-prefeitos bem avaliados.
— Essa eleição não é para aventuras. As pessoas vão querer mais segurança, e devem apostar em candidatos que deixaram boas lembranças — afirma o deputado federal José Guimarães (PT-CE), coordenador do grupo de trabalho eleitoral do PT, que pretende lançar Luizianne Lins em Fortaleza e outros ex-prefeitos.
O presidente do PSB nacional, Carlos Siqueira, também crê que a pandemia possa favorecer nomes conhecidos:
— Certamente ainda haverá algum grau de confinamento e pouca campanha na rua. Nomes tradicionais tendem a levar vantagem. Mas não se deve descartar alguma novidade, tamanho o grau de desgaste da política — diz.
Apesar de enfraquecido, o presidente Jair Bolsonaro é o principal player da eleição, avaliam os especialistas. Antônio Lavareda prevê algo semelhante ao que aconteceu nos anos 1940, quando o PCB foi cassado, e vários de seus membros concorreram por outros partidos, num movimento conhecido como “entrismo”. Para eles, agora o “entrismo” será dos candidatos da direita, bolsonaristas, espalhados por vários partidos.
Ao contrário de outros políticos tradicionais, Bolsonaro não deverá correr o país fazendo campanha por candidatos, mas escolher aqueles de quem é próximo e que não enxergue como ameaça ao seu projeto de reeleição.
Segundo o filósofo e cientista político Marcos Nobre, o momento beneficia o presidente, que firmou acordo com o centrão. Para ele, o grupo conhecido pelo fisiologismo pode desequilibrar o pleito:
— Está claro que o centrão está especialmente preocupado e afoito para ter recursos o mais rápido possível e usá-los nas eleições.
A estratégia de confronto permanente de Bolsonaro tende a fazer com que a eleição seja pautada por temas nacionais. O apoio ou não de Bolsonaro deve ser uma das questões, assim como a pandemia e políticas públicas.
— A agenda da próxima eleição deve ser sobre saúde e economia, tanto pelo lado da recuperação de empregos e crescimento quanto pelo agravamento das desigualdades. Questões como falta d’água e saneamento ficaram mais evidentes em razão da Covid-19 — afirma José Álvaro Moisés, cientista político do Instituto de Estudos Avançados da USP.