Família rica mantinha idosa como escrava
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Uma mulher de 61 anos foi resgatada de uma casa na região do Alto de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista, por viver em situação de trabalho escravo contemporâneo, além de ter sido abandonada no imóvel após os patrões se mudarem.
A moradora da casa, Mariah Corazza Üstündag, 29, chegou a ser presa em flagrante na quinta-feira (18), mas foi solta após pagar fiança de R$ 2.100. O marido dela, Dora Üstündag, 36, também foi indiciado pela Polícia Civil.
Mariah é executiva de uma grande empresa de cosméticos, segundo seu perfil no LinkedIn. Ela é filha da cosmetóloga Sônia Corazza, conhecida consultora na indústria de produtos de beleza.
Nesta quinta (25), a Justiça do Trabalho em São Paulo atendeu parte de um pedido feito pelo Ministério Público do Trabalho e bloqueou os bens dos três até a soma de R$ 1 milhão. Também determinou a liberação de três parcelas do seguro-desemprego para a vítima.
Segundo a procuradora do trabalho Alline Pedrosa Oishi Delena, que acompanhou a operação e assina o pedido judicial, a denúncia de trabalho escravo e violação de direitos humanos foi feita por meio do Disque-100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
A casa indicada na denúncia tinha, no portão, diversos placas de anúncios para venda. Lá dentro, a equipe encontrou uma mulher vivendo sozinha em um quarto nos fundos do terreno. A casa principal estava trancada e vazia. A porta precisou ser arrombada.
O quarto em que a mulher vivia, segundo a procuradora Alline, era uma espécie de depósito e tinha cadeiras, estantes e caixas amontoadas. Um sofá velho era utilizado como cama. Não havia banheiro disponível.
A idosa soube que os patrões tinham se mudado porque vizinhos contaram. A mudança teria ocorrido em uma madrugada, dias antes. Segundo a denúncia, ela teria dito aos vizinhos com quem conversava que só iria embora quando recebesse os seus salários.
Desde o dia do resgate, a doméstica está abrigada na casa de um morador da mesma rua. No pedido cautelar feito à Justiça nesta semana, o MPT pediu que o casal fosse obrigado a pagar uma pensão no valor de um salário mínimo.
“Nossa preocupação é que ela tenha alguma renda para se sustentar, pois não tem vínculos familiares, nem outro lugar para ir”, explica a procuradora do trabalho. A Justiça, porém, decidiu ouvir os envolvidos antes.
A relação da família Corazza com a vítima começa em 1998, segundo o MPT, quando ela é contratada por Sônia como empregada doméstica. Nessa primeira fase, ela trabalhou sem registro em carteira por 13 anos, não teve férias ou 13º salário.
Em 2011, a casa em que essa mulher morava desabou e, segundo o relato feito por ela à equipe que a resgatou, Sônia teria oferecido abrigo na casa de sua mãe, na mesma rua em que morava.
Na época, Sônia deixou a casa na capital e foi viver em um município da Grande SP. As filhas continuaram morando no local.
A mulher então, continuou trabalhando como empregada, mas já não recebia mais um salário. “Em 2011, quando ela fica mais vulnerável, passa a morar de favor, é eles param de pagar o salário”, diz Alline.
A empregada se mudou para o local onde resgatada em 2017. “Nessa época, a Mariah começa a pagar um valor todo mês, só que são R$ 200.”
No âmbito criminal, Mariah e Dora foram indiciados por redução a condição análoga à de escravo, abandono de incapaz e omissão de socorro.
Esse último foi incluído porque, segundo relato da vítima -corroborado por vizinhos que foram à delegacia testemunhar-, no fim de maio, o casal recusou socorrê-la após uma queda no vão de uma escada. Sônia só foi denunciada na ação trabalhista.
Em depoimento no DHPP, Mariah disse que a empregada sempre teve amplo acesso à residência e que o portão de acesso à lavanderia, onde havia um banheiro, só foi fechado na véspera da operação policial. Ela afirmou que havia uma obra no terreno vizinho e que, por isso, teve medo de que a casa pudesse ser invadida.
Uma vizinha disse, em depoimento, que desde o início da pandemia a empregada pedia para usar o banheiro da casa dela, pois tinha sido proibida de acessar a lavandeira.
A procuradora do trabalho diz que existe uma visão estereotipada sobre o que consiste o trabalho escravo, de que a pessoa precisa estar em situação de cárcere, vivendo presa ou amarrada. “Não era assim nem quando a escravidão era legal. A situação do escravo tem relação com direitos básicos violados, com uma exploração em um nível inaceitável”, diz Alline.
“Não adianta o portão estar aberto, se a pessoa não tem um tostão e não tem para onde ir.”
A operação de resgate da empregada foi conduzida pela Conaete (Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo) do MPT, com a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania e a DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa).
O advogado Eliseu Gomes da Silva afirmou que a família não vai se manifestar neste momento sobre o que aconteceu.