Grupos de apoio a Bolsonaro ocultam provas de golpismo
Após fracassar sua ofensiva para deter as ações do Supremo Tribunal Federal (STF), o bolsonarismo propõe agora uma détente entre as instituições e procura isolar os grupos radicais que pregam “intervenção militar”, com o fechamento do Congresso e da Corte. Nos círculos mais próximos do presidente, o movimento é justificado em razão da avaliação de que extremistas, como Sara Geromini, estariam “contaminando” os movimentos pró-governo.
A decisão de se descolar desses grupos veio após ações do STF que levaram extremistas à prisão e à quebra de sigilos de apoiadores e parlamentares bolsonaristas, além da prisão de Fabrício Queiroz, apontado pelo Ministério Público como operador financeiro de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no esquema das rachadinhas. Os grupos intervencionistas sempre foram tolerados e até dividiram carros de som com expoentes do bolsonarismo. Organizadores de atos pró-governo e aliados do presidente pregam agora que eles sejam isolados e rotulados como indesejados, como se fossem black blocs da direita.
Manifestantes durante ato em abril no qual defenderam uma intervenção militar Foto: GABRIELA BILÓ/ ESTADÃO
“Desde as Diretas-Já sempre tem um maluco com uma placa que diz bobagem. Esse pessoal com bandeiras inadequadas não representa o pensamento do grupo que apoia Bolsonaro”, disse ao Estadão Luís Felipe Belmonte, terceiro na hierarquia do Aliança Pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro tenta criar. Belmonte foi um dos alvos da ação da PF no caso das fake news. “Essa história de fechar Congresso e STF é uma conversa estúpida e sem nenhum fundamento. Não tem apoio no grupo do Bolsonaro.”
Um dos fundadores do Avança Brasil, Newton Caccaos disse que os grupos radicais “atrapalham” com atitudes impensadas, como os fogos contra o STF. “Não sei qual é a da Sara Geromini, que já foi de esquerda, mas virou de lado. Não podemos ser confundidos com os mais radicais e intervencionistas.”
A operação de retirada do bolsonarismo das pautas extremistas ocorre dois meses após o presidente ter ido a ato que defendia o golpe em frente ao quartel do Exército, em Brasília. A mudança pode ser vista nas redes sociais. Na quinta-feira, o youtuber Alberto Silva, do canal O Giro de Notícia, publicou vídeo no qual aparece vociferando contra “eles”, sem especificar o alvo. “Eles fazem esse tipo de notícia como se nós fôssemos bandidos”, disse, citando escândalos do noticiário nos últimos anos. “Aqui o dinheiro é lícito.”
Dias antes, o canal de Silva apagou 148 vídeos, segundo levantamento de Guilherme Felitti, da empresa de análise de dados Novelo. Os títulos e descrições das obras removidas dão uma ideia de quem seriam “eles”: a sigla STF aparece 251 vezes, sempre como alvo. Outros canais também moderaram o discurso. “Sou contra fechar o Supremo”, disse em vídeo Adilson Dini, do Ravox Brasil, um dos investigados pela Justiça.
Os bolsonaristas apagaram 3,1 mil vídeos desde que o STF agiu contra o esquema que buscava emparedar a Corte, segundo os dados de Felitti. “É claro que o STF está agindo com base em uma demanda, porque a democracia vem sendo atacada. O problema é que a gente está concentrando o poder no Supremo. Qual a garantia de que isso não vai ensejar abusos?”, indagou o cientista social Caio Machado, da Universidade de Oxford, que pesquisa desinformação e discursos de ódio no YouTube.
Colisão
Para o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, Bolsonaro se elegeu como representante da antipolítica e com as redes sociais. “Mas não se governa com a antipolítica ou com as redes.” Ao se recusar a criar uma coalizão, Bolsonaro escolheu o que Jungmann chama de “presidencialismo de colisão”, uma fórmula que está esgotada.
“Desarticulada pelo STF, a base digital dele perde capacidade de operar. Também ficou evidente que as Forças Armadas nunca estiveram à disposição de Bolsonaro (para aventuras).” Símbolo disso seria a passagem à reserva do ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, após pressão do Alto Comando do Exército.
Com a pandemia, as ações do STF e a falta de apoio à ideia de um golpe, o presidente se veria, na análise do cientista político José Álvaro Moisés, em uma encruzilhada. “Ele não cria uma resposta coordenada e eficaz contra a crise da covid-19. Isso afeta todas as classes sociais.”
É por isso que Bolsonaro lançou a détente, afastando-se de manifestações e demitindo Abraham Weintraub da Educação. Na Guerra Fria, a détente foi a política entre as superpotências – EUA e URSS – que visava a diminuir as tensões e o risco de uma guerra catastrófica. A détente bolsonarista serve para estancar a crise com o STF e o Congresso. Em encontro com Dias Toffoli, presidente da Corte, Bolsonaro disse: “O nosso entendimento pode sinalizar que teremos dias melhores para o nosso país”.
Para Manoel Fernandes, sócio da consultoria Bites, Bolsonaro precisa manter a base mobilizada com confrontos. “Em breve vai arrumar outro inimigo.” O alvo, então, pode ser um governador ou o resgate da pauta de costumes. Na guerra fria entre os Poderes, o STF e o Congresso têm suas armas – o primeiro, inquéritos criminais e o segundo, o impeachment. Bolsonaro sabe. E, por isso, adota o estilo Jair paz e amor. “O que ninguém sabe é até quando”, disse Moisés.
Cresce oposição nas redes
Levantamento da Bites mostra que no Facebook, Bolsonaro obteve neste ano mais compartilhamentos do que o presidente americano, Donald Trump. O presidente tem 10,5 milhões de seguidores, fez 990 publicações e conseguiu 20 milhões de compartilhamentos. Trump, com 28 milhões de seguidores, publicou 2.680 posts e teve 17 milhões de compartilhamentos.
Desde a posse, Bolsonaro somou 14 milhões de seguidores nas suas redes – hoje tem 37,4 milhões. Fez 8,7 mil posts e obteve 1 bilhão de interações. Ao mesmo tempo, segundo Fernandes, ele criou um sistema de comunicação em torno dele – só os cinco principais sites de propaganda em forma de notícia do bolsonarismo contaram 24 milhões de visitas em maio, enquanto seus influenciadores mantêm de 400 mil a 2 milhões de seguidores no YouTube.
Mas nem tudo são rosas para o bolsonarismo. A radicalização dele criou um movimento – ainda difuso – de oposição. De 15 de março a 25 de junho, Bolsonaro teve 38,7 milhões de menções no Twitter associadas a hashtags positivas e 17,2 milhões negativas. “Um dado importante é a quantidade de perfis únicos que produziram as hashtags, incluindo as repetições. São 7,1 milhões de bolsonaristas e 8,2 milhões de perfis de oposição. Tem mais gente de oposição falando do que bolsonarista. Os bolsonaristas falam mais vezes”, disse Fernandes. Para ele, os números mostram que só uma oposição unida e com um líder claro pode derrotar Bolsonaro.
Estadão