Investidores de olho no projeto de saneamento básico

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Silvia Zamboni/Valor – 22/5/2019

À espera do marco regulatório de saneamento há três anos, investidores privados estão se movimentando para abocanhar boa parte dos R$ 500 bilhões a R$ 700 bilhões previstos para cumprir a meta de universalização de água e esgoto tratados no país até 2033 – o que significa mais do que quadruplicar o volume anual de investimento no setor.

“Há uma movimentação grande dos investidores que já estão no mercado brasileiro, seja de operadores ou fundos de investimento, que veem um setor com potencial de rentabilidade, mas que tinha regras pobres e com pouca segurança”, diz Maria Silvia Bastos, presidente do conselho consultivo do Goldman Sachs. “Não vai chover investimento do dia para a noite porque faltam outras etapas depois do marco, mas sem ele não seria possível avançar. É um ‘capex’ tão grande que vamos ter que buscar todos os bolsos disponíveis para colocar esses projetos de pé”, reforça Marcelo Girao, chefe de financiamento de projetos do Itaú BBA.

A expectativa é que a primeira leva de aportes venha das companhias que já atuam no segmento. Hoje, há cinco grandes operadores privados: BRK Ambiental, Aegea, Águas do Brasil, GS Inima e Iguá Saneamento. Esta última pode retomar seu processo de abertura de capital para levantar recursos. “O marco certamente gera mais conforto para investidores”, diz Gustavo Guimarães, presidente da empresa. Há ainda operadores que já atuaram no Brasil no passado e poderiam voltar a firmar concessões no país, como o Suez, que já tem conversado com instituições financeiras e operadores no país, Águas de Portugal e a francesa Lyonnaise des Eaux.

Outra frente rumo ao setor são companhias e investidores que já atuam em concessões de infraestrutura e discutem uma frente de saneamento, considerando semelhantes premissas, caso do Grupo CCR, que atua em rodovias e aeroportos, das empresas de energia Equatorial e Energisa, apurou o Valor. O grupo Votorantim também já manifestou seu interesse. “Um grande grupo sabe que não se entra no mercado da noite para o dia. Os interessados já estão sondando o setor há tempos”, afirma Renato Sucupira, presidente da BF Capital.

Algumas operadoras já são apoiadas por sócios financeiros, que têm interesse em aumentar sua exposição ao setor – como o fundo soberano de Cingapura GIC, as canadenses Brookfield e AIMCo, e a gestora brasileira IG4. Esses fundos podem dar suporte financeiro às empresas numa capitalização ou podem fazer coinvestimento, como sócias nos projetos. Pátria, Blackstone e GP também têm interesse no setor.

Num primeiro momento, o número de nomes atuantes no saneamento deve se multiplicar. “O desafio que se impõe é enorme, não é para cinco, dez empresas. Em cinco anos teremos uma míriade de novos operadores atuando no Brasil”, avalia Radamés Casseb, presidente da Aegea. Muitos dos investidores financeiros também já se aproveitaram para fazer aproximação com os atuais operadores no país. “Quem vem de fora, em geral, quer buscar uma parceria com alguma empresa nacional, já com experiência. A expectativa é que haja venda de fatias de companhias e consórcios”, afirma Carlos Henrique Lima, presidente do conselho de administração da Águas do Brasil.

A tendência, no entanto, olhando para outros mercados relacionados a infraestrutura e serviços básicos, é que o movimento seguinte seja de consolidação. “Num primeiro momento, aumentam o número de players e depois, ao longo da próxima década, veremos um movimento de consolidação do setor”, diz Felipe Mattar diretor superintendente do Morgan Stanley, responsável pela cobertura de infraestrutura. Ele exemplifica com o setor de energia. “Há 15 anos, o mercado tinha mais de 10 grandes distribuidoras de energia, que se consolidaram para se tornarem grandes players”, compara.

Os investidores já têm olhado uma série de projetos de concessões em curso, em Estados como Alagoas, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul. O marco deve fazer com que a curva de interesse e de aportes seja exponencial principalmente daqui a um ano e meio. “Até o final de março de 2022 as companhias estaduais e municipais terão que prever se tem capacidade ou não de fazer os investimentos necessários e hoje pouquíssimos conseguem. Isso vai abrir um mar de oportunidades”, diz Paulo Mattos, presidente da IG4 e do conselho de administração da Iguá.

Até por conta deste prazo, a avaliação do setor é que as privatizações não devem deslanchar de imediato, uma vez que a estatais e governos têm prazo para avaliá-los e podem optar por outros meios. “No curto e médio prazo, a expectativa é que haverá mais concessões e Parcerias Público-Privadas. Já há muitos desses projetos em curso, e são processos mais céleres do que privatizações em si”, avalia Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental.

O novo marco permite o agrupamento de cidades e áreas, o que tende a mitigar riscos políticos e também viabiliza o serviço em regiões menos atrativas financeiramente, por incluí-las num pacote maior – além de dar escala para os investidores. Os projetos em curso hoje ainda dependem das estatais, são subconcessões, o que cria dificuldades. Agora, as prefeituras ou blocos regionais terão mais autonomia para estruturar concessões diretamente com as empresas privadas”, diz Paulo Roberto de Oliveira, presidente da GS Inima Brasil. Hoje, menos de 5% do saneamento está com investidores ou operadores privados. Ainda assim, a quantidade de pequenos municípios é um desafio.

“Ainda teremos 49 agências reguladoras e cinco mil prefeitos. Quantos municípios será preciso juntar para ter uma empresa com porte de 400 mil habitantes? Não é um trabalho trivial”, avalia Para Daniel O’Czerny, responsável por financiamento de projetos do Citi Brasil.

Todos os investidores e bancos esperam que haja aprovação, na seqüência da regulamentação do marco, do projeto de lei sobre títulos de dívida de infraestrutura – que cria o bond de infraestrutura para emissão no exterior e que isenta o emissor de imposto de renda (hoje a isenção é só para o investidor). Isso complementaria financiamentos de bancos públicos como a Caixa, que tem forte atuação no setor, órgãos multilaterais e setor privado.

“Os projetos têm que ser bem estruturados e nisso o papel do BNDES é importante. Vimos uma safra relacionada a infraestrutura que veio a mercado e se mostrou frágil em momentos de crise, como em aeroportos e algumas rodovias”, afirma Rogério Yamashita, responsável pela cobertura de saneamento no BBA. Se o modelo define um volume grande inicial de investimento nos primeiros anos, pode ser mais difícil o financiamento no mercado de capitais, por exemplo, que não concede uma carência muito extensa de início de remuneração.

O marco tem diversos pontos relevantes do ponto de vista do investidor. “Não há regras definidas para indenizar um investidor privado no caso de uma nova administração pública cancelar um contrato estabelecido anteriormente. Além disso, tem a questão da titularidade, que é o pecado original do setor”, diz Maria Silvia, do Goldman Sachs. Constitucionalmente, a titularidade é definida como local, mas não há uma regulamentação sobre esse conceito – se é referente a município, bacia hidrográfica ou região. Outro ponto fundamental para os investidores diz respeito à Agência Nacional de Águas, que deve concentrar a regulação do setor, ainda que as demais agências continuem existindo.

O banco UBS ressalta que o tema ainda tem trâmites em Brasília. Com a aprovação do marco, são esperados três decretos regulatórios. O primeiro pode ser publicado em 90 dias, referente à capacidade de uma companhia de investir, o segundo deve tratar de grupos de cidades e um terceiro abordaria o modelo de acesso a recursos federais para investir no setor.

Valor Econômico