Mistura de futebol com política veio pra ficar

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Um grupo de torcedores do Corinthians entrou com uma faixa escondida no Morumbi em 11 de fevereiro de 1979. Era o resultado de uma ação da Gaviões da Fiel e do Comitê Brasileiro da Anistia (CBA).

Enquanto Sócrates e Palhinha comandaram a vitória do Timão por 2 a 1 contra os Meninos da Vila, do Santos, no alto da arquibancada lia-se no pano branco: “Anistia, ampla, geral e irrestrita”.

Nascida para combater o cartola Wadih Helu, que dirigiu o clube por cinco mandatos e era deputado estadual da Arena, o partido da ditadura, a Gaviões se uniu a ativistas do CBA, entre eles o publicitário Chico Malfitani.

A história do envolvimento das torcidas organizadas de futebol com a política é tão longa quanto à da cartolagem.

Na Europa, clubes como a Lazio são conhecidos pelas ligações de suas torcidas com a extrema-direita, o que fez, em 2019, a torcida do Celtic levar ao estádio um cartaz com Mussolini dependurado de cabeça para baixo.

“Follow your leader (sigam seu líder)”, provocavam na arquibancada os escoceses. Outros têm torcidas ligadas à esquerda, como o Livorno (ITA).

Em 1979, após a Gaviões da Fiel, foi a vez de os flamenguistas entrarem na campanha pela redemocratização. Os rubro-negros criaram a Flanistia, uma torcida que ia ao Maracanã pedir a volta dos exilados e o fim das proscrições da ditadura. Sua estreia foi no jogo amistoso entre Brasil e Uruguai, em 31 de maio de 1979 – vitória do Brasil por 5 a 1. “Eu me lembro das faixas da Flanistia”, disse o ex-deputado e ex-ministro da Defesa, Aldo Rebello (Solidariedade). Aldo recebeu o apoio da Gaviões e da Mancha Verde (Palmeiras) em suas campanhas para deputado federal quando estava no PC do B. Candidatos a deputado estadual e federal de vários partidos, como PT, PSD e MDB, receberam apoio das torcidas. “Elas se mobilizam e têm capilaridade e enraizamento na periferia. São uma força”, explica Aldo.

Mas, mais do que candidaturas, as torcidas e jogadores se engajaram em lutas suprapartidárias. Esse foi o caso de Reinaldo, o maior centroavante da história do Atlético-MG. Foi assim também que, em 1984, a Gaviões, ao lado de parte do elenco do Corinthians – Sócrates, Casagrande Vladimir –, apoiou as Diretas-Já. No Rio, um grupo de flamenguistas – entre eles o humorista Bussunda – criou a Flá-Diretas, que estreou no Maracanã em 28 de janeiro de 1984, na vitória de 1 a 0 sobre o Palmeiras.

A redenção rubro-negra viria nove meses depois, quando em 23 de setembro, o técnico Zagallo mandou seus jogadores “darem uma tancredada” no Fluminense. Time do coração do general João Figueiredo, o tricolor ia decidir a Taça Guanabara com o rubro-negro com o apoio explícito do regime.

A torcida do Flamengo, então, estendeu a faixa: “O Fla não malufa”, em referencia ao então deputado Paulo Maluf, do PDS, candidato do regime militar à Presidência contra Tancredo Neves (PMDB). E foi assim: com gol de Adílio, o Mengão ganhou a taça. Seis meses depois, foi Tancredo que bateu Maluf no Colégio Eleitoral, encerrando a ditadura militar.

Estadão