Movimento antirracista lima filmes e sérios nos EUA
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Os protestos motivados pelo assassinato de George Floyd nos Estados Unidos começam a afetar diretamente produções culturais em todo o país. As críticas contra o preconceito enraizado na sociedade americana geraram muitas reflexões sobre o que ainda é aceitável ser produzido e reproduzido, e esboçam, pela primeira vez nos últimos anos, acanhadas mudanças em prol do fim de símbolos e signos racistas.
As transformações observadas até agora são de caráter teórico e subjetivo, mas podem ser lidas como pequenas vitórias do movimento antirracista que reacendeu nos Estados Unidos e já se espalha por todo o mundo.
Nesta quarta-feira 10, o dicionário americano Merriam-Webster anunciou que pretende mudar a sua definição da palavra racismo. A decisão foi tomada após o conselho responsável pelo dicionário receber um e-mail de uma jovem negra.
Kennedy Mitchum, recém-formada pela Universidade Drake em Iowa, sugeriu que a definição deveria incluir uma referência à opressão sistêmica contra a população afro-descendente. Um editor do Merriam-Webster respondeu à mensagem, concordando em atualizar a publicação.
Segundo Kennedy, algumas pessoas estavam usando a definição para justificar suas ações e afirmar que situações em que empecilhos são impostos aos negros por conta da cor da sua pele não eram racismo. A jovem acredita que a descrição do significado da palavra deve refletir a desigualdade racial na sociedade de forma mais ampla do que é sugerida pelo Webster.
Atualmente, o dicionário define o racismo como a crença de que “a raça é o principal determinante das características e capacidades humanas e que as diferenças raciais produzem uma superioridade inerente a uma determinada raça”. À emissora BBC, Kennedy afirmou que em sua trajetória, principalmente na vida escolar, enfrentou muitos obstáculos que pessoas brancas não costumam atravessar. “Passei por muitas situações de racismo, mas que não eram tão evidentes” como a definição do dicionário, disse.
A americano então sugeriu ao Merriam-Webster que sua definição deveria apontar que o racismo é o “preconceito combinado com poder social e institucional. É um sistema de vantagem baseado na cor da pele”.
Após 33 temporadas, a Paramount Network resolveu cancelar o reality policial Cops, que vinha sendo transmitido desde 1989. A emissora decidiu que não passaria episódios que fizessem alusão a táticas policiais violentas, o que levou ao cancelamento total da produção.
O reality mostra abordagens e ações policiais, boa parte das vezes com as câmeras portadas pelos próprios oficiais. Foi transmitido por 25 temporadas pela FOX e depois passou a ser exibido pela SpikeTV em 2013. Outras emissoras que transmitiam temporadas antigas da série confirmaram que também deixarão de passar Cops.
O assassinato de George Floyd em 25 de maio, em Minneapolis, foi o disparador dos protestos contra o racismo e a violência policial nos Estados Unidos. O homem negro de 46 anos foi rendido ex-policial Derek Chauvin sufocando-o com o joelho durante 8 minutos e 46 segundos. Imagens captadas por testemunhas mostraram que, mesmo repetindo a frase “Não consigo respirar”, Floyd não teve o pescoço liberado pelo policial.
Chauvin, de 44 anos, foi acusado de assassinato em segundo grau, e outros três policiais presentes foram acusados de auxílio e cumplicidade no crime. Floyd estava desarmado no momento da abordagem e foi detido sob a suspeita de ter utilizado uma nota de 20 dólares falsa.
A decisão de cancelar a série Cops seguiu a repercussão do caso. A animação infantil Patrulha Canina também tem sido alvo de críticas, por romantizar o papel da polícia.
A polêmica começou quando o Twitter do desenho postou na semana passada uma mensagem de apoio aos protestos antirracistas, pedindo que se amplifique as vozes negras. “No dia 7 de junho, vamos silenciar nosso conteúdo para dar acesso a vozes negras, para que elas possam ser ouvidas e para que continuemos escutando e aprendendo.”
A este tuíte, foram postadas respostas pedindo para que se deixe de romantizar o papel dos cãezinhos que formam um esquadrão policial para proteger sua cidade e o mundo. “O esforço de tornar pública a brutalidade policial também significa banir o arquétipo do policial bom”, afirmou o jornal The New York Times sobre o tema.
Outra produção cultural impactada pelo movimento anti-racista foi o filme …E o Vento Levou. Vencedor de dez estatuetas no Oscar, incluindo de melhor filme, o longa de 1939, que fala sobre a Guerra Civil americana, tem sido há tempos taxado por críticos como racista. Por isso, a HBO Max, serviço de streaming do canal pago HBO, nos Estados Unidos, retirou o filme de seu catálogo na noite desta terça-feira 9.
Além disso, a a co-criadora da série Friends, Marta Kauffman, reconheceu a falta de representatividade na produção, que há anos vem sendo criticada pela falta de diversidade e por algumas cenas.
“Eu queria saber o que eu sei agora. Eu teria feito escolhas diferentes. Eu digo, nós sempre encorajamos que as pessoas busquem a diversidade na nossa produtora, mas eu não fiz o suficiente e agora tudo que eu penso é, o que posso fazer?”, contou Marta.
Diversas outras personalidades, produções e marcas tomaram atitudes após a morte de George Floyd. A Lego interrompeu o marketing de seus brinquedos relacionados à polícia, o produtor executivo da série Monk admitiu culpa por retratar policiais como bonzinhos.
A L’Oréal Paris foi alvo de críticas após conflito com a modelo negra Munroe Bergdorf. A marca de cosméticos postou uma mensagem de apoio ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), mas foi reprovada por Munroe, que afirmou que a empresa tenta se associar ao movimento sem rediscutir suas políticas internas.
A modelo teve o contrato rompido com a L’Oréal em 2017. Questionada nas redes, a presidente da L’Oréal Paris afirmou lamentar o ato tomado há três anos e enviou um pedido de desculpas a Munroe Bergdorf. A marca também anunciou que ela foi recontratada e aceitou participar de um conselho sobre diversidade e inclusão que será criado pela empresa.
Algumas estátuas de figuras de traficantes de escravos e de figuras da era colonial também foram alvo dos protestos. O governador da Virgínia, Ralph Northam, anunciou recentemente que uma estátua do líder militar do sul pró-escravagista durante a Guerra Civil dos Estados Unidos, o general Robert E. Lee, será removida o mais rápido possível da cidade de Richmond. Nas manifestações recentes, o monumento foi alvo de pichações.
O movimento chegou, inclusive, à Europa, onde uma estátua de Edward Colston, um comerciante de escravos do século XVII, foi derrubada e jogada ao mar em Bristol, na Inglaterra. A cidade decidiu não reinstalar a imagem.
No entanto, o debate divide opiniões. Há quem defenda que derrubar monumentos históricos é apagar a história. Para os manifestantes anti-racismo, as imagens são símbolos de figuras que incentivaram a opressão que não deveriam ser homenageadas.