Novo capítulo no divórcio Globo-Fifa
Foto: Alex Livesey/Getty Images
Além de invocar as incertezas e as mudanças de conjuntura provocadas pela pandemia de coronavírus no planeta, que abalaram seriamente o mundo do futebol e todos os negócios dele derivados, a emissora também cita como justificativa para a revisão do contrato com a entidade as mudanças relacionadas ao cancelamento da Copa das Confederações e a criação do novo Campeonato Mundial de Clubes da FIFA.
“Não bastasse o cancelamento repentino da Copa das Confederações, com os evidentes prejuízos daí decorrentes para a GLOBO, a FIFA foi além e previu a criação, na mesma data, de um novo Campeonato Mundial de Clubes da FIFA, com participação de 24 dos maiores clubes de futebol do mundo”, registram os advogados da emissora em petição protocolada no TJRJ. A Globo lembra que a entidade anunciou e depois adiou o evento o novo evento, escancarando a imprevisibilidade de cumprimento dos termos previstos em contrato, após a pandemia.
“Efetivamente não há, no momento atual, qualquer possibilidade de antecipar quando e como serão retomadas as realizações dos grandes eventos esportivos. A decisão da FIFA de adiar para o ano seguinte um evento que estava programado para ocorrer em junho de 2021 é a prova irrefutável de que não se pode fazer qualquer prognóstico seguro quanto às condições da retomada dessas atividades. A única coisa que se pode afirmar hoje, sem hesitação, é que as consequências econômicas não serão desprezíveis”, registra a emissora.
Sem lastro no contrato firmado entre a Globo e a Fifa, a criação do novo campeonato mundial de clubes, segundo a emissora, traria prejuízos diretos ao rivalizar com os negócios relacionados à Copa do Mundo de 2022.
“O adiamento deixa ainda mais evidente que a criação dessa nova competição, inédita na história do futebol mundial e para a qual a FIFA tem dispendido enorme atenção por seu gigantesco potencial atrativo, gera impactos substanciais nos direitos adquiridos pela GLOBO para a transmissão da Copa do Mundo de 2022”, segue a emissora.
O litígio multimilionário foi aberto pela emissora brasileira no dia 16, a partir de uma ação protocolada na 6ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ela envolve o contrato de licenciamento de direitos para a transmissão, no Brasil, de diversos eventos esportivos organizados pela FIFA entre 2015 e 2022.
O arranjo foi firmado em 2011, no valor de 600 milhões de dólares, a serem pagos em nove parcelas, restando três pagamentos anuais de 90 milhões de dólares (cerca de 450 milhões de reais na cotação atual) por vencer.
Em uma petição de 35 páginas à juíza Maria Cristina Brito Lima, a emissora solicitou uma autorização liminar — já deferida — para não pagar à entidade máxima do futebol a parcela que vencerá no próximo dia 30 e avisa que tomou a decisão de acionar a cláusula de arbitragem contra a Fifa para rediscutir o contrato na Justiça da Suíça.
“Para assegurar à Globo o direito de levar adiante o litígio com a Fifa sem que sofra prejuízos irreversíveis, é necessário não apenas obter uma ordem judicial que suspenda o cumprimento da obrigação até que ela seja submetida à apreciação dos árbitros, mas também que essa ordem produza efeitos em relação à instituição financeira garantidora da obrigação. Do contrário, de nada valerá a decisão judicial”, registram os advogados do escritório Sergio Bermudes, na ação, citando ainda a garantia bancária do negócio pela qual o Itaú deve pagar a parcela, se a emissora não honrar o compromisso.
A iniciativa da Globo contra a Fifa não deve ser isolada, já que o apagão esportivo provocado pela pandemia prejudicou outras relações comerciais com parceiros da entidade pelo planeta. Desde o início da pandemia, o mundo do futebol viu vários campeonatos terem jogos adiados, cancelados ou realizados com portões fechados.
Especialistas consultados pelo Radar avaliam que a emissora, no caso da arbitragem na Suíça, tem fortes chances de vencer a disputa com a Fifa. É o caso do jurista e mestre em direito econômico Leonardo Antonelli, que avaliou o caso em tese. “No direito suíço, assim como no brasileiro, quando se faz presente a chamada justa causa econômica pode ocorrer a revisão dos contratos. O surgimento da pandemia, o desaparecimento de anunciantes e a crise mundial no setor de entretenimento se constituem em três hipóteses distintas que, per si, seriam suficientes para se invocar quaisquer das teorias clássicas que permitem a revisão contratual”, diz.
A rescisão do contrato com a Fifa, pleiteada pela Globo, representa o fim da relação iniciada, segundo os advogados da emissora, em 13 de dezembro de 2006.