Ouvidor quer polícias dialogando em vez de batendo
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A morte do adolescente Guilherme Silva Guedes, 15 anos, e imagens de violência e abusos cometidos por policiais militares em São Paulo levaram a Ouvidoria das polícias Civil e Militar a optar pela criação de uma câmara técnica que permita a abertura de diálogo entre forças policiais, representantes de movimentos negros e sociais e entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados de São Paulo. A primeira reunião deve acontecer ainda esta semana.
O ouvidor afirmou que o debate nas câmaras técnicas deve considerar o clima hostil instalado no país.
– É um clima beligerante, de extremismo, incentivado pela principal autoridade da República. Isso vai criando um desatino nas pessoas – disse o ouvidor, que vê a necessidade de buscar soluções conjuntas com a sociedade.
– É preciso restabelecer a confiança (dos policiais) na população, partindo do pressuposto que a maioria é formada por trabalhadores – disse Lopes, acrescentando que também é verdadeiro que a população precisa confiar nas polícias.
Para o ouvidor, não existe justificativa para uma escalada de violência. Entre janeiro e abril, as mortes cometidas por policiais em São Paulo aumentaram 31% – fizeram 381 vítimas – 119 delas no mês de abril, já durante a quarentena causada pelo coronavírus.
– Casos como o deste menino Guilherme são inaceitáveis. É um ato insano ceifar a vida de um adolescente de 15 anos – afirmou o ouvidor, que solicitou apuração rigorosa da Corregedoria e do comando das polícias.
O adolescente estava na frente da casa da avó, na Vila Clara, na zona Sul de São Paulo, por volta de 1h30m de domingo quando foi levado por dois homens. Minutos antes, um grupo de adolescentes havia passado correndo pela rua. Eles estavam sendo perseguidos e disseram para Guilherme se esconder, mas o garoto teria dito que não tinha motivo para fugir, pois não havia feito nada de errado.
O garoto desapareceu e imagens gravadas por celular mostram dois homens saindo de uma viela ao lado da residência. O corpo de Guilherme foi achado no próprio domingo, numa avenida que liga São Paulo a Diadema, com dois tiros na cabeça, em uma das mãos e machucados pelo corpo. A família só conseguiu localizar o corpo na segunda-feira, no Instituto Médico Legal no bairro do Brooklin.
A suspeita é que dois homens, que são policiais militares e faziam bico como seguranças de um galpão nas proximidades, tenham assassinado o garoto.
Lopes afirmou que tem encontrado no governo do estado e na Secretaria de Segurança Pública um ambiente propício para coibir abusos policiais. O ouvidor disse que, nas últimas duas manifestações de rua que ocorreram em São Paulo, foi convidado a acompanhar a ação da polícia dentro do Copom, a sala de comando da Polícia Militar, e que esteve nas ruas no último domingo ao lado do presidente da OAB-SP, Caio Augusto Silva dos Santos.
No caso de violência contra jovens da periferia, Lopes afirma que não vê sinal de condescendência, uma vez que os policiais envolvidos foram presos preventivamente em outras investigações.
Para Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo sofre com dois fenômenos que despertaram a violência policial.
De um lado, a politização das polícias motivada pelo discurso do presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, que tem levado policiais a se sentirem com autonomia para decidir como deve agir a polícia.
De outro, o fato de que, durante a campanha eleitoral, o governador João Doria defendeu o endurecimento da polícia e anunciou a criação de batalhões de força “padrão Rota” – a temida Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar –, um batalhão de choque que atuou fortemente nas periferias da cidade até o fim dos anos 80. Doria criou o Batalhão de Ações Especiais da Polícia (BAEP), que atua com quatro policiais fortemente armados.
– A opção política foi de fortalecer o enfrentamento, não a aproximação com a comunidade. A lógica é ir para cima do inimigo e o estereótipo do inimigo são os moradores de bairros perigosos da periferia, pobres e negros – disse Lima.
– O resumo é a máxima de “mirar na cabecinha” – explicou o especialista, lembrando da frase dita durante a campanha eleitoral pelo atual governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (‘A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo’).
Lima disse que gravações de cenas de violência policial pela população passaram a revelar a gravidade da situação. Essas imagens mostraram tanto policiais sendo execrados por um empresário de Alphaville, condomínio de classe média alta de São Paulo, como casos de violência contra moradores da periferia.
– Essa distinção de tratamento é cruel com o próprio policial, que, no fim das contas, também mora em bairros da periferia. No caso de Alphaville, mesmo diante da humilhação, eles seguiram os protocolos de ação.
A psicóloga Marisa Feffermann, da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, afirma que a polícia de São Paulo sempre foi muito violenta. Na avaliação dela, durante o isolamento policiais passaram a atuar de forma mais explícita porque a população saiu das ruas.
– Esses casos não são exceção, são regra nas periferias. E nesse momento existe um clima social e político que referenda a violência e torna o crime cada vez mais banalizado. Em geral, as famílias das vítimas se calam, com medo. Temos vários casos que as mães não denunciam simplesmente porque têm mais filhos e têm medo.