PM faz vista grossa para faixas criminosas em atos
Foto: Adriano Vizoni/Folhapress
Apesar do entendimento do Ministério Público de São Paulo de que a liberdade de expressão não contempla a defesa da ruptura democrática e de que faixas nesse sentido devem ser apreendidas, a Polícia Militar não vem coibindo esse tipo de manifestação na capital.
No último domingo (7), uma manifestação a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reuniu cerca de cem pessoas na avenida Paulista em torno de basicamente duas faixas. “Intervenção militar com Bolsonaro no Poder, elaboração de uma nova Constituição, criminalização do comunismo”, pleiteava uma delas.
A outra exigia “intervenção militar já com Bolsonaro no poder”, uma invenção bolsonarista. O protesto foi acompanhado por dezenas de policiais, que não interferiram para retirar os cartazes antidemocráticos ou para alertar os manifestantes de que seu comportamento era inadequado.
A cena tem sido comum em atos pró-Bolsonaro que se repetem a cada fim de semana. Além de demandarem intervenção e evocarem o AI-5 e o artigo 142 da Constituição, os manifestantes costumam defender o fechamento do Congresso ou do STF (Supremo Tribunal Federal).
Procuradas pela Folha, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e a PM não deixaram claro se há alguma ordem de que policiais recolham faixas e repreendam manifestantes baseada no entendimento do Ministério Público. A recomendação do órgão não tem a obrigatoriedade de ser seguida pelo governo.
O próprio governador João Doria (PSDB) é crítico às manifestações antidemocráticas e repudiou, em abril, a participação de Bolsonaro em um ato em frente ao Quartel-General do Exército.
O tucano tem dito, porém, que as manifestações devem ser respeitadas, apesar da pandemia, desde que não haja violência ou agressão –como ocorreu no último dia 31, quando houve enfrentamento na avenida Paulista entre grupos contrários.
Há, no entanto, desconfiança de que a Polícia Militar pudesse agir contra bolsonaristas, dado que o apoio ao presidente está disseminado na corporação. Membros do governo e da polícia avaliam, contudo, que os policiais cumpririam ordens apesar de sua ideologia.
Em relação à possibilidade de apreender faixas ou advertir manifestantes, a avaliação dentro da PM é a de que os policiais teriam que agir caso a caso. O menos traumático seria recolher as faixas e alertar os participantes antes do ato. Por outro lado, tentar retirar à força os cartazes em meio a um protesto lotado poderia desencadear distúrbios maiores, e o recomendado seria conviver com as faixas.
O próprio Ministério Público fez a observação de que, embora o ideal seja a apreensão das faixas, a decisão cabe aos agentes de segurança e recomenda diálogo.
“É preciso ressaltar que a autoridade que está no terreno dispõe de melhores condições para avaliar o melhor caminho a seguir no sentido de preservar a ordem, assim como a integridade física dos manifestantes”, afirma o órgão.
À Folha o procurador-geral de Justiça, Mário Sarrubbo, chegou a dizer que manifestação que atente contra o Estado democrático de Direito deveria ser desmantelada como um todo, mas que o Ministério Público não faria essa recomendação devido ao risco de caos.
“A ideia é dialogarmos com as pessoas que estão fazendo isso e, no momento da manifestação, a polícia, assim como apreende armas etc, possa e deva apreender esse tipo de coisa. Sempre por intermédio do diálogo. Não é o caso de entrarmos em confronto e criarmos uma tragédia”, afirmou.
O grupo de trabalho a respeito da Covid-19 no Ministério Público afirma que o direito à manifestação deve ser preservado mesmo em meio à pandemia, mas, de acordo com Sarrubbo, esse direito não engloba pleitos que atentem contra a ordem democrática.
A professora de direito da FGV-SP Clarissa Gross discorda e afirma que a liberdade de expressão protege as falas “que sejam minoritárias, até mesmo imorais, e que contestem as próprias ideias estruturantes do regime político democrático”.
“Isso não significa que as pessoas possam agir de forma a desmantelar as instituições do regime democrático”, completa Gross, que coordena a plataforma de Liberdade de Expressão e Democracia da FGV-SP.
Militante bolsonarista e organizador de manifestações, o Major Costa e Silva afirma que não concorda com pedidos de golpe e quer distanciar os protestos do caráter intervencionista. Porém, para ele, os pleitos fazem parte da liberdade de expressão.
“O cidadão tem o direito de pedir qualquer coisa, mesmo que o pedido contrarie a legislação. O que ele não pode é descumprir a lei. Louco não é quem pede, é quem concede”, diz.
A PM e Ministério Público afirmam que, mesmo que as faixas não sejam retiradas durante a manifestação, cabe investigação e eventual responsabilização posterior, por meio de registros de imagem.
“Se houver notícia de qualquer excesso que implique desrespeito aos princípios constitucionais e ao aparato legal por parte dos envolvidos, isso será comunicado aos promotores naturais para investigação”, afirma o Ministério Público.
Em Brasília, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu uma investigação após o ato de Bolsonaro no Exército. O ministro do STF Alexandre de Moraes autorizou a apuração sobre financiamento e organização do ato sob o argumento de que a Constituição não permite manifestação contra o Estado de Direito.
Apesar das faixas por intervenção, Doria afirmou na segunda-feira (8) que os atos do fim de semana haviam ocorrido “de forma democrática e em paz”.
Pelo segundo domingo seguido, porém, a PM usou bombas de gás para dispersar o ato anti-bolsonarista. O governador afirmou que a ação foi necessária para coibir o vandalismo de uma minoria. Policiais que agrediram manifestantes foram afastados e estão sendo investigados.
A atuação da PM contra atos da esquerda e a passividade diante dos bolsonaristas é que levanta suspeita sobre ideologização da corporação, algo rechaçado por comandantes.
Outro episódio nesse sentido foi a não apreensão pela PM de um taco de beisebol portado por manifestante pró-Bolsonaro em ato na av. Paulista no último dia 31. O secretário estadual de Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, admitiu que foi um erro.
Em nota, a secretaria afirmou que “as forças de segurança estaduais atuam para proteger as pessoas e garantir o direito à livre manifestação e à liberdade de expressão”.
“Para tanto, contam com policiais mediadores que mantêm diálogo permanente com os organizadores a fim de que os atos sejam realizados sem conflitos e em respeito às leis. […] Caso seja constatada qualquer infração ou irregularidade, as autoridades policiais são notificadas para a adoção das medidas legais cabíveis.”
O Ministério Público afirmou, também em nota, que mantém diálogo permanente com a PM e os organizadores para evitar conflitos.