Prisão de Queiroz ocorreu por obstrução da Justiça
Foto: Nelson Almeida/AFP
O juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, mencionou motivos que podem ser reunidos em quatro pontos em sua decisão para decretar a prisão preventiva do policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
As razões citadas pelo magistrado foram apresentadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro com base em mensagens apreendidas em celulares durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão em dezembro.
A petição do Ministério Público traz poucas novidades sobre a dinâmica do suposto esquema de “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde exerceu o mandato de deputado estadual entre fevereiro de 2003 e janeiro de 2019.
Os promotores apresentam novas provas de uso de dinheiro vivo em gastos do senador —como pagamento de mensalidade escolas e plano de saúde—, apontando a prática como uma forma de lavar o dinheiro obtido na “rachadinha”.
A dinâmica apontada pelo Ministério Público na peça deste mês vai ao encontro dos detalhes apontados em dezembro, quando foram solicitadas as buscas e apreensões. Na ocasião, o uso de dinheiro vivo já era descrito como uma forma de lavagem de dinheiro.
Isso se deve ao fato de que, no fim do ano passado, o pedido deveria mostrar indícios claros do esquema para que as medidas cautelares fossem deferidas para a obtenção de novas provas.
Esta nova manifestação do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada ao Combate à Corrupção) não objetivava, primordialmente, obter novas provas da “rachadinha”. A razão do novo pedido era impedir que Queiroz e outros alvos interferissem no andamento das investigações.
Os novos fatos apresentados que envolvem Flávio tinham como objetivo apenas reforçar os indícios da prática dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Mas o foco principal da peça eram os atos praticados para atrapalhar as apurações.
Itabaiana mencionou quatro pontos que considerou relevantes para a autorizar a prisão preventiva de Queiroz. A esposa do ex-assessor, Márcia Aguiar, atualmente foragida, tem participação em todos eles, ainda que de forma lateral.
Itabaiana escreveu que as provas apresentadas pelo MP-RJ indiciam a periculosidade do investigado, em razão de sua “influência sobre milicianos”.
O magistrado se refere ao fato de Queiroz ter sido procurado por um homem não identificado para resolver uma divergência entre ele e os milicianos de Rio das Pedras. A favela é dominada por uma quadrilha cuja chefia, de acordo com a Promotoria, era do ex-PM Adriano da Nóbrega, amigo de Queiroz. Ele foi morto em fevereiro numa operação policial na Bahia.
O juiz relata ainda reunião entre Márcia, Luis Botto Maia (advogado de Flávio), Raimunda Veras Magalhães e Julia Lotuffo, respectivamente mãe e esposa de Adriano. O objetivo era, segundo a Promotoria, se comunicar com o miliciano, já foragido da Justiça.
A periculosidade se inclui nas hipóteses de prisão preventiva para conveniência da instrução criminal e garantia de ordem pública.
O juiz afirma que as informações prestadas pelos promotores indicam que Queiroz, mesmo escondido, tinha condições de “pleitear nomeações em cargos comissionados, chegando ao ponto de ter sido comparado por sua esposa a um bandido ‘que tá preso dados ordens aqui fora, resolvendo tudo’”.
A fala de Márcia Aguiar era um comentário sobre áudio revelado pelo jornal O Globo em que Queiroz faz comentários sobre a possibilidade de nomear indicados para cargos na Câmara ou no Senado.
“Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles [família Bolsonaro] em nada”, afirma ele na gravação.
Em áudio para a filha Nathália Queiroz, a mulher de Queiroz diz que a gravação, apesar de não comprometê-lo, mostra que “ele tem acesso com outros deputados”.
Para Itabaiana, as mensagens que indicam a influência de Queiroz junto à milícia e à política “demonstram que ele poderia ameaçar testemunhas e outros investigados e obstaculizar a apuração dos fatos, perturbando, assim, o desenvolvimento da investigação e de futura ação penal”.
O magistrado afirma que a influência de Queiroz se materializou no fato de apenas uma das dezenas de testemunhas chamadas a depor ter comparecido.
Em razão disso, avaliou Itabaiana, esse caso poder ser encaixado nas possibilidades de prisão preventiva para conveniência da instrução criminal e garantia da ordem pública.
Um dos pontos que levaram à prisão de Queiroz foi a tentativa de evitar o depoimento de testemunhas do caso e orientá-las a como ocultar provas.
Uma das pessoas orientadas pelo ex-assessor de Flávio foi Raimunda Veras Magalhães, mãe de Adriano da Nóbrega. Em conversa com a mulher, Queiroz diz ser melhor que a mãe do miliciano permaneça em Astolfo Dutra (MG), cidade da zona da mata mineira, enquanto as investigações estão em andamento.
“Como abriu as investigações agora, eu acho melhor ela esperar mais um pouco [para voltar]”, escreveu Queiroz à mulher, dias após o STF (Supremo Tribunal Federal) liberar as investigações com dados compartilhados pelo Coaf.
Na casa de Raimunda, sua filha se recusou a indicar o paradeiro da mãe, afirmando que todas as comunicações poderiam ser entregues a ela.
A orientação a possíveis testemunhas se enquadrou na hipótese de conveniência da instrução criminal.
O fato de Queiroz permanecer em Atibaia (SP) num rígido esquema de monitoramento e discrição, como apontou o MP-RJ, indicou a Itabaiana que o ex-assessor de Flávio poderia tentar “se furtar à futura aplicação da lei penal”.
De acordo com a Promotoria, Queiroz sofria restrições de movimentação impostas pelo advogado Frederick Wassef, indicam as mensagens.
Os promotores dizem ainda que o ex-assessor e seus familiares desligavam seus telefones quando se aproximavam da casa, a fim de evitar eventual monitoramento das autoridades policiais.
A intenção de se esconder foi reforçada também quando a defesa apresentou ao Gaecc um hotel em São Paulo como a nova residência de Queiroz. O estabelecimento informou que o PM aposentado nunca se hospedara no local.
Este fato foi agravado, na visão do magistrado, pelo fato de Queiroz não ter comparecido para depor quando intimado pelo Ministério Público fluminense. A presenção não é obrigatória e ele se manifestou por meio de uma petição.
Itabaiana ressalta ainda risco de fuga, em razão de uma mensagem na qual Queiroz diz que Wassef cogitava levar toda sua família para São Paulo, caso o STF permitisse o compartilhamento de dados do Coaf.