Regiões que não votaram em Bolsonaro pedem mais auxílio emergencial

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Foto: Reprodução/O Globo

O auxílio emergencial de R$ 600 pago pelo governo federal para mitigar os efeitos da pandemia do novo coronavírus atingiu o coração do principal bastião petista desde 2002 — o interior das regiões Norte e Nordeste do país. Um cruzamento feito pelo GLOBO a partir das bases de dados do Ministério da Cidadania, que executa o benefício, e do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV), que organiza e disponibiliza dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aponta que as cidades onde o presidente Jair Bolsonaro registrou suas menores votações no segundo turno contra Fernando Haddad (PT), em 2018, são aquelas onde o benefício atinge a maior parcela da população.

As mais recentes pesquisas de avaliação do governo mostra que Bolsonaro tem conservado um apoio de cerca de um terço dos brasileiros: 32% de aprovação segundo o Datafolha divulgado ontem, ante 33% em maio. Embora o número esteja estável, o perfil dos apoiadores do presidente tem mudado. Bolsonaro perdeu popularidade nas classes mais altas nos últimos meses, o que foi compensado por um crescimento entre os que ganham até dois salários mínimos — em seis meses, subiu de 22% para 29% de aprovação nesse segmento, ainda segundo o Datafolha desta sexta-feira.

A hipótese de analistas é que o recebimento do auxílio emergencial explique esse crescimento. O cruzamento entre as cidades onde mais gente recebe o auxílio e onde Bolsonaro teve pior desempenho eleitoral dá a dimensão do potencial de crescimento da popularidade do presidente nesses redutos: nos 25% de municípios com maior abrangência do auxílio, Bolsonaro teve média de 23% dos votos no pleito que o elegeu.

Embora moradores dessas regiões admitam que o auxílio fez balançar a alta fidelidade petista, especialistas lembram que a curta duração do benefício torna incerto o ganho político pelo presidente.

Em regiões marcadas por grande abrangência do Bolsa Família, a renda dos que já recebiam benefícios do governo teve salto substancial. O pagamento do auxílio foi feito de forma automática para os inscritos no programa e no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Para os mais de 13 milhões de beneficiários do Bolsa Família em março, a renda familiar em três meses será o equivalente ao recebido em 1 ano e meio, passando de R$ 190 por mês para R$ 1.128 em média — valor superior a um salário mínimo.

Em Guaribas, cidade no interior do Piauí onde Bolsonaro teve apenas 2% dos votos no segundo turno, a menor porcentagem do país, o auxílio mudou a impressão dos moradores sobre a situação política. Reconhecida por ser a cidade pioneira do Bolsa Família e do Fome Zero, o município hoje encontra-se dividido, segundo o comerciante Abdias Neto. Na cidade, 43,3% da população recebe o auxílio emergencial, cujo pagamento médio foi de R$ 674.

— Esse auxílio dividiu (a cidade), mas ainda tem o pessoal que é meio apaixonado pelo PT — disse ele, que afirmou ter votado em Haddad no segundo turno e, hoje, diz não saber em quem votaria.

Neto conta que, durante a eleição, havia o rumor do fim do Bolsa Família, o que gerava preocupação na cidade onde a economia gira em torno de transferência sociais e de agricultura. Em Guaribas, o auxílio aumentou a renda das quase mil famílias integrantes do Bolsa Família, subindo de R$ 281 para R$ 1.121.

Em Valença, no sul da Bahia, a autônoma Josineide Silva, de 39 anos, viu a renda despencar quando ficou impedida de circular para vender cosméticos e laticínios que garantiam o sustento dos três filhos. Aguardando na fila do Bolsa Família, o alívio veio com a confirmação do auxílio. Na cidade, 31,5% da população foi beneficiada com o programa .

Josineide diz não se interessar por política. Questionada sobre como avaliava o governo Bolsonaro antes da pandemia, preferiu dar nota: era 5, agora 7,5 com o auxílio, mas alerta que a avaliação pode cair caso o benefício seja reduzido:

— Não acho justo. Não concordo com a redução. Quem é que gosta de ganhar mil reais e daqui a pouco ganhar só 500? Ninguém, né?

Já na pequena Santa Inês (BA), onde Bolsonaro teve apenas 12,7% dos votos no segundo turno em 2018, 42,6% da população recebeu o auxílio emergencial. Uma das beneficiadas é a manicure Eliude Araújo, de 47 anos, que trocaria a ajuda pela volta da “vida normal”:

—A carência, principalmente de quem mora em interior pequeno como aqui, não atingiu só quem é fraco, atingiu todo mundo. Mas a gente vai viver de auxílio? Eu não. Foi bom, foi, mas a gente quer é ter saúde. Auxílio não vai resolver o problema. O governo não investiu em saúde — critica

O governo federal anunciou que pagará mais três parcelas do auxílio, nos valores de R$ 500, R$ 400 e R$ 300. Também está em estudo a criação de um programa de renda mínima ( Renda Brasil) para substituir o Bolsa Família após a pandemia.

O cientista político Jairo Nicolau, pesquisador da FGV/CPDOC, lembra que o peso orçamentário do programa levanta dúvidas sobre a possibilidade de estendê-lo indefinidamente nos moldes atuais. Em maio, o governo estimou em R$ 151,5 bilhões o valor destinado ao auxílio emergencial em apenas três meses. O orçamento anual do Bolsa Família é de R$ 30 bilhões.

— Se a eleição presidencial fosse agora, aí seria diferente. Mas não vejo ainda como o auxílio atual poderia se estender como política contínua, de forma que mudasse a base eleitoral do Bolsonaro para 2022 — afirma Nicolau.

Para Malco Braga Camargos, cientista político da PUC Minas, o possível efeito do auxílio na popularidade do presidente é momentâneo:

— O auxílio só é remédio quando o problema é grave. Tem o agradecimento quando entra e repulsa quando é retirado.

O Globo