Bolsonaristas recém-libertados se dizem “presos políticos”
Foto: Adriano Machado
Antonio Carlos Bronzeri, 64, e Jurandir Pereira Alencar, 58, participantes de manifestação contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), ficaram presos por 49 dias até a soltura na sexta-feira (3). Eles, porém, ainda não se sentem livres.
“Nosso discurso está tolhido”, dizem. Eles se consideram presos políticos e afirmam ser exemplo de que a democracia não está funcionando no país.
“Você não faz nada de errado, você é levado a um cárcere e você fica todos os dias imaginando: eles vão acordar para as arbitrariedades e vão nos libertar. Todos os dias você levanta, olha pra porta e fala uma hora essa porta vai abrir”, afirma Jurandir sobre os dias no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, em São Paulo.
A porta da cela abriu quando a juíza Bárbara de Lima Iseppi, da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, converteu em domiciliar a prisão decretada em 16 de maio pela juíza estadual Ana Carolina Netto Mascarenhas, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível.
Resultado de um inquérito policial e aberta na esfera estadual, a ação criminal foi transferida no fim de junho para a Justiça Federal, a quem cabe julgar crimes contra funcionário público federal, no caso o ministro Moraes, do STF.
Jurandir e Bronzeri são réus sob acusação de ameaçar, difamar e injuriar o ministro, além de perturbar o sossego alheio.
Os advogados dos ativistas consideram a prisão arbitrária sobretudo porque os crimes têm pena máxima inferior a quatro anos de prisão.
Em 2 de maio, a dupla e cerca de 15 manifestantes protestaram na rua em que Moraes mora, em São Paulo. Eles criticavam o veto do ministro à nomeação de Alexandre Ramagem, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, para a direção da Polícia Federal.
A denúncia do Ministério Público contra eles viu um caixão de papelão na manifestação como sinal de ameaça de morte, além das frases “você e sua família jamais poderão sair nas ruas deste país, nem daqui há 20 anos” (sic) e “nós iremos defenestrá-los da terra”.
Os xingamentos foram: “advogado do PCC”, “ladrão”, “corrupto”, “covarde”, “canalha”, “safado”, “veado” e “maricas”, segundo a denúncia.
Para Bronzeri, “não houve ameaça alguma”. “O caixão significava morte política, não era morte de ninguém.”
À frente do inquérito que investiga fake news contra o STF, Moraes já determinou buscas e apreensões em endereços de aliados de Bolsonaro, além da prisão de Sara Winter, líder de um grupo armado de extrema direita.
Acionada pelo ministro, a polícia encaminhou os dois à delegacia, onde tiveram a fiança paga por um advogado e pelo deputado estadual Douglas Garcia (PSL). Ficaram submetidos a medidas cautelares, como recolhimento ao domicílio à noite e proibição de se aproximarem de Moraes.
A prisão preventiva, duas semanas depois, foi decretada porque, segundo a juíza, a dupla desobedeceu as medidas cautelares, entendimento derrubado pela decisão federal.
A juíza Bárbara Iseppi afirmou não haver “descumprimento reiterado das medidas cautelares” na ocasião em que Bronzeri e Jurandir estiveram em manifestação na avenida Paulista (porque não era noite) nem em sua presença em acampamento de bolsonaristas na região do Ibirapuera (porque o local fora declarado por eles como seu domicílio).
A pandemia do coronavírus, vista na decisão estadual como um agravante da conduta dos réus já que eles se aglomeraram, foi usada na decisão federal como justificativa para evitar mais prisões no sistema carcerário.
A juíza Iseppi determinou ainda que os réus se abstenham de “se manifestarem a respeito da vítima [Moraes] publicamente, direta ou indiretamente, seja através de meios físicos presenciais ou virtuais, de forma escrita ou oral, enquanto perdurar o presente processo, sob pena de decretação imediata de prisão preventiva”.
E foi para o acampamento, ornado com bandeiras de Israel e faixas contra o governador João Doria (PSDB), que os bolsonaristas voltaram ao serem libertados e onde cumprem a prisão domiciliar.
Durante a entrevista à Folha, neste domingo (5), parte do acampamento, que reúne de 15 a 30 pessoas, foi à avenida Paulista em mais um ato pró-Bolsonaro. Figuras carimbadas em manifestações, Jurandir e Bronzeri disseram que estavam impedidos de ir desta vez.
Posições políticas declaradas ao microfone (“Fora, Doria. Fora, STF. Fora, Congresso vagabundo”, disse Bronzeri em carreata em 19 de abril) ou estampadas em camiseta (“Exigimos art. 142 para Bolsonaro governar”, dizia a blusa do ativista no mesmo dia) foram substituídas, após a prisão, por cautela e respostas tuteladas pelos advogados.
A dupla diz que a camiseta não significa endosso à intervenção militar e que são radicalmente contra isso. “Uma camiseta normal, ganhamos das pessoas. Não queremos intervenção de maneira nenhuma que não seja o restabelecimento da democracia plena e de um Estado de Direito conservador”, afirma Bronzeri.
Apoiadores de Bolsonaro, eles agora evitam responder o que pensam sobre o governo federal e não dizem nada sobre o Supremo. Afirmam que seu inimigo é “um sistema irregular no geral”.
Criticam, porém, a Constituição. “Os políticos com essa Constituição fazem o que bem entendem, a despeito do povo fazer qualquer reivindicação ou não”, diz Jurandir.
Doria tampouco é poupado por eles, empresários afetados pelo baque do coronavírus. “Tive que fechar minha empresa por causa das atitudes governamentais erradas, não por causa da pandemia. A pandemia só foi uma desculpa para que esse governo usasse de má-fé e lesasse a população”, diz Jurandir.
Bronzieri estima que, por causa de Doria, São Paulo terá até 12 milhões de desempregados “quando essa farsa desse vírus acabar”.
“Essa desgraça que esse genocida está fazendo em São Paulo…”, dizia, ao ser interrompido pelo advogado Alexandre Falcão para deixar claro que a crítica é ao governo, não pessoalmente a Doria.
Falcão e a advogada Shirley de Farias também pediram a troca do termo “ativistas” por “patriotas”, receando que soe mal ao leitor, além de vetarem perguntas triviais sobre a prisão (como o número de refeições servidas, por exemplo) e ameaçarem encerrar a entrevista quando julgavam que estava “saindo do foco”.
Do seu lado, Bronzeri e Jurandir mediam as palavras. Os bolsonaristas se conheceram em 30 de março, quando o acampamento foi montado, na preparação de manifestação para o dia seguinte.
“Porque no dia 31 é o dia da…. 31 de março é o dia do… Deu branco agora, alguém me ajuda aí”, disse Jurandir, esperando orientação dos advogados sobre como se referir ao dia em que a ditadura militar foi instaurada por um golpe.
Falcão não se arrisca: “Cadeia faz mal”, brinca o advogado sobre o esquecimento. Bronzeri quebra o silêncio: “Foi o dia da revolução, da contrarrevolução que houve em 1964”.
O receio vem dos dias encarcerados, em que chegaram a dividir cela com 14 pessoas num espaço de dez metros quadrados e tinham que dormir em colchões no chão. “Consegue imaginar um lugar muito ruim pra você ficar?”, relembra Jurandir.
Há ainda ameaças constantes, registradas à polícia. “Ou você para com seu ativismo ou vamos uma hora parar com você”, diz Bronzeri sobre ligação anônima ao seu telefone.
Desde que foram viver no acampamento, em março, a dupla evita contato com mulher, filhos e netos por questão de segurança. Eles afirmam terem sido presos por falar a verdade.
“A polícia veio armada pra cima da gente. Ostensivamente. Como se fôssemos um criminoso comum, como se estivessem pegando um bandido que acabou de cometer um assalto”, afirma Bronzeri.
“Sabíamos que ia ter represálias e retaliações, mas dentro de um Estado democrático de Direito. E o que nós descobrimos é que esse Estado democrático de Direito está podre”, completa Jurandir.