Bolsonaro quer terceirizar ataques políticos

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Foto: Alan Santos

O presidente Jair Bolsonaro pretende delegar a prepostos, como o gabinete do ódio, blogueiros e sua base mais radical no Congresso, a tarefa de atacar para manter a militância acesa. Ao mesmo tempo, tentará uma aproximação maior com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a fim de espantar de vez o fantasma do impeachment.

Segundo interlocutores do presidente e fontes do Palácio do Planalto com quem o Valor conversou nos últimos dias, Bolsonaro parece haver compreendido após um ano e meio no cargo que precisa de diálogo e composição para tocar sua agenda conservadora.

Ao mesmo tempo em que adota uma postura mais leve, Bolsonaro sabe que é preciso contemplar sua base mais fiel. Nesse sentido, além dos deputados bolsonaristas, a criação do Aliança, seu novo partido, deve agregar a base mais radical e conservadora. Ataques, quando necessários, partirão desses setores.

Os diversos revezes que Bolsonaro sofreu nas últimas semanas, afirmam as fontes, deixaram claro que o confronto aberto com o comando do Congresso e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) só tendem a enfraquecê-lo.

Também contribuem para essa conjuntura favorável à moderação o temor em relação à situação jurídica de seu filho mais velho, o senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que ficaram maiores após a prisão de Fabrício Queiroz.

Auxiliares, além disso, apontam um outro componente, que seria o “amadurecimento” da ala ideológica do governo. No fim de maio, essa ala incentivou o presidente a adotar um “movimento mais forte, uma solução mais autoritária”, em meio à irritação com o ministro Alexandre de Moraes e a percepção de interferência do STF sobre assuntos de governo.

Bolsonaro chegou a cogitar uma radicalização, mas foi convencido a não cometer loucuras primeiro pelos militares e, depois, pelos fatos. Contribuiu para isso a “tempestade perfeita” de notícias desfavoráveis, que incluiu um cerco do Judiciário e derrotas no Congresso, além de críticas internas sobre a condução dada pelo governo na pandemia e internacionais relacionadas à política ambiental do governo.

O presidente já vinha se queixando de um certo cansaço há semanas, antes mesmo da prisão de Queiroz. Dizia-se para-raio de crises e injustamente responsabilizado por diversas questões.

A gota d’água para a mudança de postura foi a prisão de Fabrício Queiroz, que colocou uma ameaça concreta à liberdade de Flávio Bolsonaro e ameaçou jogar uma crise policial para dentro do Planalto.

Também a ala ideológica, encabeçada por nomes como o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, o assessor para assuntos internacionais Filipe Martins, e até mesmo membros do chamado “gabinete do ódio” parece ter entendido que é necessário para o presidente compor para tocar a agenda conservadora.

Nas últimas semanas, Bolsonaro vem remodelando o governo e tem tentado reatar laços com o Congresso e o Judiciário. Gestos mais fortes nesse sentido foram a demissão de Abraham Weintraub, que defendeu a prisão de ministros do STF, do Ministério da Educação e a nomeação do deputado Fábio Faria (PSD-RN), ligado ao Centrão, para a pasta das Comunicações.

De acordo com fontes do Planalto, a indicação de Fábio Faria teve o aval de Carlos, algo que seria impensável meses atrás.

Caberá a Faria, que tem excelente trânsito nas duas Casas, fazer a reaproximação de Bolsonaro com Maia e Alcolumbre.

Segundo fontes, Faria já era considerado conselheiro do presidente e seu protagonismo tem gerado ciúmes entre outros auxiliares do Palácio do Planalto, especialmente do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que é responsável pela articulação política. Fontes ligadas a Ramos negam que exista o conflito.

Em um aceno de paz, Bolsonaro convidou Maia e Alcolumbre para viajar com ele durante a cerimônia de prorrogação do auxílio emergencial, que ocorreu no Palácio do Planalto na última terça-feira. “Prezado Alcolumbre, Maia, é uma satisfação tê-los aqui. É um sinal que juntos nós podemos fazer muito pela nossa pátria. Se Deus quiser, outros momentos teremos juntos. Para o bem de todos nós”, disse Bolsonaro durante a cerimônia.

Ao se aproximar da cúpula do Congresso, Bolsonaro tentará evitar novas derrotas para o governo no plenário.

Mesmo com o apoio do Centrão, Bolsonaro foi derrotado, por exemplo, no projeto das “fake news”, que desagrada o presidente, mas acabou aprovado pelos senadores. Resta ainda a votação na Câmara dos Deputados. O presidente já ameaça com um possível veto.

A necessidade de um novo movimento em relação ao Congresso ocorre diante da avaliação de que a cúpula do Poder Legislativo, principalmente no entorno de Maia, vê a “bandeira branca” do presidente com ceticismo.

Entre aliados de Maia, prevalece a percepção de que é preciso “ter um pé atrás”, já que o presidente acenou para uma pacificação entre os outros Poderes em outras oportunidades, mas depois retomou os ataques.

Também no Palácio do Planalto, ninguém é capaz de cravar que a mudança de comportamento do presidente será definitiva. “Atacar é o instinto dele”, diz uma fonte. “É difícil dizer quanto tempo isso vai durar.”

Valor Econômico