Boulos diz que Sampa se cansou de Bolsonaro e tucanos
Foto: Danilo Verpa/Folhapress
Pré-candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, 38, aposta na conexão com a periferia e no diálogo com o setor da classe média que não “pensa igual à Bia Doria” para se tornar competitivo nas eleições de novembro.
“Pelo clima que tenho visto, de decepção com o bolsonarismo, cansaço com a hegemonia do tucanato e desejo de renovação, acho que a cidade tem condição de acolher o projeto que eu vou apresentar”, diz à Folha.
Sem experiência em cargos eletivos, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto) e da frente de esquerda Povo sem Medo se apega ainda ao papel que será exercido na campanha por sua vice, a ex-prefeita da capital Luiza Erundina, 85 (PSOL).
A dupla foi escolhida pelos filiados, no último fim de semana, para representar a legenda na disputa. A chapa recebeu 61% dos votos nas prévias do partido, superando dois adversários: a deputada federal Sâmia Bomfim e o estadual Carlos Giannazi.
Boulos, que concorreu à Presidência da República em 2018 (terminou em 10º lugar), prega o fortalecimento dos serviços públicos, defende que a periferia tenha centralidade na gestão e levanta bandeiras como a tarifa zero no transporte público e a desapropriação de imóveis vazios.
O sr. tem priorizado a oposição a Bolsonaro, mas a eleição municipal costuma ser pautada por problemas locais, do cotidiano. Como lidará com isso? Esta não vai ser uma eleição com discussão sobre buraco de rua. Vai ser profundamente nacionalizada. Primeiro porque será um termômetro do enfrentamento ao bolsonarismo. Segundo porque estamos no meio de uma pandemia, o que faz com que a eleição municipal seja marcada pelas crises sanitária, social e econômica.
E, é claro, temos que apresentar respostas concretas para esses temas. Por exemplo, na saúde, um prefeito não pode terceirizar essa responsabilidade para OSs [organizações sociais]. Se eleitos, pretendemos romper essa lógica de contratos com as OSs e assumir a gestão direta.
Bolsonaro teve 45% dos votos em SP no primeiro turno e 60% no segundo. Como fazer de São Paulo a “capital da resistência ao bolsonarismo”, como o sr. propõe? Bolsonaro está derretendo. Ele perdeu a maior parte do seu apoio em São Paulo. Dois anos foi tempo suficiente para as máscaras caírem.
O sr. aposta nessa decepção com o presidente para fortalecer sua campanha? É o que se vê nas ruas, nas pesquisas, nas redes. O governo Bolsonaro é uma tragédia. O clima está mudando. Sei que é uma disputa de Davi contra Golias. Somos nós contra as máquinas do bolsonarismo e do tucanato que governa o estado como se fosse uma capitania hereditária.
Que mensagem sua campanha vai explorar? Nós temos um desafio importante que é derrotar o bolsonarismo em São Paulo, o que significa contrapor ao ódio e à política antipopular uma mensagem de esperança e de direitos.
E também enfrentar a hegemonia do tucanato, representada pelo Bruno Covas [PSDB], que foi vice do [João] Doria, e pelo Márcio França [PSB], que foi vice do [Geraldo] Alckmin a vida inteira. É um projeto que esquece a periferia, entende a cidade como negócio e só quer privatização. Quero mostrar que é possível um outro modelo.
Suas propostas antiprivatização vão na contramão das políticas dos governos federal e estadual. Dado que São Paulo não é uma ilha, como viabilizar suas ideias? São Paulo não é uma ilha, mas é a maior cidade do Brasil e está entre os cinco maiores orçamentos do país. Essa história de que a cidade está falida é mentira. Temos R$ 18 bilhões parados em caixas de fundos municipais. Sem contar dívidas de grandes empresas e bancos que não são cobradas.
Se um prefeito decide fortalecer as políticas públicas, pode fazer muita coisa em São Paulo, mesmo tendo o governo federal na mão de um genocida e o estadual na mão de um oportunista que acha que a cidade é uma empresa.
Como fazer isso na prática? A Erundina, por exemplo, teve a coragem de inverter as prioridades. Nós vamos enfrentar as máfias dos ônibus, das OSs na saúde e nas creches e do setor imobiliário, que levam parte expressiva do orçamento público. Nós não temos rabo preso. Temos compromisso com a periferia e os mais pobres.
O sr. fala em reassumir os serviços públicos, mas a crise em curso significa menor arrecadação. Como essa conta vai fechar? A queda arrecadatória será no Brasil todo e no mundo. Mas São Paulo não vai resolver esse debate sozinha. Nós queremos uma reforma tributária que permita que o município possa recuperar a arrecadação num momento como este. Queremos um modelo que taxe os mais ricos. Se nós ganharmos, vamos ter força política para fazer essa negociação com o Congresso.
Entre os seus adversários, Márcio França (PSB) se apresenta como opção para o campo progressista e Bruno Covas (PSDB) faz acenos a esse grupo. Como pretende enfrentá-los? O Bruno Covas está muito longe de qualquer coisa relacionada à esquerda ou à centro-esquerda. Ele representa o projeto privatista de cidade do Doria.
Já o Márcio França flertou com o Bolsonaro no último ano e é conhecido por ser da ala à direita do PSB. E ele não é daqui, é da Baixada [Santista]. Se perguntar para ele onde fica o Capão Redondo, acho que ele vai dizer que é na zona norte.
Acredita que herdará votos de eleitores do PT refratários a Jilmar Tatto? Qualquer apoio que venha de pessoas que concordem com o nosso projeto evidentemente é bem-vindo.
O sr. é relacionado, no senso comum, à questão da luta por moradia. Pretende ampliar suas pautas? Na campanha presidencial, nós falamos de um conjunto de temas do país. Nesta pré-campanha, tenho abordado políticas para trabalhadores de aplicativos, transporte público com tarifa zero, melhorias na saúde. E falo de moradia também, que é um drama. Nossa candidatura representa uma diversidade de temas.
Para muitos, o sr. é considerado, até de modo pejorativo, um “invasor”. Existem muitos preconceitos em relação à atuação do MTST. A campanha eleitoral também é um momento para a gente desmistificar coisas. O MTST nunca invadiu a casa de ninguém. A luta do movimento social por moradia, que é justa e legítima, faz cumprir a lei, a Constituição e o Estatuto da Cidade, que preveem que uma propriedade tem que exercer função social.
Para se eleger, o sr. precisa conquistar votos em estratos variados. Pautas como desapropriação de imóveis, municipalização do transporte público e tarifa zero não afastam um eleitor mais elitizado? Conheço as duas faces desta cidade. Nasci numa família de classe média, meus pais são médicos, estudei em boas escolas, e depois vim, por opção, morar na periferia.
Nem toda a classe média pensa igual à Bia Doria [primeira-dama do estado] ou tem a cabeça da casa-grande. Existe um setor higienista, racista, atrasado. Mas existe outra parte, e com ela quero dialogar, que sabe da necessidade de enfrentar o abismo social.
Parte da elite tende a votar em quem representa os interesses dela, certo? A elite, elite mesmo, essa não vai votar em mim, porque o meu projeto é antagônico ao dela. Essa elite que ganha com a promiscuidade entre público e privado, a especulação imobiliária, os privilégios econômicos e corporativos, essa turma eu não vou convencer jamais, porque eles são meus adversários.
Na eleição de 2018, o sr. teve 76.953 votos na cidade de São Paulo. Para se eleger prefeito, precisa multiplicar esse número e chegar à casa dos milhões. Como fazer isso? A eleição de 2018 foi totalmente atípica, extremamente polarizada, e predominou o voto útil. Aquela votação não é termômetro para definir influência social e capacidade eleitoral agora em 2020. A nossa chapa é potente, um encontro de gerações. Alia a melhor prefeita que São Paulo já teve e uma representação do maior movimento social da cidade, num partido que cresce, o PSOL. E as pesquisas têm mostrado a viabilidade.
O PSOL tem hoje dois vereadores. Se o cenário se mantiver, um eventual governo do sr. teria dificuldade no Legislativo. Como resolveria essa deficiência de apoio na Câmara? Tenho certeza de que a bancada do PSOL vai se expandir muito. E espero que outras bancadas progressistas também cresçam. Mas nós não podemos trabalhar com a ideia da governabilidade parlamentar a qualquer custo. A Erundina governou quatro anos sem ter maioria na Câmara e fez coisas incríveis. Eu vou dialogar. E isso não significa fazer negociações espúrias.
Concorda que para governar é necessário fazer concessões? Existe algum limite? Para governar você tem que dialogar e compreender que nem toda a cidade partilha dos mesmos princípios que você. No entanto, é preciso ter princípios também. E não vou abrir mão deles.
Como o sr. pretende mostrar capacidade de governar, sendo inexperiente na gestão pública e integrante de um partido pouco tradicional? Não tenho experiência na administração pública, mas escolhi uma vice que tem, inclusive na cidade de São Paulo. Tenho experiência de contato na luta conjunta com o povo. Há 20 anos eu atuo no movimento social, há 15 moro na periferia. Conheço os problemas não de ouvir falar, mas de ver e enfrentar.
Pode citar um aspecto negativo da gestão Covas e dizer sua proposta para o problema? O problema da gestão do Bruno Covas é que ela não tem marca. O que ele fez? Qual é a marca que deixou para a cidade? Ele ficou à sombra do Doria a gestão inteira.
Mas ele se diferenciou do padrinho político de alguma maneira? É um cara mais democrático que o Doria. O Bruno não tem esse perfil tão autoritário quanto o Doria e o Bolsonaro. Mas a visão de governo é a mesma, privatista, do município como empresa. Ele abandonou a periferia. E nós pretendemos revolucionar esta cidade, com a periferia sendo o centro do modelo de gestão.
RAIO-X
Guilherme Castro Boulos, 38
Formado em filosofia pela USP, é professor, ativista e líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto) e da frente de esquerda Povo sem Medo. Foi escolhido em prévias do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) para ser pré-candidato a prefeito de São Paulo na eleição de 2020, com a deputada federal e ex-prefeita da capital Luiza Erundina (PSOL) na posição de vice. Foi candidato a presidente da República pela sigla em 2018 (terminou em 10º lugar).