Desidratação do Centrão preocupa Bolsonaro

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Foto: Reprodução

O desembarque do DEM e do MDB do bloco comandado pelo líder do PP, Arthur Lira (AL), atinge o governo porque enfraquece a liderança da principal aposta, até então, do Palácio do Planalto para a presidência da Câmara dos Deputados.

Lideranças das duas legendas negaram qualquer relação desse movimento com a corrida sucessória na Casa, mas internamente o governo está convencido de que este é o motivo da debandada.

Ontem o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, reuniu-se em seu gabinete com o presidente do MDB e líder da bancada, deputado Baleia Rossi (SP). Por meio da assessoria, Baleia esclareceu que a agenda estava programada desde a semana passada, ou seja, antes do anúncio da separação do bloco.

No entanto, interlocutores de Ramos confirmaram ao Valor que o desembarque do bloco de Lira seria um dos assuntos da reunião do ministro com o dirigente emedebista, porque o governo está preocupado com os reflexos desse gesto nas votações de seu interesse. Existe uma convicção de que os votos de DEM e MDB estão assegurados na agenda econômica, que é de interesse comum dos partidos e do governo. Mas há receio quanto a outras matérias, como o polêmico projeto sobre as “fake news”.

Desde que selou a aliança com o presidente Jair Bolsonaro, Lira passou a operar como líder informal do governo na Câmara. “A debandada [do DEM e MDB] enfraqueceu o Lira, e isso é ruim para o governo porque o candidato do Planalto [à presidência da Casa] sai enfraquecido”, reconhece um auxiliar do presidente que despacha no Planalto.

Esta fonte diz que o momento exigirá jogo de cintura do governo porque o Planalto não pode ficar atrelado a um candidato que corre o risco de perder a disputa sucessória. Em contrapartida, Lira perdeu uma batalha, mas não perdeu a guerra: ainda é uma liderança com poder de fogo que o Planalto não vai querer ter como adversário na Câmara.

A eleição do sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ) ocorrerá em fevereiro do ano que vem. Há outros nomes alinhados ao Planalto na disputa, como o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP) e o deputado Capitão Augusto (PL-SP). Lira era visto como o mais competitivo pela capacidade de articulação e trânsito entre as bancadas de todos os matizes. Setores do Planalto ainda sonham com a candidatura do ministro das Comunicações, Fábio Faria, o principal elo entre Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia. Mas Faria reafirmou ao Valor que não será candidato à sucessão de Maia. “Zero chance”, frisou.

Alguns auxiliares presidenciais defendem que Ramos adote uma postura mais enérgica ao cobrar fidelidade dos aliados e recomendam que o ministro mapeie os cargos controlados pelo DEM e MDB no segundo e terceiro escalões. Há uma leitura de que Ramos seria “condescendente” demais com traições, e que erra o alvo, por exemplo, como com o afastamento da deputada Bia Kicis (PSL-DF), aliada de primeira hora, da vice-liderança do governo.

Mas um interlocutor de Ramos argumenta que o movimento de DEM e MDB é recente, o mapeamento dos cargos está em processamento e o ministro está observando os passos seguintes. Ramos mantém uma relação estreita com Maia e diálogo afinado com outros líderes do Centrão, como Baleia. Sobre Bia Kicis, a observação é de que a ala considerada mais ideológica da base segue contemplada na vice-liderança com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP).

Ontem Rodrigo Maia classificou como “desinformação” a notícia de que a saída do DEM e do MDB do bloco comandado por Arthur Lira esvaziaria a liderança do parlamentar do PP.

“Acho que está tendo muita desinformação. Está parecendo que MDB e DEM saíram do bloco para questionar a liderança do Arthur Lira, a sua força. Não tem nada a ver uma coisa com a outra”, disse Maia, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, na Rádio Bandeirantes.

Maia acusou a imprensa de distorcer os fatos, “tentando misturar um fato corriqueiro de administração do regimento da Casa com a eleição de 2021”. O presidente da Câmara acrescentou que Arthur Lira “é o líder que tem individualmente mais força, tem um partido unido, o qual ele lidera com muita força”.

Horas depois, em nova entrevista, desta vez concedida na Câmara dos Deputados, Maia retomou o tema, insistindo em dissociar a saída de DEM e MDB do blocão da eleição para a presidência da Câmara.

Maia ponderou que a eleição está muito longe e é preciso antes atravessar a pandemia. “Você já viu corrida de maratona? Geralmente tem sempre um que chamam de coelho, que sai correndo muito rápido no início nem chega no final”, comentou, sem esclarecer quem seria o “coelho” no cenário atual.

Nessa segunda entrevista, Maia observou que a agenda de costumes defendida pelo governo não é majoritária entre os deputados e tem menos apelo que as pautas econômicas, que contam com o respaldo de partidos como DEM e MDB.

Nos últimos dias, em novo aceno à ala ideológica, Bolsonaro voltou a defender a aprovação de projetos como a flexibilização do porte de armas e o ensino doméstico, que estavam parados desde o ano passado.

“Os temas de valores conservadores, das armas, do meio ambiente, essa agenda do governo tem menos apelo que a pauta econômica”, disse Maia. Ele destacou que DEM e MDB, entre outras bancadas, divergem do governo sobre a pauta de costumes.

Valor Econômico