Estrela da Lava Jato ataca PGR
Foto: Geraldo Bubniak/Agência O Globo
Ex-integrante da Lava-Jato de Curitiba, o procurador regional da República aposentado, Carlos Fernando dos Santos Lima, afirma que a gestão de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR) ameaça a independência dos integrantes do Ministério Público prevista na Constituição.
“Aras coloca a independência da instituição sob risco ao querer submeter todas as investigações ao seu controle, e não só as informações, mas as apurações a um procurador de sua escolha com a criação de uma Unac [Unidade Nacional de Combate à Corrupção que é tema de discussão no Conselho Superior do MPF]”, afirmou ao Valor o ex-coordenador das negociações para acordos de leniência firmados com empreiteiras na Lava-Jato de Curitiba.
Carlos Fernando referiu-se a declarações feitas por Aras em uma ““live”” transmitida na noite de terça-feira pelo grupo de advogados “Prerrogativas”. “Augusto Aras foi absolutamente leviano, é muito estranho ele fazer uma ‘“live”’ com advogados que estão atuando na Operação Lava-Jato contra os interesses do MPF, fazer insinuações sobre matérias de correição que são absolutamente dissociadas dos fatos. Ele as fez baseadas em achismos da cabeça dele”, afirmou Carlos Fernando.
O procurador aposentado, que já reconheceu que ele e outros investigadores da Lava-Jato de Curitiba votaram em Bolsonaro no segundo turno da eleição, durante o programa “Painel” da Globo News, afirmou também que Aras foi escolhido pelo presidente “por seu caráter servil” ao ocupante da Presidência da República. “Aras está lá para agradar aos políticos, até porque ele tem pretensões que vão além da Procuradoria-Geral da República”.
Ontem, a força-tarefa da Lava-Jato do MPF de Curitiba divulgou nota em repúdio às declarações do procurador-geral feitas durante a transmissão da “live” de terça-feira. Aras afirmou que os investigadores do Paraná “bisbilhotaram” e investigaram de modo ilegal 38 mil pessoas em todo o país.
No comunicado, os procuradores da República paranaenses afirmaram que “é falsa a suposição de que 38 mil pessoas foram escolhidas pela força-tarefa para serem investigadas, pois esse é o número de pessoas físicas e jurídicas mencionados em Relatórios de Inteligência Financeira encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao Ministério Público Federal, a partir do exercício regular do seu trabalho de supervisão de atividades suspeitas de lavagem de dinheiro”. Anteriormente vinculado ao Ministério da Justiça, o Coaf foi convertido em Unidade de Inteligência Financeira (UIF) durante o governo de Jair Bolsonaro e agora está atrelado ao Ministério da Economia.
Na “live” de terça-feira, Aras também afirmou que existem “caixas de segredos” em unidades do MPF nos Estados, as procuradorias da República e procuradorias regionais da República, que atuam na primeira instância da Justiça Federal e nos Tribunais Regionais Federais, respectivamente.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) afirmou, em nota, que defende o trabalho desenvolvido pelas forças-tarefa da Lava-Jato. De acordo com a ANPR, as forças-tarefa seguem um “modelo internacional de sucesso” e, por isso, “vêm sendo utilizadas com bastante êxito no MPF nas últimas décadas”.
A entidade destacou que “esse trabalho é submetido à avaliação contínua da Corregedoria do MPF e também do Conselho Nacional do Ministério Público”. “Neste ano, aliás, houve correição em todas elas, não havendo sido identificado qualquer fato que autorize a desqualificação do trabalho por elas realizado e muito menos a imputação de pechas de ilegalidade e/ou clandestinidade em sua atuação”, disse o texto.
A ANPR afirmou ainda que, apesar da fiscalização dos órgãos competentes, “nenhuma irregularidade” foi encontrada em relação às forças-tarefa da Lava-Jato.
A entidade apontou ainda que hoje estão em funcionamento 23 forças-tarefa em todo o país, “todas desenvolvendo um trabalho de natureza técnica primoroso, que mudou o paradigma de atuação da instituição, com a obtenção de resultados bastante significativos para o país”.
“De 2014 para cá, as forças-tarefa foram responsáveis por 319 ações criminais propostas, 90 ações civis promovidas, 330 acordos de colaboração premiada, 26 acordos de leniência, com um potencial de reversão de recursos ao poder público, em razão do trabalho realizado, da ordem aproximadamente de R$ 30 bilhões”, disse a nota.
O Valor entrou em contato com integrantes de forças-tarefa do MPF em três Estados, mas nenhum dos consultados quis se pronunciar individualmente.
A força-tarefa da Lava-Jato de São Paulo divulgou nota com tom ameno, dizendo que não há irregularidades na distribuição de processos, ao contrário do afirmado por Aras. A Lava-Jato do Rio não quis se pronunciar e a reportagem não conseguiu contato com a força-tarefa de Brasília. Reservadamente, um dos investigadores ouvidos pela reportagem disse que as afirmações de Aras são as de alguém que não conhece investigação criminal, mal sabe do que fala e se alinha à visão de advogados encampando teses estapafúrdias.
Aras enfrenta oposição dentro do MPF, hoje uma instituição dividida em diversas alas ideológicas. Na PGR há grupos de subprocuradores que discordam dos atos da atual gestão, sem, no entanto, ratificar o que é interpretado como posição política assumida por procuradores federais de Curitiba. No entender de parte dos subprocuradores, os investigadores de Curitiba têm responsabilidade pela eleição de Bolsonaro, conquistada na esteira da criminalização da atividade política.