Gilmar alerta Bolsonaro sobre processo internacional
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Em meio à pressão do Exército para tentar se dissociar da gestão de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro falou com o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e ouviu dele um alerta sobre o risco de a gestão da pandemia do coronavírus parar no Tribunal Penal Internacional, em Haia (Holanda).
A conversa ocorreu diante da crise aberta com as declarações dadas no final de semana por Gilmar, para quem o Exército, ao ocupar postos-chave na Saúde em meio à pandemia do coronavírus, está se associando a um genocídio.
Na noite de segunda (13), Bolsonaro e o ministro do STF conversaram por telefone, como mostrou a coluna Mônica Bergamo. Uma pessoa amiga de ambos fez a intermediação, procurou Gilmar e repassou a ele um número dizendo que o presidente estaria esperando a chamada.
O magistrado telefonou, e os dois conversaram. Bolsonaro então sugeriu que Gilmar falasse também com Pazuello e disse que orientaria o ministro da Saúde a procurá-lo, o que ocorreu na terça (14).
Na conversa com Bolsonaro, o ministro do STF alertou o presidente sobre o risco de o caso parar no Tribunal Penal Internacional. Gilmar tem ouvido a possibilidade durante conversas em Portugal, onde está passando o recesso do Judiciário. A interlocutores afirma estar estarrecido com a imagem externa do país na pandemia.
Grupos de pressão e mesmo indivíduos podem fazer representações contra mandatários de outros países na corte, estabelecida em 2002.
Foram presos pelo tribunal os ex-presidentes da Libéria Charles Taylor e da ex-Iugoslávia Slobodan Milosevic, que morreu na cadeia aguardando julgamento na corte específica sobre a guerra no país europeu.
Na conversa com o ministro do STF, Bolsonaro afirmou em tom apaziguador saber das reclamações à quantidade de militares no Ministério da Saúde (são ao menos 24, sendo 15 da ativa) e o fato de ser um general da ativa o chefe da pasta.
Segundo pessoas próximas ao magistrado, no telefonema, Bolsonaro considerou que a crise em torno da declaração estava encerrada.
Nesta quarta (15), o presidente divulgou mensagem em que chamou Pazuello de “predestinado” e disse que ele é motivo de orgulho para o Exército.
Na terça, na conversa por telefone com Gilmar, o ministro interino da Saúde explicou as medidas que estão sendo tomadas no combate à pandemia e tratou das dificuldades que tem enfrentado.
O ministro do STF não pediu desculpas a Pazuello, conforme esperavam os militares.
Mas a tentativa de apaziguar os ânimos é compartilhada no Ministério da Defesa. O diagnóstico na pasta é que as manifestações de repúdio à fala de Gilmar foram necessárias principalmente pelo uso da palavra genocídio, mas que as respostas foram contundentes e marcaram a posição das Forças Armadas.
Em entrevista ao UOL, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão (PRTB), disse que Bolsonaro deve escolher em agosto o nome que assumirá o Ministério da Saúde no lugar do interino Pazuello.
“Pazuello assumiu interinamente e está há dois meses na função. Acredito que em mais um mês, em agosto, Bolsonaro vai retornar da quarentena e analisar outros nomes”, afirmou.
O presidente buscou prestigiar o ministro interino em sua manifestação em redes sociais.
“Quis o destino que o general Pazuello assumisse a interinidade da Saúde em maio último. Com 5.500 servidores no ministério, general levou consigo apenas 15 militares para a pasta. Grupo esse que já o acompanhava desde antes das Olimpíadas do Rio”, afirmou Bolsonaro.
“Pazuello é um predestinado, nos momentos difíceis sempre está no lugar certo para melhor servir a sua pátria. O nosso Exército se orgulha desse nobre soldado”, completou.
A fala de Gilmar associando o Exército a um genocídio ocorreu no fim de semana e causou irritação na cúpula militar, incomodada ao ver respingar em suas fardas as críticas do ministro do STF.
Pazuello está como ministro interino desde que Nelson Teich pediu demissão do cargo, em 15 de maio.
O Ministério da Defesa rebateu as declarações de Gilmar e, em nota co-assinada pelos comandantes das três Forças, falou em “acusação grave”, “infundada, irresponsável e sobretudo leviana”. A pasta também entrou com uma representação na PGR (Procuradoria-Geral da República) contra Gilmar.
Na publicação em redes sociais, Bolsonaro também fez um resumo do currículo de Pazuello.
Disse que o general tem mais de 40 anos de experiência em logística e administração e que, nos Jogos Olímpicos de 2016, Pazuello e “sua pequena equipe foram convocados para a gestão da Logística Olímpica e Financeira na parte de Segurança e Defesa”.
“A competição foi um sucesso e elogiada no mundo todo”, afirmou o presidente.
Bolsonaro também destacou que, entre 2018 e 2020, Pazuello esteve à frente da Operação Acolhida, que dá apoio para venezuelanos que cruzam a fronteira com o Brasil em Roraima, fugindo da crise política e econômica que assola aquele país.
As críticas de Gilmar Mendes jogaram mais combustível no grupo de oficiais que se incomodam com a presença de um general da ativa no comando do Ministério da Saúde —ainda mais num momento de crise sanitária, em que o país soma mais de 1,9 milhão de casos confirmados de coronavírus e 74 mil mortes pela doença.
Essa ala renovou as pressões para que Pazuello deixe o comando da pasta ou se transfira para a reserva como forma de dissociar a imagem dos fardados do governo Bolsonaro.
Apesar das iniciativas visando o fim da crise, interlocutores de ambos os lados se perguntavam na tarde desta quarta se o armistício estaria garantido.
Por um lado, Bolsonaro indicou que não quer transformar o episódio em um cavalo de batalha.
Isso ocorre pelo mesmo motivo pelo qual o presidente havia entrado numa fase de pouco confronto, antes de ser diagnosticado com a Covid-19: a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz e as investigações sobre sua família.
Como a expectativa no Planalto é de que o Superior Tribunal de Justiça rejeite um pedido de Flávio Bolsonaro para suspender as apurações sobre o esquema das “rachadinhas”, o caso deve ir ao Supremo.
Há outro componente. Nos últimos dias, Gilmar recebeu apoio de colegas da corte e de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil por seu posicionamento.
Apesar de ter sido aconselhado a retirar o termo genocídio por amigos, ele preferiu insistir na crítica objetiva, sobre a presença militar na Saúde.
Isso pode ser o indicativo de uma continuidade da crise em outro patamar, a depender de como andar a representação contra Gilmar na Procuradoria-Geral da República.
Entre militares de alta patente, a ação legal em si foi vista como um recado forte, mas há quem veja o risco de a situação ainda escalar —expondo ainda mais o papel do Exército na pandemia.