Governo de SP temia que PMs não aceitassem câmeras

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução

Policiais militares de São Paulo terão o controle para acionar e desligar as câmeras corporais que começarão a ser usadas pela corporação no patrulhamento da capital paulista a partir de 1º de agosto. O programa apelidado de “Olho Vivo” foi apresentado nesta quarta-feira pelo governador João Doria e visa implantar 3 mil câmeras nos uniformes de policiais até o fim deste ano.

O equipamento, do tamanho de um celular, ficará no colete do policial. Por uma decisão do governo, o acionamento da câmera durante o atendimento policial não será automático nem gerenciado pelo Centro de Operações da PM (Copom). O comando da polícia acredita que assim haverá menos resistência por parte do policiais ao uso do equipamento.

O programa começa em 1º de agosto com 585 câmeras, doadas pela iniciativa privada. Outro lote de 2.500 será adquirido por meio de uma licitação internacional prevista para ser concluída em dezembro, caso a concorrência aconteça sem imprevistos. A meta é ter cerca de 3 mil câmeras nos coletes de policiais até o fim deste ano e 10 mil em dezembro de 2021.

Por não haver câmeras para todo o efetivo (são 85 mil policiais militares no estado), a implantação começará pela capital paulista e por apenas algumas unidades policiais. Estão de fora nessa etapa equipes especializadas da PM, como a Rota e a Tropa de Choque.

Doria iniciou a entrevista em que apresentou o programa, em estudo pelo governo desde 2014, dizendo que a intenção é reduzir os casos de violência cometida por policiais e também contra policiais.

— A utilização desses equipamentos tem como objetivo evitar eventuais abusos e registrar também desacatos e atos de violência cometidos contra policiais — anunciou.

No entanto, quando perguntados por que as câmeras não seriam distribuídas prioritariamente em unidades da PM com altos índices de letalidade policial, o governador e as autoridades da Segurança Pública estadual disseram que o programa não foi criado prioritariamente para o enfrentamento da violência policial.

— Não é câmera para evitar a letalidade. Isso não tem relação. A câmera é para ajudar nas investigações e mostrar o grande trabalho feito pelo policial. A imagem ficará totalmente, sem edição, à disposição do advogado, delegado, promotor e juiz — disse o secretário-executivo da Polícia Militar de SP, Alvaro Camilo.

O anúncio do equipamento para os policiais se dá num momento em que o governo tem sofrido desgate com a divulgação de vídeos de abusos policiais. Este ano também foi registrado aumento das mortes por policiais militares em comparação a 2019.

As imagens serão armazenadas em um sistema de nuvem por um ano após sua gravação e o policial não tem qualquer controle sobre o download dos vídeos. Ele acontecerá automaticamente sem que o PM possa interferir ou editar a gravação.

São Paulo não é o primeiro estado a implantar as câmeras corporais para o policiamento. Desde o segundo semestre de 2019 Santa Catarina usa os equipamentos. O sistema é um pouco diferente do que será adotado em São Paulo, mas a experiência catarinense tem servido de alerta para quem quer adotar a iniciativa.

Policiais catarinenses têm resistido em ligar a câmera no atendimento a ocorrências. O problema levou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina e a Secretaria de Segurança a repactuarem em junho deste ano o acordo que implantou as câmeras no estado no ano passado. Por determinação da Justiça, o acionamento das câmeras terá que ser de forma automatizada no início da ocorrência.

O TJ-SC investiu R$ 3 milhões na compra das 2.425 câmeras. A intenção do projeto era facilitar o processo penal. As imagens ajudam nas investigações, no oferecimento de denúncias pelo Ministério Público e na instrução processual. No entanto, promotores e juízes começaram a perceber um número crescente de casos sem gravações.

Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e policial militar em Santa Catarina, Elisandro Lotin explica algumas razões para a resistência.

— Enquanto não houver um protocolo claro de que o uso das imagens será exclusivo para fins judiciais vai ter resistência. Muitos policiais têm medo de que, flagrado reclamando de um superior ou da corporação, possam ser punidos. Precisa haver um convecimento do policial de que aquilo vai protegê-lo. Ele tem que ser partícipe do processo e não uma imposição de cima para baixo — disse Lotin.

No sistema de Santa Catarina, ocorrências originadas de chamados ao Copom têm a câmera do policial ligada automaticamente pela central da PM no momento em que a viatura segue para o atendimento. Nas demais ocorrências, sem intermediação do Copom, cabe ao policial acionar o equipamento.

Lotin diz que, se a implantação das câmeras corporais não for bem feita, o efeito poder ser o oposto do que se deseja: redução do policiamento, como queda de abordagens policiais, prisões e apreensões.

Para ele, a tecnologia é um caminho sem volta. Ele é a favor das câmeras corporais mas diz que elas não podem ser vistas como uma panaceia.

— Estão vendendo como a panaceia mas sozinha ela não resolve muita coisa. Me pergunto por que todo policial não tem ainda uma arma não letal em seu kit de proteção individual? Temos também que mudar a cultura policial. Enquanto continuar vendo a sociedade como inimiga os abusos vão continuar.

Ex-ouvidor das polícias em São Paulo, Benedito Mariano considera equivocada a decisão de deixar com o policial o controle do acionamento das câmeras. Uma das sugestões dele é que o Copom tenha um rastreamento das câmeras online e seja avisado quando elas forem desligadas.

— O ideal é que o policial não pudesse desligar o equipamento. Mas se isso não é possível que, ao menos, seja dado um aviso ao Copom quando algum equipamento for desligado. As câmeras vieram pra ficar, são usadas em várias partes do mundo e ajudam sim o trabalho do bom policial — afirmou Mariano.

O Globo