Médicos americanos fazem vídeo viral com mentiras sobre máscaras
Foto: Reprodução
Em um vídeo que circula no Instagram e que já teve mais de 90 mil visualizações, médicos americanos defendem que o uso de máscaras enfraquece o sistema imunológico. Segundo os profissionais de saúde, as máscaras diminuiriam a exposição aos micro-organismos que poderiam ser importantes para desenvolver a imunidade contra o novo coronavírus. Especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica contestam as afirmações e reforçam o uso da máscara que, junto das outras medidas sanitárias, ajuda a barrar a disseminação do vírus e diminuir o número de pessoas doentes.
O clipe analisado, de cerca de um minuto e meio, também foi usado no documentário “Plandemic”, que divulga diversas informações falsas sobre o novo coronavírus e foi desmentido pelo Estadão Verifica em parceria com o Projeto Comprova. O vídeo mostra uma entrevista coletiva à imprensa local convocada em abril pelos médicos Dan Erickson e Artin Massihi, de Bakersfield, na Califórnia.
De acordo com o jornal The Washington Post, que também desbancou o conteúdo da gravação, a dupla é dona de uma cadeia de unidades de atendimento de emergência. Duas associações americanas de médicos de emergência condenaram as afirmações feitas por Erickson e Massihi, e afirmaram que os médicos espalharam informações falsas sobre a covid-19 para “avançar seus interesses financeiros pessoais, sem preocupação com a saúde pública”.
Erickson e Massihi se apresentam como especialistas em microbiologia e imunologia e afirmam que, para que as pessoas tenham um sistema imunológico forte é preciso estar em contato direto com bactérias e outros patógenos. Eles argumentam que, dessa forma, o corpo seria capaz de criar imunidade diária contra elas.
“Eu não acho que todo mundo precise usar máscaras e luvas, porque reduz sua flora bacteriana, não permite que você interaja com a sociedade e sua flora bacteriana, ‘seus amigos’ que protegem você de outras doenças, acabam indo embora. E agora você é mais suscetível a pegar infecções oportunistas”, dizem os médicos no vídeo.
A professora do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Viviane de Souza Alves explica que a argumentação não faz sentido. Para início de conversa, a dupla usa um termo em desuso: flora bacteriana.
“Já posso começar criticando o fato de eles dizerem que entendem de microbiologia e imunologia”, afirma a professora. “Nós, microbiologistas, não usamos o termo ‘flora bacteriana’. Chamamos o conjunto de micro-organismos que habita o nosso corpo e os ambientes de microbiota”.
Alves explica que existe a microbiota residente — os micro-organismos que vivem em nosso corpo — e a microbiota transitória — os micro-organismos que estão nos objetos com os quais entramos em contato. Segundo a professora, desde o início da vida vamos adquirindo anticorpos: na amamentação, no contato com nossos pais e com nossa casa. “À medida que vamos crescendo vamos tendo contato aos poucos com esses micro-organismos, e eles se estabelecem”, afirma Viviane.
Como temos contato com esses micro-organismos durante toda a vida, o uso temporário de máscaras não influenciaria de maneira significativa o desenvolvimento do sistema imunológico. “Esses micro-organismos que moram no nosso corpo não são adquiridos de uma hora para outra, eles se alteram até a velhice”, diz a professora. “Adquirimos-os ao longo da vida, e eles habitam o interior do nosso corpo e vão estimulando nossa resposta imune. Então a gente se infecta o tempo todo com micro-organismos e estabelece uma relação mutualística, de benefício mútuo”.
Os especialistas consultados pelo Estadão Verifica afirmam que o uso de máscara não apenas serve para nos proteger da covid-19 — o equipamento de proteção também é importante para evitar o contágio de outras pessoas. Segundo o infectologista Guenael Freire, do hospital Hermes Pardini, a máscara serve como uma barreira mecânica que impede que a pessoa infectada transmita a doença por meio de gotículas de saliva expelidas durante a fala, espirro ou tosse.
De acordo com Freire, não devemos nos expor sem proteção ao novo coronavírus esperando criar imunidade. “Uma pessoa jovem pode se infectar e até ter um quadro clínico muito leve, mas ela ajuda a perpetuar essa infecção porque pode transmitir a outra pessoa. Dessa forma, muitas pessoas adoecem e sobrecarregam o sistema de saúde. Ao usar a máscara, mesmo a caseira, a redução da transmissão ocorre de maneira significativa”, informa o médico.
Viviane Alves, por sua vez, fez um experimento, reproduzido em uma reportagem para o Jornal Nacional, para comprovar a importância do uso de máscaras. Em uma sala, a pesquisadora registrou um voluntário espirrando em diversas situações diferentes: com e sem máscara, próximo e distante de seu interlocutor. O resultado da experiência mostrou que o uso de máscara diminui a contaminação de outras pessoas.
Segundo Viviane, as máscaras funcionam bem desde que seu uso seja acompanhado do distanciamento social. Isso porque as gotículas de saliva podem ser transportadas pelo ar e percorrer mais de 2 metros.
Desinformação sobre máscaras é frequente nas redes sociais
Desde que o uso de máscaras passou a ser recomendado por autoridades sanitárias para evitar a transmissão e contaminação pelo novo coronavírus, a desinformação sobre esse equipamento de proteção se tornou mais frequente nas redes sociais.
Em checagem publicada 20 de julho, o Comprova desmentiu afirmações de um influenciador que dizia que máscaras não eram eficientes no combate à covid-19. A reportagem conversou com o médico e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Antonio Carlos Bandeira que pontuou que “o uso da máscara previne a aerossolização das gotículas que quando o indivíduo fala, tosse ou espirra gera e contamina muito as outras pessoas”.
Bandeira disse, ainda, que “o uso de máscara previne a possibilidade de o indivíduo contaminado, mesmo que ele não saiba [que está infectado], de aerossolizar partículas, porque essas partículas vão ficar presas na porção interna das máscaras”.
Em maio, o Comprova desbancou outra informação falsa sobre máscaras — de que elas reduziriam a imunidade, aumentariam a aspiração de dióxido de carbono e a proliferação de bactérias. Os especialistas consultados pela reportagem desacreditaram essa teoria.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.