MP-RJ vê “encontros clandestinos” de Queiroz, miliciano e Flávio

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Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Os “encontros clandestinos” da mulher de Fabrício Queiroz e do advogado Luiz Gustavo Botto Maia – ambos assessores de confiança do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ) – com familiares do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega são simultâneos ao aluguel da casa na Costa do Sauipe, na Bahia, para início da última temporada de fim de ano, do foragido da Justiça.

Capitão Adriano, como era conhecido, empregou por 11 anos a mãe e a ex-mulher no gabinete de Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) – o senador foi deputado estadual, de 2003 a 2018. Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Nóbrega seriam parte do esquema de “rachadinha” – apropriação indébita de salários de servidores – e também servidora “fantasma”, segundo investigação do Ministério Público.

Com prisão decretada pela Justiça desde janeiro de 2019 – alvo da Operação Intocáveis, contra os crimes da milícia que comanda a comunidade de Rio das Pedras -, apontado como integrante do Escritório do Crime, grupo miliciano de matadores de aluguel, Capitão Adriano passou um ano foragido da Justiça.

Fuga que teria envolvido uma “rede de amigos”, formada por policiais, políticos, advogados, contraventores, entre outros, suspeitam investigadores. Uma teia de proteção que teria dado sustentação financeira, política e institucional de “blindagem” ao procurado. E ainda ligada, supostamente, à atuação criminosa passada do miliciano.

O miliciano morreu na Bahia, em 9 de fevereiro, ao resistir à prisão. Estava escondido em um sítio, na zona rural de Esplanada (BA), depois de fugir uma semana antes de cerco policial, na casa de praia na Costa do Sauipe, em imóvel alugado em nome de uma suposta “laranja”. No imóvel, passou com a família o último Natal e Réveillon e o aniversário de 43 anos, de forma confortável e luxuosa. Realidade bem distinta da que teve o amigo e antigo companheiro de Policial Militar, Fabrício Queiroz.

Acusado de ser o principal operador da “rachadinha”, Queiroz foi preso no dia 18 de junho, em Atibaia (SP), alvo da Operação Anjo. Foi detido em uma casa, que pertence do advogado Frederick Wassef, ex-advogado do senador e conselheiro jurídico do presidente, Jair Bolsonaro, onde estaria desde meado de 2019.

A mulher, Márcia de Oliveira Aguiar – outra ex-assessora parlamentar e supostamente envolvida no esquema – também teve prisão decretada. Ambos são acusados pelos promotores do Rio de tentativa de obstrução de Justiça. Na quinta-feira, 9, o ministro João Otávio de Noronha, mandou soltar Queiroz. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu ao ex-braço direito de Flávio Bolsonaro e à sua mulher, “raro” direito de prisão domiciliar.

Queiroz e Márcia Aguiar são peças-chave nas apurações de “rachadinha” e da supostas tentativas de obstrução à Justiça. Contatos entre os dois e aliados de Flávio Bolsonaro com familiares do Capitão Adriano, entre novembro e dezembro de 2019 – mesmo período do aluguel da casa para temporada de férias do miliciano – foram anexados no pedido de prisão da Operação Anjo.

Figura não identificada no documento, “anjo” seria Wassef, suspeitam investigadores. Em conversas descobertas em aparelho de telefone celular de Márcia Aguiar, apreendido em dezembro, ela, Queiroz e outros aliados de Flávio Bolsonaro citam o “anjo” e supostas “orientações” jurídicas a serem repassadas.

‘Clandestino’. No pedido de buscas e prisão da Operação Anjo, um capítulo específico trata dos “encontro clandestino de emissários de Queiroz e do foragido Adriano Magalhães da Nóbrega”.

São pelo menos três episódios nesse período de novembro e dezembro de 2019. Um deles, mensagem trocada entre a mulher de Queiroz e Raimunda Veras Magalhães, no dia 5 de dezembro – mesma data em que iniciaria o período de férias do miliciano na Costa do Sauipe.

O documento apresentado à Justiça registra que, em 4 de dezembro de 2019, na cidade de Astolfo Dutra, em Minas Gerais, Márcia Aguiar e Botto Maia foram encontrar a mãe do Capitão Adriano, que estaria escondida. O encontro envolveria ainda a ex-mulher do miliciano, Danielle Mendonça – que teria tido um “imprevisto” e chegaria depois.

No 5 de dezembro, a mulher de Queiroz e Botto Maia teriam voltado de viagem. “Cheguei em casa agora”, escreve Márcia Aguiar para o marido. Era 18h20. “Gustavo (Botto Maia) teve que ir direto para a cidade (…) Foi tranquila a viajem (sic).”

Na sequência, às 18h22, a mulher de Queiroz manda outra mensagem, desta vez para a mãe do Capitão Adriano e pergunta: “Pessoal já pegou a estrada ?”. Raimunda Veras Magalhães responde: “Só amanhã”.

“Assim como Fabrício Queiroz, a ex-assessora fantasma Raimunda Veras Magalhães também seguiu a orientação de deixar o Estado do Rio de Janeiro depois de ter ciência da presente investigação”, registra documento das investigações do Ministério Público do Rio, enviado à Justiça.

A foto enviada para Queiroz, no dia 3 de dezembro, em que Márcia Aguiar e o advogado de confiança de Flávio Bolsonaro aparecem tomando cerveja com a mãe do miliciano, também foi anexada.

Escondida. Informações do aparelho celular da mulher de Queiroz, apreendido no dia 18 de dezembro em operação do Gaecc, e dados apurados mostraram, segundo as investigações, que o advogado de Flávio Bolsonaro foi à Minas Gerais, no final de 2019, onde estavam familiares do Capitão Adriano, para reuniões. Os investigadores entendem que o objetivo era repassar orientações jurídicas do “anjo”.

Destacam que, após encontros em Minas, em que Botto Maia teria “liberado” a mãe do miliciano para “voltar para o Rio” em dezembro, “o operador financeiro da organização criminosa (Queiroz) achou melhor ela permanecer escondida”.

O motivo seria o temor com a “retomada da investigação (da rachadinha) após o julgamento desfavorável do Recurso Extraordinário n.º 1.055.941/SP pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ocorrido no fim de novembro daquele ano”. O caso foi o da suspensão por quatro meses das apurações, após o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, decidir de forma individual um processo que suspendeu todas as investigações, no País, que envolvessem relatórios de inteligência do antigo Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira).

Em dezembro de 2019, o Ministério Público do Rio retomou às apurações sobre “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro, após a maioria dos ministros do STF derrubaram a decisão de Tofoli, que garantiu a suspensão das apurações temporariamente.

Os encontros “clandestinos” para orientar Capitão Adriano e sua família viraram ponto de destaque das investigações, sobre a atuação de Queiroz e aliados para atrapalhar o processo e a ação da Justiça. Tanto a votação no STF do recurso que suspendeu o caso, como os contatos entre advogados e investigados e a fuga do miliciano têm importância na frente que apura a atuação do “Anjo”.

Os promotores o Gaecc registram que o advogado Botto Maia – que atuava para Flávio Bolsonaro legalmente – teria se reunido previamente com o “Anjo” e com Queiroz, antes de seguir viagem até Astolfo Dutra, em Minas, para falar com a mãe do miliciano. Na casa da mulher de Queiroz, investigadores apreenderam também anotação com referência aos contatos com Capitão Adriano, sua mãe e possíveis “amigos” ligados à rede de proteção do miliciano.

Férias. A casa na Costa do Sauipe para a temporada de férias foi alugada pelo Capitão Adriano em nome de terceiros. O contrato registra que o negócio foi fechado em 26 de novembro de 2019. Período em que Queiroz acompanhava julgamento no STF e recebia orientações jurídicas de aliados de Flávio Bolsonaro para repassar ao miliciano e seus familiares, segundo a acusação.

A casa alugada na Bahia e paga, em parte, em dinheiro vivo, foi registrada em nome de Juliana Magalhães da Rocha, veterinária do Rio, ligada ao Capitão Adriano. Ela é acusada, desde janeiro de 2019, por ser também uma “servidora fantasma”, mas em uma agência estatal, no Tocantins. Ela seria pessoa próxima da família e suposta “laranja”.

Capitão Adriano, a então mulher, Julia Emília Mello Lotufo, filho e amigos, desfrutaram da casa e do condomínio-resort até o dia 31 de janeiro, quando a polícia fez um cerco frustrado. Em fuga cinematográfica, ele abandonou a família e documentos para trás. Foi se esconder na propriedade do amigo e competidor de vaquejadas Leandro Abreu Guimarães, na cidade de Esplanada – também na Bahia, onde foi morto, no dia 9 de fevereiro.

A propriedade, no papel, foi alugada por dois meses – 5 de dezembro a 5 de fevereiro – por R$ 50 mil, no final de novembro. Juliana e a então mulher do miliciano, Julia, trataram do negócio, pago em dinheiro e em uma conta, no Rio. Na casa de veraneio, imagens do sistema interno de segurança registraram a presença do Capitão Adriano.

‘Rachadinha’. O Ministério Público do Rio apura esquema de desvios de recursos no gabinete do senador, quando ele foi deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) – de 2003 a 2018. Queiroz, o principal operador do esquema, batizado de “rachadinha” – apropriação de parte dos salários dos assessores contratados -, no gabinete de Flávio, que teria desviado pelo menos R$ 2 milhões entre 2007 e 2018. Esquema que teria envolvido núcleos de ex-assessores, um deles, da família do Capitão Adriano.

A polícia e o MP tentam descobrir que formava a “rede de amigos”, que teria dado sustentação aos negócios criminosos e à fuga do miliciano e de seus familiares. Queiroz é um deles, amigo do Capitão Adriano, assumiu no processo a indicação da mãe e da ex-mulher do criminoso para cargos na Alerj. Os dois trabalharam na PM juntos.

As quebras de sigilos autorizadas pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27.ª Vara Criminal do Rio, mostraram que núcleo familiar do Capitão Adriano pode ter repassado pelo menos R$ 400 mil para Queiroz, do dinheiro desviado da Alerj.

Defesas. O advogado de Queiroz, o advogado Paulo Emílio Catta Preta – também atuou para o Capitão Adriano e para sua família, após a morte, na Bahia – conseguiu na Justiça a conversão da prisão preventiva do cliente em prisão domiciliar – pedido já negado – e questiona as justificativas legais para sua detenção. Segundo os pedidos entregues à Justiça o Ministério Público fez ilações que ignoram a contemporaneidade dos fatos. Queiroz negou nos autos irregularidades e suposto esquema de “rachadinha”.

No dia da prisão de Queiroz, Flávio Bolsonaro escreveu em seu perfil da internet que a ação era para atacar o pai. “Encaro com tranquilidade os acontecimentos de hoje. A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro”, escreveu Flávio.“Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim.Bastou o Presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!”

Flávio Bolsonaro, que dispensou Wassef, nega todas as acusações. Seus advogados, Rodrigo Roca e Luciana Pires – que já atuava com o senador – conseguiram no Tribunal de Justiça do Rio, decisão que garantiu foro especial – retirando o processo da primeira instância, sob responsabilidade do juiz da 27.ª Vara Criminal, Flávio Nicolau Itabaiana. Pela decisão, o caso das “rachadinhas” será julgado pelo Órgão Especial do TJ. Mas o MP recorre da decisão.

Na ocasião, a defesa informou que busca a nulidade das investigações. “Foi julgado hoje o habeas corpus que questiona a competência do juízo de primeira instância no processo do Flávio Bolsonaro. Foi concedida a ordem por maioria dos votos, 2 votos a 1. Como o Tribunal de Justiça reconheceu a incompetência absoluta do juízo de primeira instância, a defesa agora buscará a nulidade de todas as decisões e provas relativas ao caso desde as primeiras investigações.”

Segundo a nota, “a defesa sempre esteve muito confiante neste resultado por ter convicção de que o processo nunca deveria ter se iniciado em primeira instância e muito menos chegado até onde foi”. “Flávio Bolsonaro era deputado estadual na época e o juízo competente para julgar o caso seria o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, como acaba de ser reconhecido.”

Juliana Rocha não quis comentar o caso. Seu advogado no processo do Tocantins, Danilo Bezerra de Castro, negou que ela fosse servidora fantasma. Disse desconhecer os vínculos dela e de Adriano Nóbrega com as milícias.

Estadão