PGR e políticos expõem ataques à Lava Jato
Foto: Antonio Augusto / Secom / PGR
As declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, de que é “hora de corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure” causaram impacto no Ministério Público Federal (MPF) e provocaram reações no âmbito político e jurídico. Integrantes da Operação Lava-Jato saíram em defesa da força-tarefa, num coro impulsionado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que se tornou símbolo do combate à corrupção no período em que esteve à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Em live do Prerrogativas — grupo de advogados críticos à Lava-Jato, na terça-feira à noite, Aras afirmou que pediu acesso a dados da operação por uma questão de “transparência”. “Todo o Ministério Público Federal, no seu sistema único, tem 40 terabytes. Curitiba tem 350 terabytes, e 38 mil pessoas lá com seus dados depositados. Ninguém sabe como foram escolhidos, quais os critérios”, criticou. Ele ressaltou, ainda, que “não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com caixas de segredos” e destacou a necessidade do fim do “punitivismo” do MP. A força-tarefa já foi alvo de muitos questionamentos porque teria passado por cima da lei, ao longo dos trabalhos, em nome do combate à corrupção.
Na Procuradoria-Geral da República (PGR), a avaliação é de que as novas manifestações de Aras deixam claro que o órgão vive a sua maior crise desde a Constituição de 1988, ano em que ocorreu a redemocratização do Brasil. Dados que estão em poder da PGR teriam força para levar à revisão de ações penais de condenados na Lava-Jato, colocar em xeque o trabalho de procuradores e de juízes e criar uma crise ainda maior entre a cúpula do órgão e as unidades nos estados. O procurador Roberson Pozzobon, que atua na Lava-Jato em Curitiba, subiu o tom e criticou a nomeação de Aras para o cargo, feita pelo presidente Jair Bolsonaro. “A transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo presidente Bolsonaro. O transparente processo de escolha a partir de lista tríplice, votada, precedida de apresentação de propostas e debates dos candidatos, que ficou de lado, fez e faz falta”, escreveu no Twitter.
Também pelas redes sociais, Moro rebateu as críticas. “Desconheço segredos ilícitos no âmbito da Lava-Jato. Ao contrário, a operação sempre foi transparente e teve suas decisões confirmadas pelos tribunais de segunda instância e também pelas Cortes superiores, como STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal)”, escreveu o ex-juiz.
A Lava-Jato no Paraná, por sua vez, divulgou nota na qual repudia as declarações de Aras. O grupo, coordenado pelo procurador Deltan Dallagnol, disse que a “ilação de que há ‘caixas de segredos’ no trabalho dos procuradores da República é falsa” e evocou a autonomia dos profissionais. “Devem ser refutados os ataques genéricos e infundados às atividades de procuradores da República e as tentativas de interferir no seu trabalho independente, desenvolvido de modo coordenado em diferentes instâncias e instituições”, pontuou. “A independência funcional dos membros do Ministério Público transcende casos individuais e é uma garantia constitucional da sociedade brasileira de que o serviço prestado se guiará pelo interesse público, livre da interferência de interesses diversos por mais influentes que sejam.”
Associações de classe também se manifestaram contrárias às declarações do PGR. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) afirmou, em nota, que durante os trabalhos da força-tarefa não foram apontados atos ilícitos. “No que concerne especificamente à Operação Lava-Jato, umas das maiores operações anticorrupção desenvolvidas no país, não custa enfatizar que, apesar dos trabalhos correicionais efetivados, nenhuma irregularidade restou identificada”, destacou o texto.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aprovou as palavras de Augusto Aras e frisou que o MP tem casos de “excessos” e que “não gosta de ser fiscalizado”. Ele afirmou, ainda, haver integrantes do órgão que acreditam ter “áurea” em torno de si e que “não podem ser atacadas e criticadas”. “A minha principal crítica com relação ao Ministério Público, eu não gosto de tratar de casos específicos, considero que, em muitos casos, você tem excesso, sim. Excesso, inclusive, de temporalidade. Estão fazendo buscas e apreensões de coisas de 2010 em 2020, coisas que geram apenas constrangimentos na linha até, como o doutor Aras falou, de criar uma criminalização exagerada da política”, ressaltou, em entrevista ao Grupo Bandeirantes.
Já deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou haver uma movimentação para acabar com a força-tarefa. “Existe uma operação em curso para aniquilar a Lava-Jato. A operação que colocou os maiores corruptos do mundo atrás das grades. Temos integrantes do Centrão, que são aliados do presidente Jair Bolsonaro, que estão na mira da Justiça”, criticou. “Agora, temos um ato público, uma atuação direta do procurador-geral da República, escolhido pelo presidente, à revelia da lista tríplice, de petistas e de gente ligada a Bolsonaro para tentar destruir a operação.”
Em junho, a PGR solicitou dados das forças-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Rio e Brasília. A diligência da subprocuradora Lindôra Maria Araújo, nome de confiança de Aras, para busca de informações da força-tarefa em Curitiba abriu uma crise e provocou pedido de demissão de procuradores. Dias depois, a PGR divulgou nota na qual disse que “a Lava-Jato não é órgão autônomo”. No início de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, determinou às forças-tarefas que apresentassem dados e informações da operação à PGR.
Caberá ao PGR, Augusto Aras, decidir se denuncia ou não Rodrigo Maia em investigação baseada em delações de executivos da empreiteira Odebrecht sobre pagamento de propinas. Em agosto do ano passado, a Polícia Federal atribuiu ao presidente da Câmara os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e caixa 2.
A lista tríplice vem sendo alvo de debate ainda mais recorrente desde a escolha de Augusto Aras para a PGR, feita pelo presidente Jair Bolsonaro. O procurador foi o primeiro indicado à chefia do MPF em 16 anos que não constava na lista tríplice da PGR, formulada em votação entre procuradores. Desde que assumiu o comando do Ministério Público Federal, em setembro de 2019, Aras vem tomando uma série de medidas que atendem aos interesses do presidente. Em maio, em meio a elogios de Bolsonaro ao PGR, mais de 500 procuradores da República de todo país assinaram manifesto pela independência do Ministério Público Federal. O documento pediu a inclusão, no texto constitucional, da regra de que o chefe do MPF deve ser indicado com base em lista tríplice escolhida pelos membros da instituição, como acontece nos Ministérios Públicos de todas as unidades da Federação.