Policiais e bolsonaristas querem “liberou geral” na política
Foto: Hélio Alef / Viagora
Policiais militares querem aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que – imaginam – aumentaria ainda mais o fenômeno de suas candidaturas no País. Por meio dela, pretende-se alterar o artigo 14 da Carta, que determina a passagem automática para a reserva de todo candidato militar eleito. A norma foi instituída pelo marechal Castelo Branco. Os PMs alegam que ela os discrimina, negando-lhes um direito: o de voltar a exercer a profissão, caso não sejam reeleitos ou queiram deixar a vida pública.
Quando a norma foi criada em 1965, o presidente Castelo Branco buscava esconjurar uma das pragas da história da República: a politização dos quartéis. O marechal conhecia bem o problema. Testemunhara nos anos 1930 as promoções-relâmpago dos antigos tenentes derrotados dos anos 1920 e vitoriosos nos anos 1930. Escrevera artigos sob o pseudônimo “Coronel Y” nos quais criticava os colegas que se dedicavam aos gabinetes em vez de se mostrarem nos campos de manobras, em Gericinó.
Naqueles anos, o dilema entre o profissionalismo e a política encontraria uma síntese nas mãos do general Pedro Aurélio de Góis Monteiro e sua ideia de que se devia promover a política do Exército e não no Exército. O partido militar transformava-se em representante fardado do partido da ordem. E seus membros e facções levariam instabilidade à República nos anos subsequentes. Os golpes militares se sucederiam até 1964, o que levaria Castelo Branco ao poder.
O regime inaugurado por Castelo reorganizaria as PMs – a de São Paulo uniria as antigas Guarda Civil e Força Pública, prevalecendo a segundo com sua cultura. Desde entãos, elas se submetem às mesmas leis que as Forças Armadas como o Códigos Penal Militar, além de regimento disciplinar próprio e princípios, como a hierarquia e disciplina. Mantiveram os PMs, em uma atividade essencialmente civil – o policiamento -, uma estrutura essencialmente militar. Em 2019, seu chefes esforçaram-se em um lobby para obter o mesmo tratamento de seus colegas das Forças Armadas: a paridade e da integralidade em suas aposentadorias, privilégios que civis não têm.
São, assim, militares quando se trata da Previdência. E também quando se trata de prestar contas à Justiça castrense por crimes comuns. Em uma época em que as prerrogativas de foro de políticos escandalizam o País, militares, juízes e promotores ainda pensam que podem ter o privilégio de serem julgados por cortes especiais, enquanto os cidadãos – aqueles inferiores a engenheiros e outras corporações – devem prestar contas aos simples magistrados.
Ou seja, quando interessa, é bom ser militar. Mas quando os PMs são limitados pela lei – como é o caso da regra que busca separar a política dos quartéis -, aí o discurso que surge é o da isonomia com os policiais civis e federais. Na verdade, há quem considere insuficiente a obrigação legal imposta – não só aos militares, mas também a juízes e promotores – de deixar sua carreira para entrar na política. Especialistas incluíram nas 70 medidas contra a corrupção a quarentena de quatro anos para magistrados e procuradores – algo que também devia se estender a militares e policiais – para impedir o uso das carreiras como trampolim político.
O instrumento que agora militares e muitos bolsonaristas querem aprovar no Senado para aumentar a participação – e a politização da PMs – é a PEC 113-A. Ela foi desmembrada da proposta da Reforma Política, votada em 2017, pelo Senado, após ter sido aprovada pela Câmara. “Na época, não existia esse fenômeno dos militares na política e a medida passou. Agora, os governadores e outros resistem e não deixam o texto entrar em pauta. Nosso sucesso nas urnas apavora a classe política”, disse o senador Major Olímpio (PSL-SP).
Olímpio sabe que, além das votações expressivas de seus colegas, movimentos como o motim do Ceará aumentou – e muito – a oposição no senado à medida. “Nem anistia aos amotinados passa hoje na Casa.” Ele acredita que as cenas de policiais se comportando como bandidos mascarados, ameaçando o comércio para obrigá-lo a fechar, vandalizando viaturas e levando insegurança e terror à população cearense não se justificam. “Para os governadores, é cômodo ter instrumentos, como o regulamento disciplinar, para controlar as polícias.”
A PEC defendida pelo major prevê o direito de o policial eleito optar por voltar às fileiras se não for reeleito. Outra PEC, a 038/2019, ainda em análise na Câmara, determina a obrigação de o PM ser reintegrado à ativa. Mesmo sem a PEC, Olímpio prevê um aumento de candidatos e de eleitos de origem militar neste ano. “Vão passar de 300.” Há cerca de 600 mil policiais e bombeiros militares no Brasil – em São Paulo são cerca de 90 mil na ativa. Olímpio comemora a força do grupo. “Nem o Ministério da Defesa, nem Bolsonaro haviam colocado nosso pessoal na Reforma da Previdência. Foi a nossa mobilização que garantiu a integralidade e a paridade.”
A tramitação da reforma da Previdência deixou cicatrizes no partido fardado. “Quando interessa, somos forças-auxiliares, quando não interessa, somos o ‘seu guarda’. As Forças Armadas nos engolem porque não conseguem ter representatividade na política e nós conseguimos”, diz o senador. Olímpio admite o risco de que os “vícios da política” entrem nos quartéis caso a PEC seja aprovada. “Não temos sindicatos. As candidaturas e os mandatos são nosso meio de lutar.” Olímpio acredita que nem mesmo as dificuldades do bolsonarismo afetarão as candidaturas militares. Nem mesmo a prisão de Fabrício Queiroz. “Ainda que a Justiça não decida até lá se Queiroz enganou os chefes ou se era o diretor financeiro de uma holding familiar, nada deve afetar as candidaturas militares.”
Olímpio é a expressão da volta do fenômeno do partido fardado, com a conquista de prestígio e posições no mundo civil. No passado, isso levou à crises e à instabilidade na República. Provocou incontáveis episódios de indisciplina e quebra de hierarquia nos quartéis, além da visão de que os chefes desse partido seriam os intérpretes da lei e únicos capazes de garantir e dizer o que é a democracia. Em nome da Ñação, praticaram-se abusos e violações de direitos. A PEC dos PMs é assim por demais carregada de história para que suas consequências não sejam verificadas e pesadas para além dos interesses dos políticos e das corporações.