STF dos EUA também contém presidente

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Foto: Leah Millis – 4.fev.20/Reuters

Donald Trump passou os primeiros meses de seu governo, em 2017, em uma grande briga na Justiça para vetar imigrantes de alguns países. Agora, chega ao fim deste mandato em meio a outros embates judiciais, com a Suprema Corte barrando iniciativas que ele pretendia usar em sua campanha à reeleição.

Em junho, vieram derrotas em temas como imigração e direitos civis, assuntos caros aos apoiadores do presidente. Na segunda (29), a Suprema Corte decidiu retirar restrições ao aborto na Louisiana. Trump faz campanha aberta contra o procedimento e inclusive participou de uma marcha no começo do ano.

Na semana passada, a Corte vetou o fim do Daca, programa que facilita a residência de imigrantes que entraram de maneira ilegal nos EUA quando crianças e cresceram no país, e determinou que gays e transexuais não podem sofrer discriminação no trabalho.

O tribunal também se negou a julgar dez apelações de casos relacionados ao porte de armas. Grupo armamentistas consideravam esses processos como um caminho para ampliar o escopo da 2ª Emenda e impedir estados de cercear a compra e o porte de pistolas e similares.

A Suprema Corte deve avaliar também o possível fim do Obamacare, programa de acesso à saúde criado por Barack Obama, e um pedido de Trump para que ele possa ocultar as suas declarações de renda, algo que ele busca esconder desde a campanha de 2016 e que pode trazer embaraços durante a campanha.

Pesquisas recentes têm mostrado queda nas intenções de voto para o republicano. Segundo o site FiveThirtyEight, que agrega enquetes eleitorais, o democrata Joe Biden tem atualmente 50,6% da preferência, contra 41,4% de Trump, e os reveses na Corte enfraquecem a imagem do presidente.

Entretanto, ele tenta transformar as derrotas judiciais em um ativo eleitoral. Se pautas conservadoras não avançam por culpa do Judiciário, está aí mais uma razão para votar no republicano: caso reeleito, nomeará mais juízes simpáticos às causas conservadoras, argumenta.

Espera-se que dois magistrados saiam nos próximos anos, mas essa não é uma certeza: cabe a cada um decidir quando se aposentar. São eles Ruth Ginsburg, 87, e Stephen Breyer, 81, ambos nomeados pelo ex-presidente democrata Bill Clinton e de postura progressista.

QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE
Ala conservadora

Jonh Roberts, 65
Indicado por Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte tem atuado de forma moderada

Clarence Thomas, 72
Indicado por Bush pai, em 1991

Samuel Alito, 70
Indicado por Bush em 2006

Neil Gorsuch, 52
Indicado por Trump em 2017

Brett Kavanaugh, 55
Indicado por Trump em 2018

Ala liberal

Ruth Ginsburg, 87*
Indicada por Clinton em 1993

Stephen Breyer, 81*
Indicado por Clinton em 1994

Sonia Sotomayor, 66
Indicada por Obama em 2009

Elena Kagan, 60
Indicada por Obama em 2010

*devem se aposentar nos próximos anos.

Trump indicou dois juízes conservadores para a Suprema Corte em seu mandato, mas isso não foi suficiente para lhe garantir vida fácil.

O tribunal tem hoje cinco nomes considerados conservadores e quatro progressistas. Mas John Roberts, atual presidente da corte e considerado conservador, passou a votar com a ala oposta em vários temas.

Também passou a criticar o presidente. Escreveu, por exemplo, que o modo como Trump tentou encerrar o Daca continha falhas legais “arbitrárias e caprichosas”.

Roberts, no entanto, segue dando sinais de proximidade aos conservadores. Nesta terça (30), foi a favor de que escolas religiosas também possam receber auxílio do Estado em meio à pandemia. Seu voto desempatou a questão.

O chefe da corte tem sido atacado por senadores republicanos, que o acusam de agir de modo político. Trump foi às redes sociais, fez críticas na mesma linha e buscou mobilizar apoiadores.

“Essas decisões horríveis e políticas vindas da Suprema Corte são tiros de rifle na cara das pessoas que são orgulhosas de chamarem a si mesmas de republicanas ou conservadoras”, disse na semana passada.

Embora com diferenças, os embates de Trump e a atitude de colocar a Justiça como um inimigo lembram os embates entre o governo de Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF).

“Nos EUA, estão em debate questões constitucionais e de direitos civis, que vêm de longa data e transcendem o governo Trump. No Brasil, o que preocupa Bolsonaro são casos criminais, como o possível envolvimento de filhos dele”, avalia Rafael Mafei, professor de direito na USP.

“A reação também é diferente. Aqui temos um presidente invocando intervenção militar. Trump não chegou nem perto disso”, compara.

Para Conrado Hubner Mendes, pesquisador do Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo) e colunista da Folha, há nos dois casos o uso de uma estratégia de “inundação”: criar muitas medidas com conteúdo potencialmente ilegal em pouco tempo.

Assim, a Justiça tem um custo político maior para confrontar o governo tantas vezes seguidas, e aumenta a chance de que juízes evitem ou adiem algumas decisões polêmicas para se preservar.

“É uma estratégia deliberada de desgaste, mas a Suprema Corte americana tem mais força institucional para resistir”, diz Hubner, em uma comparação com o STF.

COMO FUNCIONA A SUPREMA CORTE
O que faz
Instância máxima da Justiça dos EUA, responsável por dar a palavra final em processos que geram dúvidas na interpretação das normas constitucionais americanas

Como é composta
Tem nove juízes. Quando um cargo fica vago, o presidente indica um nome, que é sabatinado pelo Senado e precisa ser aprovado na Casa por maioria simples dos votos.

Duração dos mandatos
Não há aposentadoria compulsória: cada magistrado escolhe quando se aposentar. Os juízes também podem sofrer impeachment, mas até hoje nenhum saiu por esse caminho.

Como julga
Os juízes escolhem quais casos querem analisar. É preciso que ao menos quatro deles concordem para que um processo seja aceito. São julgados em torno de 80 casos por ano.

Apesar das derrotas, o republicano teve algumas vitórias recentes na corte, como a autorização para manter o programa que obriga imigrantes requerentes de asilo a esperarem uma decisão no México, e não nos EUA. Também pôde seguir com alguns planos graças a decisões provisórias.

Medidas como o veto a viajantes de alguns países islâmicos e o uso de dinheiro reservado para outros fins para construir um muro na fronteira foram barrados por instâncias inferiores.

O governo então foi à Suprema Corte e obteve autorizações provisórias para seguir com as ações enquanto esperava a decisão final.

Essas decisões, embora suspendam as negativas da primeira ou segunda instância, não necessariamente dão respostas de modo a pacificar a questão e evitar novos processos.

Um levantamento feito por Stephen Vladek, professor de direito do Texas, mostrou que Trump usou essa estratégia ao menos 29 vezes. Conseguiu autorização liminar em 17 casos.

“Isso permitiu que programas de Trump seguissem operando por praticamente todo o seu mandato, mesmo que cortes mais baixas os tenham invalidado”, escreveu Vladek, em artigo no New York Times.

“Essas decisões abrem caminho para que o presidente siga com suas políticas mais controversas sem que haja uma decisão final sobre a legalidade delas”, alerta.

VITÓRIAS E DERROTAS DE TRUMP NA SUPREMA CORTE
Jun.18 – Vitória
Permite a Trump vetar entrada de viajantes de sete países

Dez.18 – Derrota
Manda o governo voltar a aceitar pedidos de asilos de imigrantes que cruzaram a fronteira ilegalmente

Jan.19 – Vitória
Permite restrição a transgêneros nas Forças Armadas

Jul.19 – Derrota
Veta inclusão de pergunta sobre cidadania no censo, considerada uma tática para encontrar imigrantes em situação irregular

Jul.19 – Vitória
Autoriza uso de US$ 2,5 bilhões de verba militar para construção de muro na fronteira

Mar.20 – Vitória
Autoriza manutenção do programa Permaneça no México, que deixa solicitantes de asilo em espera no país vizinho

15.jun.20 – Derrota
Determina que gays e transexuais não podem sofrer discriminação no trabalho. Trump não se posicionou contra a medida, mas parte de seus eleitores é contra direitos LGBT

18.jun.20 – Derrota
Impede Trump de encerrar programa que beneficiava imigrantes que cresceram no país (Daca)

25.jun.20 – Vitória
Avaliza deportação expressa de imigrantes em situação irregular

29.jun.20 – Derrota
Tira restrições ao aborto no estado da Louisiana

Folha De S. Paulo