Trump busca “bala de prata” para reverter desvantagem

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Foto: P. Semansky/AP

A dinâmica atual da disputa eleitoral nos EUA favorece o democrata Joe Biden. A epidemia continua avançando no país e a economia está esfriando. Mas é difícil crer que o presidente Donald Trump aceitará placidamente a iminência de uma derrota. Por isso, cresce nos EUA a expectativa com as “surpresas de outubro”.

No jargão político americano, surpresa de outubro é um evento inesperado, que ocorre pouco antes das eleições e que tem o potencial de influenciar o resultado eleitoral. Pode ser imprevisto ou orquestrado pela campanha de um candidato.

Teme-se que Trump force a mão para obter a reeleição

Poucas surpresas de outubro de fato influenciaram uma eleição. O exemplo mais clássico foi a demora do Irã para libertar os reféns americanos, em 1980. Suspeita-se (não foi provado) que a campanha do então candidato republicano, Ronald Reagan, negociou essa demora com o regime iraniano, para dificultar a reeleição do presidente Jimmy Carter. Reagan venceu, e os reféns foram soltos logo após sua posse. Mas a economia americana ia muito mal, e foi possivelmente isso que definiu o resultado.

Já a eleição de 2016 foi pródiga em surpresas na reta final. Surgiu primeiro surgiu o áudio em que Trump se gabava de bolinar mulheres. Logo em seguida, o site Wikileakes divulgou emails hackeados que indicavam que a cúpula do Partido Democrata ajudou Hillary Clinton a obter a candidatura nas prévias contra o senador Bernie Sanders. E ainda expunham que Hillary fazia um discurso em público, mas dizia outra coisa em privado a grupos de interesse. Por fim, às vésperas da eleição, o FBI reabriu uma investigação contra Hillary.

Trump se elegeu ao vencer por pequena margem em alguns Estados decisisos, como Flórida, Pensilvânia e Michigan. É muito provável que essas surpresas tenham definido a eleição.

Agora, a pouco mais de três meses da votação, Trump está em situação difícil, 8,7 pontos atrás de Biden, segundo a média das pesquisas de intenção de voto feita pelo site RealClearPolitics. Ele também estava atrás de Hillary nessa mesma época, quatro anos atrás, mas por uma diferença menor, de 5,9 pontos.

O presidente precisará de novas surpresas favoráveis nos próximos meses para ter chances de se reeleger. E, no mundo trumpiano, dividido entre vencedores e perdedores, ser o primeiro presidente neste século a perder uma reeleição (o quarto nos últimos cem anos e o 12º na história dos EUA) seria uma humilhação inaceitável.

Por isso, teme-se que Trump, cada vez mais acuado, force ou crie algumas dessas surpresas.

A surpresa certamente mais desejada seria uma recuperação em V da economia americana. Mas isso parece cada vez menos provável diante do agravamento da epidemia de covid-19 nos EUA, que já está prejudicando a economia. O número de novos pedidos de seguro-desemprego voltou a subir no país. Parece assim mais provável que os próximos meses terão uma freada na recuperação ou até um aprofundamento da recessão.

Uma surpresa mais provável seria o anúncio de uma vacina contra a covid-19. Ainda que a aplicação em massa da vacina dificilmente ocorrerá até as eleições, talvez o próprio anúncio já gere uma sensação de otimismo. O governo dos EUA tem investido pesado em acordos de compra antecipada e prioritária de vacinas, e Trump poderia dizer que, graças a ele, os americanos receberão a vacina antes de outros países. America First. Mas a vacina não depende dele nem de sua campanha.

No cenário interno, Trump se apresenta como o presidente da lei e da ordem, após os protestos raciais por causa do assassinato pela polícia do negro George Floyd.. Nos últimos dias, ele vem ameaçando enviar tropas para cidades americanas governadas por democratas, supostamente para reprimir protestos e restabelecer a ordem. Anteontem o prefeito de Portland, que se opõe à medida, foi atacado com gás lacrimogêneo por agentes federais. Não está claro até onde o presidente pode ir nessa militarização das cidades.

Trump vem também fazendo o possível para desestimular o voto, que não é obrigatório nos EUA. Há a avaliação geral de que, quanto menos americanos forem às urnas, maior é a chance de ele se reeleger. O presidente está em campanha contra o voto pelo correio, que ele mesmo já usou, mas que agora diz ser passível de fraude. Há um mês ele colocou um aliado para presidir os Correios. Teme-se alguma ação que inviabilize esse o voto postal.

Há ainda opções externas. A mídia americana especula sobre um possível acordo com a Coreia do Norte, que daria algum prestígio à diplomacia de Trump.

Os rivais estratégicos dos EUA, Rússia e China, parecem preferir a vitória de Trump. Ao debilitar os EUA com um governo errático e dividir o Ocidente, o presidente tem prestado um serviço a russos e chineses, que dificilmente farão algo para prejudicá-lo e podem tentar ajudá-lo. Apesar de guerra comercial de Trump com a China, Pequim duvida, dizem analistas, que as relações melhorariam com Biden, E o democrata poderia reagrupar o Ocidente.

Apesar da recente escalada de tensão com a China, é improvável que Trump adote mais medidas comerciais contra Pequim até a eleição, pois poderiam abalar mais a economia e os mercados.

Outra especulação corrente diz respeito ao uso de alguma informação da Rússia ou Ucrânia contra Biden, ou contra seu filho, Hunter. Trump sofreu processo de impeachment por forçar a Ucrânia a fornecer material contra Biden. Foi absolvido, mas sua campanha recebeu algo?

A vantagem de Biden em Estados decisivos é pequena. Uma campanha de difamação pode prejudicá-lo a ponto de afetar a eleição. Especialmente por ser ele um candidato que não empolga. Pesquisa Reuters/Ipsos desta semana mostrou que, mesmo com todos os problemas de seu governo, Trump ainda entusiasma 27% dos eleitores americanos, contra 23% de Biden.

Trump já estimulou várias acusações infundadas, como quando sugeriu que Barack Obama teria nascido no exterior ou alegou que Ucrânia teria interferido nas eleições de 2016 a favor de Hillary, tese descartada pelo setor inteligência dos EUA.

Trump não necessariamente precisa virar a eleição a seu favor. Basta que perca de pouco. Isso lhe permitiria contestar o resultado. Em entrevista no domingo, ele não se comprometeu a aceitar uma eventual derrota. Poderá denunciar fraude e tentar melar a eleição. Fará o discurso de que não perdeu, mas foi ejetado por um sistema político corrupto.

Para o que for preciso, ele terá a ajuda de um Departamento de Justiça subserviente.

Surpresas certamente virão.

Valor Econômico