Após ataques da extrema-direita, criança estuprada tem gravidez interrompida

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Foto: Reprodução

Profissionais de saúde responsáveis pela interrupção da gestação da menina de 10 anos, que foi vítima de estupro no Espírito Santo, confirmaram a realização do procedimento.

A menina foi transferida de São Mateus, no norte do Espírito Santo, para o Recife, capital de Pernambuco, após decisão do juiz Antonio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude do município onde ela mora.

Desde domingo (16/8), a menina está internada no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam-UPE), localizado no bairro da Encruzilhada. Ao longo do dia, diversas pessoas se manifestaram, a favor e contra o procedimento médico, que é assegurado pela lei em caso de estupro.

De acordo com o gestor executivo e diretor do Cisam, o médico Olímpio Barbosa de Morais Filho, o procedimento de interrupção da gestação, pelo qual ele foi responsável, teve início no domingo e será finalizado nesta segunda-feira (17/8). “Ontem mesmo foi procedido o óbito fetal, então não tem mais vida, o feto. E hoje vamos proceder com o esvaziamento, que é para causar contrações para expulsão do feto. E esperamos, a partir de amanhã, em algum momento, que ela tenha condições de alta”, afirmou.

Questionado sobre o estado de saúde da menina, o médico disse que ela está bem. “Ela está bem, com apoio psicológico, assistência social e a avó. Está tendo algumas contrações, cólicas, mas está bem”, afirmou.

De acordo com a coordenadora de enfermagem do Cisam, Maria Benita Spinelli, a instituição optou pelo tipo de procedimento menos invasivo possível. “Se faz um primeiro procedimento, que é o óbito fetal, e em seguida dá continuidade ainda com o uso de alguns medicamentos, para o desencadeamento do aborto, da expulsão do feto, de uma forma menos traumática e intervencionista, para que a eliminação seja por via vaginal, sem causar maiores danos à menina”, explicou.

Benita Spinelli explicou ainda que, nesta segunda-feira, a menina deve sentir algumas dores de contrações, mas que são dores esperadas e que não demonstram risco para a paciente. “Elas estão bem [a menina e a avó], acolhidas, estão em uma enfermaria, sendo bem cuidadas por toda a nossa equipe profissional e aguardando o desfecho. A menina deve sentir algumas dores, claro, porque são contrações, e a sensação é essa mesmo, a contração é dolorida, mas está tudo dentro do previsto, correndo da melhor maneira possível. Assim que ela estiver bem, em condições de alta, sem nenhum sangramento ou processo infeccioso, ela poderá voltar para a cidade dela”.

Durante o domingo, grupos religiosos fizeram atos, fazendo uma espécie de barreira humana na frente do Cisam para tentar impedir a entrada do médico responsável pelo procedimento na unidade de saúde. Ao chegar ao local, o médico foi recebido aos gritos de “assassino”. Vídeos do momento circulam nas redes sociais.

“Dentro da maternidade, em alguns momentos, a gente escutava alguns ruídos lá de fora [dos protestos], mas conseguimos manter a menina fora e alheia ao que estava acontecendo lá. A gente sabia o que era, mas no nosso espaço estávamos cuidando dela. Fazendo o procedimento acontecer, explicando a ela direitinho. Para que ela se sentisse acolhida e segura com quem estava ali com ela. Afinal de contas, foi o nosso primeiro contato com ela”, contou Benita.

“Mas acho que conseguimos transcorrer da melhor forma possível para ela, sem causar tantos problemas, porque o que aconteceu do lado de fora, pelo o que a gente viu nas redes sociais, realmente não foi uma situação nem um pouco confortável: um grupo fazendo barulho e sem máscara na porta de um hospital, querendo invadir a instituição. Mas, para nós, do Cisam, fica a sensação e o sentimento de tarefa cumprida, cumprindo com o nosso dever, atendendo a uma ordem judicial para salvar a vida de uma criança que vem sendo vítima, há quatro anos, de um adulto agressor. Um sofrimento que resultou numa gestação”, pontuou Benita Spinilli.

“Nós trablhamos no Sistema Único de Saúde (SUS) e temos que atender a população independentemente de raça, cor, idade ou classe social. O SUS é isso, ele é universal e atende pessoas de qualquer lugar. Então, se no estado em que ela [a menina] mora, houve objeção em relação ao procedimento, aqui ela foi acolhida sem nenhuma dificuldade nossa, a dificuldade foi externa. E a gente tem sempre essa certeza de missão cumprida, porque nós acreditamos que as mulheres precisam e podem viver uma vida saudável, sem violência e com liberdade”, disse Benita Spinelli, que é coordenadora de enfermagem do Cisam.

À noite, já com boatos de que a gestação havia sido interrompida com segurança para a menina de 10 anos, um movimento de apoio e suporte às mulheres também se mobilizou na frente do Cisam. O vídeo mostra mulheres que repetem juntas, em voz alta, um discurso proferido por uma delas: “Nós estamos aqui, num contexto de pandemia, respeitando o isolamento social, usando máscara, para dizer que nossas vidas importam e que a vida dessa menina estuprada importa para toda a sociedade. Um aborto legal é um direito. Não vamos abrir mão disso, não vamos abrir mão da vida de uma menina de 10 anos”.

Metrópoles