Autor de dossiê insinua pressão do ministro da Justiça
Foto: Jose Cruz / Agência O Globo
Demitido do cargo de diretor de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o coronel Gilson Libório de Oliveira Mendes defendeu o tratamento sigiloso dado ao dossiê criado na pasta para monitorar críticos do governo de Jair Bolsonaro e deixou em aberto de onde partiu a ordem para a elaboração do relatório de monitoramento de 579 opositores do presidente. Ao GLOBO, Libório afirmou que sua posição é a mesma manifestada oficialmente pela pasta, e que cabe ao órgão dar explicações sobre o episódio.
– Este é um tema que tem a regra de sigilo normal. Eu não tenho nada para comentar sobre o tema. Qualquer assunto é com o ministério. É a posição oficial – disse o ex-diretor de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça.
O GLOBO questionou Libório se a confecção do dossiê partiu de uma ordem do ministro da Justiça, André Mendonça; do secretário de Operações Integradas do ministério, o delegado da Polícia Civil do DF Jeferson Lisbôa Gimenes; ou se foi iniciativa do próprio coronel, quando estava no cargo de diretor de Inteligência.
– Nem que sim, nem que não, nem talvez. Estou em silêncio – limitou-se a responder.
A existência de um relatório de monitoramento de grupos de policiais antifascistas, servidores e professores foi revelada pelo portal “Uol”. O documento foi elaborado na gestão de André Mendonça, que assumiu o Ministério da Justiça no fim de abril. O dossiê foi produzido na Seopi, secretaria que abriga a Diretoria de Inteligência, ocupada até ontem pelo coronel Libório.
O caso passou a ser investigado pelo Ministério Público Federal (MPF). O procurador regional dos Direitos do Cidadão Enrico Rodrigues de Freitas, que atua no Rio Grande do Sul, instaurou um procedimento preparatório para apurar as circunstâncias da elaboração do relatório de monitoramento de opositores de Bolsonaro. O procurador pediu documentos ao ministério.
A demissão de Libório foi interpretada como um fato relevante, mas ele só deve ser ouvido pelo MPF após uma análise dos documentos oficiais. O prazo para a entrega do material se encerra no fim desta semana.
Pouco mais de uma semana depois de chegar ao Ministério da Justiça, André Mendonça nomeou Libório como seu assessor especial, em 7 de maio. Ele desempenhava a mesma função na Advocacia-Geral da União (AGU), quando Mendonça era o titular do órgão. Em 25 de maio, o coronel ganhou o cargo de diretor de Inteligência, nomeado pelo ministro.
Libório foi secretário-executivo do Ministério da Justiça em 2018, último ano do governo de Michel Temer. Foi o número dois de Torquato Jardim, e chegou a assumir a pasta interinamente por diversas vezes, inclusive com assinatura de decretos com o presidente da República. Ele também foi diretor de Pesquisas e Informações Estratégicas da Controladoria-Geral da União (CGU), na gestão do ministro Wagner Rosário no governo Temer.
Libório foi nomeado como titular do Comitê Gestor de Segurança da Informação, tanto como representante da CGU quanto da AGU. O comitê assessora o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, cujo titular é o general Augusto Heleno.
Desde dezembro de 2019, a secretaria onde estava o coronel integra o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), presidido pelo ministro do GSI. A secretaria do Ministério da Justiça está ao lado de outros 41 órgãos no Sisbin, presidido pelo ministro do GSI. Até a chegada de Mendonça ao Ministério da Justiça, a Seopi estava mais voltada a atividades de inteligência relacionadas a operações contra o crime e a articulações de forças de segurança, além de programas relacionados a áreas de fronteira.
Mendonça disse que soube pela imprensa da existência de um dossiê com dados de opositores de Bolsonaro. Ele demitiu o diretor de Inteligência, e determinou a abertura de uma sindicância para investigar a confecção do relatório, depois de forte pressão de entidades e dos citados no relatório, da atuação do Congresso e da abertura de uma investigação pelo MPF.
Na semana passada, o Ministério da Justiça havia informado que a Seopi produz relatórios de inteligência para que as autoridades públicas possam “prevenir situações de risco para a segurança pública” e tem a função de “obter e analisar dados para a produção de conhecimento de inteligência em segurança pública e compartilhar informações com os demais órgãos componentes do Sisbin”.
Ainda segundo a pasta, a produção de informações de inteligência é atividade “típica de Estado” e as estruturas de inteligência do ministério são mantidas desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nota da semana passada também dizia que “a Seopi reitera que sua área de inteligência atua dentro da mais estrita legalidade. Assim, por óbvio, não atua para investigar, perseguir ou punir cidadãos”.