Diplomata critica perda de investimentos por meio ambiente

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 Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Ao longo de boa parte dos 43 anos de carreira, o embaixador Everton Vargas chefiou a frente da diplomacia ambiental brasileira. Ele teve participação direta nas tratativas com países nórdicos para trazer ao Rio a ECO-92, conferência histórica que ajudou a inserir o Brasil no grupo dos protagonistas das discussões ambientais, no momento em que o país era pressionado pelo assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988. Foi embaixador em postos prestigiados, como Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina) e Bruxelas (União Europeia).

Diplomata não age sozinho. Ele trabalha sobre instruções, não pode chegar numa gestão junto a um país ou numa reunião internacional e dizer o que gostaria. Ele escreve seu discurso, mas com base nas instruções de Brasília. Em determinadas circunstâncias, tem que consultar o Itamaraty em Brasília sobre o que vai dizer. Há instruções mais específicas, mais firmes e incisivas, outras são para considerar algo ou um conjunto de informações recebidas. Quando se trata de um caso como desmatamento, em geral o que vem é o que o governo está fazendo. Os colegas têm que estar alinhados com o discurso oficial do governo. Diplomata é um homem honesto para dizer o que seu governo quer que ele diga. Sempre tivemos grande presença, e isso tudo foi em função da nossa política interna.

Há certa demonização de ONGs no governo?

É uma questão de sua cabeça. Se você acha que o mundo está contra você, não vai sair de casa. Se você acha que consegue ser persuasivo com o diálogo, você senta para conversar com as pessoas. As ONGs existem e não é por que a gente não fala com elas que vão parar de funcionar. Se demonizar quem perde é você, eles vão ficar ali e, o dia que o governo mudar, eles vão lá para reclamar e dizer que ficaram de fora. ONG não é só aquele pessoal tatuado que anda com pé descalço e sujo, com tatuagem, enrolado com folha. É um pessoal muito capaz, alguns dos melhores técnicos brasileiros trabalham para ONGs. A ONG muitas vezes está mais presente na ponta da linha do que os órgãos governamentais, então você aprende muito, com populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas. Eles às vezes querem coisas que mudam radicalmente o cenário, sem condições de passar (nos acordos internacionais) porque outros países têm dificuldades, mas podem trazer outro viés, uma posição mais meio termo, palatável, seja no plano interno quanto no plano externo.

Por que o País perdeu a posição de liderança na diplomacia ambiental nas negociações internacionais? O ponto é o descontrole no desmatamento?

A Amazônia é patrimônio brasileiro, seus efeitos no sistema climático extrapolam fronteiras. É ingenuidade pensar que a comunidade internacional vai deixar de perceber e avaliar como o Brasil cuida de seu capital natural. Isso é essencial. Segunda coisa, é necessário que você saiba quais são seus desafios e como deve tratá-los. E para isso, vai depender de uma política interna coerente e consistente. E há outra coisa muito importante: a questão das comunidades indígenas. A imagem de qualquer país está vinculada à proteção do meio ambiente, dos direitos humanos, em particular das comunidades originárias, da adoção de padrões de produção e consumo sustentáveis, de combate ao desmatamento. Enquanto não fizer uma coisa concreta nessa área vão ter repercussões. Agora, estamos vendo um fenômeno novo que é exatamente o engajamento do setor financeiro internacional em ações que vão do desmatamento às culturas tradicionais.

Qual o maior risco para o País na questão ambiental, o investimento ou o comércio exterior?

Depende do seu parceiro. Ninguém quer comprar carne, soja ou qualquer outro produto que venha de uma região onde ocorreu desmatamento. Eu estava na UE quando houve uma grande polêmica com a Indonésia em razão a exportação do óleo de palma, porque esse óleo supostamente vinha de regiões degradadas, onde tinha havido desmatamento e foram plantadas palmeiras que forneciam esse produto. O problema é Europa e tem a ver com o protecionismo do agro deles ou é maior? A gente corre um sério risco nessa área comercial, em particular com a Europa, mas não só. Vai além da Europa porque muitos países que não pertencem a União Européia adotam os mesmos critérios para efeito de importação de produtos agropecuários, sobretudo, quando se refere a questões sanitárias. Eu vi isso quando houve a (Operação) Carne Fraca aqui no Brasil. Eu estava como embaixador em Bruxelas. Foi minha grande batalha evitar que a União Europeia fechasse seu mercado à carne brasileira. São questões que temos que cuidar. Eu não vejo uma grande trading japonesa querendo comprar soja, carne do Brasil que tenha uma mancha de ter sido produzida numa região desmatada. Todo lugar onde têm grandes empresas com interesses internacionais, com necessidade de recursos financeiros e que querem ter ações em bolsa, elas têm que ter hoje um boletim bastante limpo a respeito de como atuam em regiões onde há problemas ambientais.

Há uma coisa muito importante que não damos conta. Toda vez que o Brasil investiu em conhecimento foi extremamente bem sucedido. Pega o caso da agricultura, da pecuária, da aviação, do etanol, da exploração de petróleo em águas profundas. Nesses cinco, em todos eles o Brasil é competitivo, tem a melhor tecnologia, fez uma coisa que conseguiu se manter. Perder esse investimento, que não é do governo A, B ou C, mas da sociedade, deixar isso morrer por não ter estratégia para coibir o desmatamento, coisa que a gente também sabe fazer, é vergonhoso.

Estadão