Ditador da Bielorrússia diz que só sai do poder morto

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Foto: BelTA / via REUTERS

Perante os maiores protestos e greves na História recente da Bielorrússia, o presidente Alexander Lukashenko admitiu nesta segunda-feira que poderia se comprometer com um referendo que o levasse a compartilhar o poder, mas que isso não acontecerá enquanto estiver sob pressão. Entrincheirando-se no poder, no entanto, o presidente disse também que o país não terá novas eleições “até que me matem”.

O caos político em Minsk se aprofundou após o resultado das contestadas eleições de 9 de agosto, quando Lukashenko, no poder desde 1994, proclamou-se reeleito para um sexto mandato com 80% dos votos. O resultado não foi reconhecido por Svetlana Tikhanovskaya, sua principal opositora, que obteve oficialmente apenas 10% dos votos mesmo após mobilizar a oposição e liderar maciços protestos antigoverno. Sob ameaças, ela abandonou o país na última semana, exilando-se na vizinha Lituânia.

Nesta segunda, os protestos no país entram em seu nono dia consecutivo, sem perder intensidade, exigindo a renúncia de Lukashenko, tido como o “último ditador da Europa”. No domingo, mais de 200 mil pessoas tomaram as ruas de Minsk, no maior ato desde o colapso soviético, em 1991. Canais de televisão estatais aderiram à greve, fazendo transmissões com o estúdio vazio e tocando músicas pop, enquanto os funcionários protestavam do lado de fora.

Nas fábricas, espinha dorsal do apoio ao presidente, paralisações continuam mesmo sob ameaças de demissão. Em uma visita à MZKT, planta que produz tratores e tanques militares, Lukashenko fez um discurso para um seleto grupo de funcionários e chegou de helicóptero para evitar os manifestantes, que se dirigiam ao local. Ainda assim, foi interrompido por sonoros gritos de “renuncie”:

— Vocês querem dizer que as eleições foram injustas e que vocês querem [eleições justas]? Aqui está a resposta de vocês. Nós tivemos uma eleição. Não vai haver outra até que vocês me matem — afirmou, segundo o site local TUT.by. — Obrigado, eu disse tudo. Vocês podem continuar a gritar “renuncie” — disse, ao encerrar a fala.

Logo após vídeos do incidente começarem a circular online, houve interrupções no serviço de internet do país, segundo a Netblocks, organização que mapeia a liberdade na rede. A tática tem sido usada com alguma frequência nos últimos dias para dificultar a circulação de informações sobre os protestos.

Desde que as manifestações começaram, ao menos duas pessoas morreram e mais de 6 mil foram detidas, em meio à denúncias de tortura e maus-tratos nas prisões.

Em uma tentativa fracassada de acenar aos manifestantes, Lukashenko disse que se comprometeria a fazer um referendo com mudanças constitucionais que o levassem a dividir o poder, sem dar detalhes. Segundo observadores internacionais, Minsk não tem eleições justas e transparentes desde os anos 1990.

— Nós vamos levar as mudanças a referendo, e eu vou entregar meus poderes constitucionais, mas não vou fazer isso sob pressão das ruas — afirmou. — Sim, eu não sou santo. Vocês conhecem meu lado duro. Não sou eterno. Mas se vocês me derrubarem, vocês derrubarão os países vizinhos e todo o resto.

Horas depois, segundo a agência de notícias russa RIA, Lukashenko vinculou a realização de novas eleições à implementação de uma nova constituição.

Tikhanovskaya, por sua vez, disse estar pronta para liderar o país em um período de transição, para encerrar o “ciclo sem fim em que nos encontramos há 26 anos”. Ex-professora de inglês que ingressou na política após seu marido, um importante blogueiro de oposição, ser preso e ter a candidatura vetada, a ex-candidata prometeu realizar “eleições reais, honestas e transparentes que seriam incondicionalmente aceitas pela comunidade internacional”.

— Eu entendo que a coisa mais importante de todas é a independência da Bielorrússia. Essa é uma constante que não pode ser perdida sob quaisquer circunstâncias — afirmou em vídeo, fazendo uma referência indireta à Rússia.

Durante o final de semana, Lukashenko falou duas vezes ao telefone com o presidente russo, Vladimir Putin, que lhe garantiu apoio e reconheceu sua reeleição. O Kremlin disse que cumprirá com as obrigações que assumiu em tratados para defender a Bielorrússia em caso de uma invasão externa, mas não disse se ajudaria Lukashenko a conter os protestos.

Segundo analistas, a situação é uma faca de dois gumes para Putin, que há anos busca integrar ainda mais os dois países, em especial pelo fato da Bielorrússia ser um para-choque estratégico entre o seu território e a Otan. Alguns analistas ocidentais acreditam que o russo poderia repetir a invasão da Geórgia, em 2008, ou da Ucrânia, em 2014, mas especialistas ouvidos pelo Financial Times acham isto improvável. Para eles, Moscou preferiria um acordo entre Lukashenko e a oposição.

— Putin vê isso como uma questão interna para Lukashenko — disse ao FT Tatiana Stanovaya, fundadora da consultoria de risco russa R. Politik. — Se fosse sobre Lukashenko contra o Ocidente, seria uma história diferente, e o Kremlin falaria de outra forma.

A relação entre os aliados andava estremecida nos últimos anos — o bielorrusso teme que Putin tenha planos de anexá-lo e, nas últimas semanas, acusou o Kremlin de interferir nas eleições e prendeu supostos mercenários russos. Em paralelo, nos últimos quatro anos, Minsk vinha buscando se aproximar da União Europeia.

Apesar do regime autoritário, a Bielorrússia é considerada uma peça particularmente importante para a UE e para os três países-membros com os quais faz fronteira (Lituânia, Letônia e Polônia). Após Minsk libertar prisioneiros políticos há quatro anos, Bruxelas ampliou sua ajuda financeira e facilitou a vistos de entrada a cidadãos bielorrussos, entre outras medidas.

O bloco, que já dá como certa a reimposição de sanções coletivas frente às denúncias de fraude eleitoral e violações dos direitos humanos, realizará na quarta-feira uma conferência sobre a Bielorrússia, quando deverão fazer criticas a uma possível interferência russa em Minsk. Comentando pela primeira vez sobre a crise nesta segunda, o presidente Donald Trump disse que os EUA estão avaliando de perto a situação “terrível” na Bielorrússia. O governo ucraniano, por sua vez, convocou o embaixador bielorrusso em Kiev para prestar explicações.

O Globo